O tratamento de uma das doenças mais comuns do mundo permanece um desafio para médicos e pacientes. Cerca de 40% das pessoas com diagnóstico de depressão não respondem bem ao tratamento. Descobrir quem são esses pacientes antes mesmo de iniciar uma terapia é a promessa de um método desenvolvido por cientistas brasileiros e alemães.
— Descobrimos 29 proteínas do sangue ligadas à resposta aos antidepressivos. E identificamos as variações nessas proteínas entre as pessoas que melhoram com os remédios e aquelas que não são beneficiadas por eles. Isso é importante para definir a estratégia de tratamento — explica um dos autores do estudo, o bioquímico Daniel Martins-de-Souza, chefe do Laboratório de Neuroproteômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Uma pessoa com depressão normalmente só começa a responder aos remédios de quatro a seis semanas após o início do tratamento. Quando ela não apresenta melhora, o médico é obrigado a trocar o medicamento e voltar à estaca zero. Para alguns pacientes, nenhuma droga oferece bons resultados. Todo esse tempo custa sofrimento a quem convive com a doença. E nos casos mais graves aumenta o risco de suicídio. No exame clínico inicial é impossível saber quem vai responder bem a um antidepressivo — diz Martins-de-Souza.
Combate ao estigma
Coube ao pesquisador brasileiro analisar as proteínas isoladas do sangue de pacientes atendidos pelo Instituto Max Planck de Psiquiatria, em Munique, na Alemanha. Um teste de sangue baseado na descoberta já começa ser usado na clínica de psiquiatria do instituto alemão.
— Eles atendem centenas de pessoas com depressão e buscam opções para aquelas consideradas resistentes aos remédios. Na Alemanha, uma vez que os dados sobre uma descoberta sejam publicados, podem ser usados pelos médicos — salienta o pesquisador brasileiro.
A professora do Departamento de Psiquiatria da Unicamp Karina Diniz afirma que um teste capaz de identificar os pacientes com maior propensão a não responder bem aos medicamentos pode não apenas ajudar os médicos a prescrever um tratamento adequado, mas também a reduzir o estigma que existe em relação à doença. Ela observa que a depressão é um distúrbio causado por alterações neuroquímicas, o que nem sempre é entendido pelos pacientes e pela população em geral.
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Infelizmente, ainda existe estigma sobre a depressão. Não se trata de um estado de espírito, mas de uma doença ligada a alterações neuroquímicas. Indicadores biológicos oferecidos como um teste desse tipo ajudam os próprios pacientes a entender melhor o distúrbio. Para os médicos, o dados ajudam a avaliar melhor o paciente — diz ela.
O estudo foi publicado recentemente na revista científica “Frontiers in Molecular Neuroscience”, mas é só o primeiro passo. O seguinte é identificar a resposta de um paciente a cada uma das classes de drogas antidepressivas disponíveis no mercado. Hoje, o teste só diz se há resposta, não classifica a ação de cada droga.
Para identificar as proteínas, os pesquisadores analisaram o sangue de pacientes com diagnóstico de depressão atendidos na clínica de Munique. Sangue foi colhido antes do início do tratamento com remédios e seis semanas após o seu início. Os pacientes foram então classificados por psiquiatras como bons ou maus respondedores. Vimos que as concentrações dessas 29 proteínas tinham uma clara variação entre os dois grupos de pacientes — conta Martins-de-Souza.
As proteínas analisadas estão ligadas ao sistema imunológico e não ao nervoso, como seria de se imaginar. O motivo é que a depressão é um distúrbio mental complexo, que afeta o organismo como um todo. Hoje se sabe que influencia o sistema imunológico e a resposta do corpo a inflamações.
Os quadros depressivos estão relacionados a baixas concentrações de uma das mais poderosas substâncias do sistema nervoso, o neurotransmissor serotonina. Deprimidos apresentam baixos níveis de serotonina. Não por acaso, alguns dos antidepressivos atuam justamente tentando impedir que esse neurotransmissor seja reabsorvido pelo organismo, algo que a medicina chama de recaptação. Sabemos que quanto maior um quadro inflamatório, menor a concentração de serotonina. Os mecanismos por trás disso ainda permanecem pouco conhecidos, porém — diz Martins-de-Souza.
Pesquisa molecular
Ele e seu grupo empregam a proteômica para compreender as bases moleculares da depressão e da esquizofrenia. Procuram, por exemplo, identificar biomarcadores (espécie de etiqueta biológica) para essas doenças. A proteômica é a ciência que estuda a ação das proteínas em determinados momentos e circunstâncias. Foi assim que chegaram às 29 proteínas analisadas no sangue. Elas serão a base também para testar a eficácia de substâncias candidatas a medicamentos.
O neurocientista Stevens Rehen, professor titular da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, já colaborou com Martins-de-Souza num estudo que analisou com proteômica a ação de psicodélicos no tratamento de distúrbios mentais. Para ele, essa linha de pesquisa traz novas ferramentas para a medicina. O objetivo final é oferecer mais instrumentos para os médicos tratarem seus pacientes — frisa Martins-de-Souza.
O mal do século XXI
A depressão é o distúrbio mental mais comum do mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que 322 milhões de pessoas sofrem de depressão. Mas os números divulgados este ano são referentes a 2015. Na verdade, a própria OMS estima que o número real pode ser muito maior e chegar a até 10% da população mundial, já que a depressão é historicamente subnotificada e muitos pacientes não procuram ajuda.
A perda do ânimo e do humor são apenas alguns dos sinais do distúrbio, que também afeta a autoestima e a concentração. Entre os sinais estão constante ansiedade e agonia. Nos casos mais graves, ela pode levar ao suicídio. Estimativas da OMS indicam que até 2040 a depressão pode causar metade dos casos de aposentadoria precoce no mundo. O Brasil é o país com maior número de casos da América Latina, com 11,5 milhões de pessoas afetadas.
O Globo
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