Não precisamos nem dizer que ficar sem dormir causa problemas, não é mesmo? O sono é essencial para muitas funções, como memória e cognição
Mas por que dormimos e quais os efeitos exatos que a privação do sono podem ter na nossa saúde permanecem pouco compreendidos pela ciência
Essa falta de conhecimento, no entanto, não impediu que as pessoas experimentassem padrões diferentes de sono, conhecidos como “sono polifásico”. A ideia é reduzir o tempo total gasto de olhos fechados – afinal de contas, todo mundo já se viu reclamando do tanto de coisa que tem para fazer e do tanto de tempo que precisa passar da vida sem realmente viver, só dormindo.
Tipos de sono
O sono monofásico todo mundo conhece, por ser um dos comuns na sociedade: a pessoa só dorme uma vez por dia, geralmente à noite.
O sono bifásico também mantém a maior porção do sono à noite, com alguma soneca durante o dia.
Já o sono polifásico é um padrão alternativo no qual o tempo dedicado ao descanso pode ser reduzido (das oito horas comuns até no mínimo duas horas por dia) sem causar danos à saúde. Esse objetivo é normalmente alcançado pela separação do sono em vários momentos, curtos, do dia.
Existem vários tipos de sono polifásico, incluindo:
- “Everyman”: é formado por um bloco de sono mais longo, além de três cochilos, por dia. O termo é usado às vezes para descrever um período de sono acidental maior, que eventualmente ocorre para pessoas em fase de adaptação do método Uberman.
- “Dymaxion”: criado por Buckminster Fuller, esse regime consiste em períodos de sono de 30 minutos a cada seis horas.
- “Uberman”: é o mais rígido e mais bem conhecido tipo de sono polifásico. Consiste em seis cochilos de 20 minutos por dia. Segundo o neurologista Claudio Stampi, criador do Chronobiology Research Institute em Boston (EUA), o sono polifásico funciona melhor quando não é feito em horários rígidos – ou seja, a pessoa dorme quando sentir que é o momento certo, mas não deve ultrapassar o limite de 20 minutos, ou entra em um sono mais profundo e torna-se mais difícil acordar.
Sono polifásico não é incomum
Stampi, que é especialista em sono, explicou em seu livro de 1992 “Why We Nap: Evolution, Chronobiology, and Functions of Polyphasic and Ultrashort Sleep” (em tradução livre, “Por que cochilamos? Evolução, cronobiologia e funções do sono polifásico e ultracurto”) que os seres humanos podem se ajustar facilmente a uma programação polifásica – é preciso força de vontade, mas todos devem conseguir.
Muitos animais são polifásicos, e os nossos ancestrais caçadores-coletores podem ter sido também. Aliás, um padrão de sono segmentado era comum tão recentemente quanto no século 18. Naquela época, as pessoas muitas vezes dormiam durante quatro horas e acordavam por uma ou duas horas antes de ir para a cama de novo, por mais quatro horas. No período em que ficavam acordados durante a noite, as pessoas fumavam, faziam sexo e até mesmo visitavam vizinhos.
Foi o advento da iluminação noturna que nos permitiu espremer mais tempo acordado fazendo coisas, de forma que as pessoas se adaptaram a ir para a cama de uma só vez, ou seja, o sono monofásico de hoje.
O que o sono polifásico faz com a mente
Algumas décadas atrás, Stampi fez um estudo para descobrir o que acontece com o cérebro em tais circunstâncias. Com a ajuda de sondas elétricas ligadas ao crânio de um participante voluntário, Stampi comparou como os ciclos de sono normais se ajustam ao polifásico.
O sono monofásico é dividido em três fases. A primeira é o sono leve, consistindo de ondas teta rápidas. A segunda é o sono profundo, caracterizada por ondas delta lentas. A última fase é quando sonhamos, conhecida como sono REM (movimentos oculares rápidos, do inglês “rapid eye movement”).
Durante uma noite de sono, esses três estágios se repetem de forma cíclica ao longo de 90 a 200 minutos. O participante do estudo, tirando seis sestas de 30 minutos por dia, parecia ter “cortado” essas fases para encaixá-las em seus cochilos curtos. Em alguns, ele estava na primeira ou na segunda fase do sono e, em outros, experimentou REM.
Das três fases, conhecemos melhor o papel do sono REM. Acredita-se que ele é a chave para a aprendizagem e a formação de memórias. Pessoas que aprendem algo e são privadas de sono REM não são capazes de lembrar o que aprenderam mais tarde. Stampi observou que os vários estágios foram experimentados nas mesmas proporções tanto durante o sono monofásico quanto no polifásico, indicando que todas as etapas são importantes.
Novas descobertas
Stampi é um importante pesquisador do sono polifásico e parece ter mostrado que ele não causa danos à saúde, mas algumas descobertas recentes sugerem que talvez não seja uma boa ideia permanecer em um padrão de sono tão reduzido por muito tempo.
Akshat Rathi foi um voluntário que decidiu experimentar o sono polifásico por conta própria (leia mais sobre suas impressões abaixo). Embora o resultado tenha sido no geral positivo, ele afirma que não faria isso de novo.
“Talvez, se eu encontrasse motivação suficiente [faria de novo]. Mas não por mais do que alguns meses, porque há um propósito biológico do sono que só se tornou evidente nos últimos anos”, diz.
“Todas as células do nosso corpo requerem nutrientes e produzem resíduos. Os vasos sanguíneos fornecem estes nutrientes para todo o corpo, e os vasos linfáticos recolhem os resíduos de todas as partes do corpo, com exceção do cérebro. Esses resíduos cerebrais, estudos recentes têm mostrado, são limpos pelo fluido cerebrospinal, que age como o sistema linfático, mas faz o trabalho de forma mais eficaz no espaço apertado dentro do crânio. O que é mais importante, no entanto, é que essa limpeza só acontece durante o sono”, explica Rathi. O Hype fez um artigo sobre essa descoberta.
Clique aqui para lê-lo.
Sono polifásico: experiência própria
Akshat Rathi fazia doutorado no laboratório de química da Universidade de Oxford (Reino Unido) quando resolveu que precisava de mais tempo acordado. Assim, se preparou para testar padrões de sonos polifásicos e ver se eles ajudariam a aumentar sua produtividade.
Rathi tomou o cuidado de parar de beber chá, café e álcool, substâncias que afetam o sono. Também procurou lugares para cochilar durante o dia, de forma segura. Ele iniciou o experimento junto com seu amigo Alex, no cronograma Dymaxion (cochilos de 30 minutos a cada seis horas).
Os problemas começaram após 36 horas. “Eu estava achando difícil ficar acordado à noite, e Alex não era capaz de acordar após os cochilos. Estávamos cientes das dificuldades, mas não do quão ruim a privação de sono verdadeiramente era. Alex voltou a ser monofásico, mas eu estava determinado a fazer dar certo, então mudei para um horário de sono mais fácil: o Everyman, no qual eu dormia durante 3,5 horas à noite e tirava três sestas de 20 minutos durante o dia”, explica Rathi.
Depois de três semanas e mais alguns obstáculos, o doutorando finalmente se ajustou ao novo horário. Com 4,5 horas de sono no total, um pouco mais de metade das horas que ele costumava dormir, Rathi aproveitou muito seu tempo extra: terminou sua tese, a defendeu com sucesso, teve a chance de aproveitar regalias da Universidade de Oxford sem sacrificar tempo de laboratório e até explorou outras opções de carreira, o que eventualmente o levou a se tornar um jornalista.
Só vantagens?
Rathi viu muitos benefícios no sono polifásico. Ele acordava totalmente revigorado após os cochilos, de forma que tinha energia renovada quatro vezes por dia, em vez de apenas uma.
Também notou que sonhava durante pelo menos uma ou duas de suas sonecas diárias, um sinal de sono REM. Isso significava que estava, provavelmente, entrando diretamente no último estágio do sono monofásico em uma pequena sesta. Às vezes, esses sonhos eram lúcidos (ou seja, ele podia controlá-los).
Mas nem tudo foram flores. “A parte mais difícil, depois das três primeiras semanas de adaptação ao cronograma, foi manter a socialização. O mundo é monofásico e estudantes em universidades amam álcool. Às vezes, eu evitava eventos se eles entravam em confronto com meu cronograma, ou muitas vezes ia embora mais cedo para que pudesse continuar vivendo minha vida polifásica”, conta.
Para a surpresa de muitos, Rathi conseguiu manter esse padrão por mais de um ano. Mas então veio uma conferência onde ele não pode cochilar nenhuma vez durante uma semana, e o estudante precisou dormir monofasicamente de novo. Consequência? Foi impossível voltar ao sono polifásico.
“Quando eu tentei voltar para a minha programação anterior, não encontrei motivação. Eu não tinha os mesmos objetivos urgentes, então voltei a dormir como um ser humano médio”, diz.
Conclusão
Rathi diz que sua experiência o fez perceber a enorme importância do sono. Também, até que um estudo científico prove que um padrão polifásico de sono não afeta este sistema de limpeza de resíduos no cérebro, ele afirma que não vai voltar a dormir dessa forma. “Mas não me arrependo do experimento que fiz, abastecido com o meu espírito jovem”, conclui.
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