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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Exames estão acabando com a medicina, reclamam médicos

Edson Lopes Jr./Divulgação
Mulher se submete a exame de mamografia em São Paulo, em foto de 2014
Outro dia, passei a tarde toda fazendo uma lista enorme de pedidos de exames; muito mais do que imaginei que os pacientes precisassem

Agora é isso que nós médicos fazemos no trabalho. As diretrizes exigem os exames, os pacientes esperam ser examinados; resultados anormais exigem mais medicamentos, e os medicamentos obrigam o paciente a fazer mais exames.

O resultado do dia: cinco horas, 14 pacientes razoavelmente saudáveis, 299 exames diferentes de exames funcionais e de sangue, três tomografias e um punhado de indicações a especialistas para a realização de ainda mais exames.

Os professores reclamam que a educação primária corre o risco de se transformar em um processo de educar para os exames. Eles protestam à medida que o conteúdo dos exames padronizados determina cada vez mais os conteúdos de sala de aula, fazendo com que o resultado desses exames seja usado para medir seu desempenho.

Nós entendemos sua dor: a medicina voltada para os exames é desalentadora.

Alguns exames médicos, como o de pressão sanguínea, são baratos e simples. Outros são caros e mais complicados, como mamografias e testes de várias moléculas do sangue que estão ligadas a uma série de doenças. Fazemos todos esses exames a intervalos regulares e, se deixamos de pedir algum, seja por acidente ou por escolha, os prontuários médicos eletrônicos nos cutucam impiedosamente a ponto de nos fazer desistir.

Como na educação, nosso comportamento voltado para os exames e seus resultados define cada vez mais nosso desempenho e, em um futuro próximo, é provável que nossa remuneração também dependa disso. Ainda assim, como todos os sistemas de controle de qualidade baseados em testes e exames, o nosso pode ser adulterado. Nossos exames também podem causar danos psicológicos desnecessários, além de danos físicos de tempos em tempos.

O mais preocupante é que pedir exames, procurar e interpretar os resultados e lidar com o ciclo infinito de exames repetidos para confirmar e esclarecer os resultados acaba por tomar boa parte do nosso tempo.

Tudo isso em nome de um tratamento igualitário e de boa qualidade, o que seria ótimo. Porém, quando você chega aos 50 anos de idade e eu não consigo convencer meus pacientes a fazerem colonoscopias ou mamografias indesejadas, isso significa que eu sou uma médica ruim? Se você chega aos 85 anos e eu consigo convencê-lo a tomar remédios para controlar a pressão, isso me torna uma médica boa?

Eu não sou a única que faz esse tipo de pergunta.

Uma equipe da Faculdade de Medicina de Dartmouth se especializou na análise crítica de nossa abordagem baseada em testes para ajudar a melhorar o tratamento dos adultos. Se você não tem certeza se deve fazer a mamografia, a colonoscopia ou o exame de toque para o câncer de próstata, esses caras são alguns dos culpados: eles demonstraram em diversas ocasiões que esses e muitos outros exames não melhoram a saúde de uma pessoa saudável, assim como as provas padronizadas nas escolas não melhoram a capacidade intelectual das crianças.

O Dr. H. Gilbert Welch, médico de Vermont que faz parte do grupo da Faculdade de Medicina de Dartmouth, acaba de publicar um livro que pode se tornar uma espécie de bíblia apara os médicos que não acreditam em tantos exames. O título do livro, "Less Medicine, More Health" (Menos medicina, mais saúde, em tradução literal), resume seu discurso: uma crítica pontual aos tratamentos médicos baseados em exames e no controle de qualidade.

Na medicina, "é muito difícil mensurar a qualidade real", afirmou Welch. "O que é fácil mensurar são quantas coisas os médicos estão fazendo". Fazer pedidos de exames constantes só gera dados. Por outro lado, deixar os pacientes saudáveis em paz não gera nada de tangível; nenhum número, nenhum dinheiro que possa ser avaliado ao longo do tempo.

Welch destaca que médicos se tornam médicos porque sabem fazer provas e exames, o que significa que sabem como se comportar em um universo voltado para os exames. Se eles forem avaliados pelo número de exames que pedem para os pacientes, os médicos vão pedir muitos exames, até mais do que as diretrizes sugerem.

Eles vão ter bons resultados na avaliação de qualidade, mas os pacientes podem não se sair tão bem. Até mesmo os exames mais seguros e incapazes de causar danos podem, dependendo das circunstâncias, levar a uma catástrofe.
Sim, estou falando de tirar a pressão ali na esquina. A ligação entre pressão sanguínea alta e uma série de doenças é inegável, e os medicamentos utilizados para controlar a pressão estão entre os mais baratos e seguros do mercado.

Ainda assim, conforme Welch destacou durante uma conversa recente, os sistemas que avaliam os médicos de acordo com a forma como a pressão sanguínea de seus pacientes é controlada quase sempre causam problemas. Médicos que são premiados por realizar muitos tratamentos provavelmente vão continuar a fazer isso, mesmo quando os benefícios começam a dar lugar aos danos.

É isso que parece acontecer com os idosos; pelo menos entre aqueles que evitam as complicações da pressão alta e não deixam de tomar seus remédios. Um estudo recente revelou que os pacientes de um asilo que tomavam dois ou mais medicamentos para controlar a pressão sanguínea obtinham resultados consideravelmente piores, com índices de mortalidade duas vezes maiores que o de seus colegas que não tomavam os medicamentos. Outro estudo envolvendo pacientes com demência que tomavam corretamente seus remédios para a pressão sanguínea, revelou que suas mentes se deterioravam muito mais rapidamente.

Ainda assim, nenhum sistema de controle de qualidade que eu conheça aprova o médico por tirar os medicamentos de um paciente idoso e fragilizado. Pelo menos não por enquanto. Quem sabe no futuro, não pedir exames e não prescrever remédios serão marcas tão claras de um bom tratamento médico, como o excesso de pedidos é hoje.

As crianças vão à escola para estudar, mas por que os adultos vão ao médico? Se estiverem doentes, eles querem melhorar. Porém, no caso de pacientes felizes e saudáveis, sejamos honestos: ainda não entendemos o que você está fazendo na sala de espera. E, por isso, oferecemos uma lista interminável de exames em troca.

The New York Times / UOL

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