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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Participação da Farmácia Hospitalar no Controle das Infecções Hospitalares

Raquel Queiroz de Araújo Durante muitos anos, o farmacêutico hospitalar permaneceu em uma posição, até mesmo física, distante das unidades de internação e dos pacientes, não havendo uma participação ativa em equipes multiprofissionais. Ao longo dos anos este cenário foi modificando-se e, hoje, com as mudanças nos sistemas de distribuição de medicamentos, ao mesmo tempo em que se busca diminuir os custos, também se questiona muito a qualidade dos medicamentos. Quando se fala de controle de infecção hospitalar se lembra do uso racional de antimicrobianos, seja no ambiente hospitalar ou na comunidade. As atividades que envolvem o uso adequado de antimicrobianos devem ter a participação do farmacêutico e, para isso, o profissional deverá estar presente em ações que objetivam fazer do ambiente hospitalar um local apropriado para a recuperação do paciente. Breve histórico das infecções hospitalares no Brasil As primeiras publicações sobre infecção hospitalar surgiram em 1956, quando Francisconi discorreu sobre esterilização do material hospitalar. Em 1959, esse mesmo autor falou sobre o uso inadequado de antibióticos, ambos temas abordados na Revista Brasileira de Hospitais. A primeira Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), no Brasil, foi criada no Hospital Ernesto Dorneles, no Rio Grande do Sul, em 1963, porém, somente nos anos 70 foram criadas as primeiras comissões multidisciplinares, em hospitais públicos e drivados, principalmente os ligados a escolas médicas. Em 1983, o Ministério da Saúde promulgou a Portaria nº196, determinando que todos os hospitais no País deveriam manter CCIH e, em 1985, passou a incentivar a reestruturação das farmácias hospitalares, promovendo cursos de especialização. Em 1992 foi publicada a Portaria nº 930, visando maior profissionalização na prática do controle de infecções. Nessa portaria o Ministério da Saúde determinou a constituição, em todos os hospitais do País, dos Serviços de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) e manteve a exigência das CCIH. O SCIH é um grupo executivo responsável pelas ações com vistas à redução da incidência e da gravidade das infecções hospitalares, enquanto a CCIH é uma comissão multidisciplinar. A portaria nº 2.616/98 estabelece competências da CCIH em que a farmácia possui participação importante, como: • Promover o uso racional de antimicrobianos, germicidas e materiais médico-hospitalares; • Definir, em conjunto com a Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT), políticas de utilização de antimicrobianos, germicidas e materiais médico-hospitalares; • Cooperar com o setor de treinamento ou responsabilizar-se pelo treinamento de funcionários e profissionais no que diz respeito ao controle das infecções hospitalares. O anexo III da mesma Portaria, que trata da vigilância epidemiológica e indicadores das infecções hospitalares, propõe os seguintes indicadores para o uso de antimicrobianos que têm relação com a farmácia: • Percentual de pacientes que utilizaram antimicrobianos (profiláticos e terapêuticos) em um período considerado; • Freqüência com a qual cada antimicrobiano é empregado em relação aos demais. Responsabilidades do farmacêutico no controle das infecções hospitalares Segundo a American Society of Health-System Pharmacists (ASHP), as responsabilidades do farmacêutico nas ações de controle de infecções hospitalares incluem: redução da transmissão das infecções, promoção do uso racional de antimicrobianos e educação continuada para os profissionais da saúde e pacientes. Hoje seguimos também essas recomendações e o que há mais recente no Brasil é a revisão dos padrões mínimos para a farmácia hospitalar, elaborado pela Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (SBRAFH), que coloca nas atribuições essenciais da farmácia a participação do farmacêutico nas CCIH. As ações essenciais podem ser diferentes entre cada instituição de saúde e compreendem, segundo a ASPH: • Participar ativamente na CCIH; • Aconselhar a seleção e o uso apropriado de anti-sépticos, desinfetantes e esterilizantes; • Estabelecer normas e procedimentos para o controle e a prevenção de contaminação dos produtos preparados pela farmácia; • Realizar auditoria periódica dos equipamentos da área limpa, por exemplo, a capela de fluxo laminar; • Estimular o uso de embalagens dose única para produtos estéreis; • Trabalhar com os comitês responsáveis pela seleção de equipamentos e materiais para administração de medicamento intravenoso; • Estabelecer guias para a correta rotulagem e armazenamento dos produtos preparados pela farmácia; • “Encorajar” a rotina de imunização dos indivíduos que trabalham na rotina de preparação dos produtos farmacêuticos; • Defender e orientar o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI); • Trabalhar com a CFT na seleção de antimicrobianos; • Fazer estudos de farmacoeconomia analisando o uso de antimicrobianos; • Trabalhar em conjunto com o laboratório de microbiologia; • Participar de atividades de educação continuada intra e extrahospitalares. Participação do farmacêutico na Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) - por que e como realizar o controle de antimicrobianos Há três pontos fundamentais que precisam ser lembrados e que respondem o porquê do controle desses medicamentos: 1) Qualidade assistencial aos pacientes, em que se deve saber que somente é necessário o uso dessa classe de medicamentos quando houver um diagnóstico de infecção; 2) Reduzir a pressão seletiva de antimicrobianos específicos para que se possa diminuir a seleção de microorganismos resistentes; 3) Diminuir os custos hospitalares que direta ou indiretamente estão ligados ao uso de antimicrobianos. O ritmo de desenvolvimento da resistência bacteriana nos diferentes patógenos representa um constante desafio terapêutico, fenômeno observado em todo o mundo. Já o número de antibióticos em pesquisa diminuiu drasticamente nos últimos anos, enquanto a resistência às drogas antimicrobianas tem crescido de forma inexorável. Daí este ser um dos fatores de grande relevância quando se fala do uso restrito de alguns antibióticos. A análise do perfil de sensibilidade das bactérias isoladas nos hospitais é fundamental para estabelecer a estratégia e os métodos ativos de controle, bem como guiar a implementação de guias terapêuticos com finalidades educacionais de treinamento e reciclagem. A maior parte dos programas de racionalização de antimicrobianos tem como pilares a educação, a restrição de uso e o perfil de sensibilidade dos microorganismos. Quando se inicia a participação em um grupo de controle de antimicrobianos, primeiramente deve-se conhecer o perfil de sensibilidade da instituição em que se está inserido e nas comissões de farmácia e terapêutica (CFT) se terá quais são os antimicrobianos padronizados para traçar dados de consumo, local, tempo, dose e prescritores dos mesmos. A situação crítica que representa o mau uso dos antimicrobianos nos hospitais do País é de grande preocupação pelas conseqüências que vem ocasionando e exige a necessidade do desenvolvimento de programas efetivos de melhoria de seu uso junto aos responsáveis diretos, os médicos, os farmacêuticos e os administradores. Assim, as tendências atuais para um programa de racionalização de antimicrobianos incluem a elaboração de guias profiláticos e terapêuticos mais racionais, visando a maioria das situações clínicas previstas na prática, com a participação mais efetiva dos serviços. É de suma importância que além do planejamento e elaboração dos guias a monitorização da aplicação dos mesmos deve ser realizada. Preenchimento de formulários de liberação dos antimicrobianos A restrição de uso é o método mais utilizado para o controle da prescrição e existem basicamente três tipos de impressos. O chamado sistema livre, no qual a farmácia somente dispensa os antimicrobianos se o impresso preenchido chegar com a prescrição ou requisição, não existindo análise da indicação do medicamento. O segundo impresso é o formulário controlado, em que o prescritor faz uma justificativa por escrito. O terceiro, em que alguns antimicrobianos são considerados de prescrição especial, exige, além da justificativa, a consulta ao especialista da área para liberação. Para a farmácia esses formulários são importantes também por possibilitar levantamentos rápidos sobre o uso de antimicrobianos. Porém, as fichas de restrição devem ser vistas como complementares dentro de um programa de racionalização de antimicrobianos e a avaliação da qualidade de prescrição é uma oportunidade de realizar educação em serviço e de atuação do farmacêutico clínico. Estudos de Utilização de Medicamento (EUM) de antimicrobianos Os Estudos de Utilização de Medicamentos (EUM) empregam análise farmacoepidemiológica e têm como principais objetivos quantificar o uso atual, traçar o perfil de uso em relação ao tempo, avaliar se os hábitos de utilização estão de acordo com o estado atual dos conhecimentos de farmacoterapia, identificar as possíveis razões que contribuem para as oscilações dos consumos e subsidiar a implementação de medidas que favoreçam a utilização adequada dos medicamentos, neste caso os antimicrobianos. A dose diária definida (Defined Daily Dose - DDD) dos antimicrobianos auxilia na determinação do consumo real por unidade de internação, permitindo estabelecer o perfil de utilização destes fármacos e servindo como subsídio para que a SCIH/CCIH possa revisar a política de antimicrobianos existente e avaliar sua aceitação e cumprimento. A DDD é definida como a dose média de manutenção diária para determinado fármaco em sua indicação principal em adultos (a referência do peso é 70 kg) e é importante ressaltar que a DDD não é uma dose recomendada, mas uma unidade de medida que permite comparação entre resultados. Os cálculos de DDD foram posteriormente adaptados para uso hospitalar com a determinação de medidas denominadas DDD/leito-dia e DDD/100 leitos-dia. Os resultados expressos desta forma fornecem uma estimativa do consumo de dado medicamento em determinado período, bem como sugere a probabilidade do uso de determinado fármaco por um paciente. Outra unidade de medida é a dose diária prescrita (Prescribed Daily Dose - PDD), para contornar a distância entre a dose realmente prescrita na prática clínica diária e a DDD. A fórmula para calcular a DDD, referente ao consumo em pacientes hospitalizados, é a seguinte: DDD/100 leitos/dia = A/B x 100/T x Cx F A = Quantidade total do medicamento consumido, em UI ou g, no período de tempo considerado, na mesma unidade estabelecida para a DDD B = DDD estabelecida para o medicamento T = Período de tempo de observação em dias C = Leitos disponíveis no hospital/ou na unidade de internação F = Índice de ocupação do hospital/ou da unidade, no tempo considerado A Tabela 1 mostra a relação de alguns antimicrobianos e suas respectivas DDD. A análise dos dados quantitativos de antimicrobianos, apesar de simples, fornece não apenas o consumo mensal destes medicamentos como também dá pistas de utilização inadequada. Caso ocorra, um aumento muito grande de um determinado antimicrobiano é um alerta para investigar junto com a CCIH se a utilização nesta clínica está sendo realizada de forma adequada. A farmácia hospitalar é parte importante nesse esforço, executando as seguintes atividades: • Controle do número de pacientes em uso de antimicrobianos e da duração do tratamento; • Elaboração de tabelas de preços dos tratamentos com antimicrobianos; • Elaboração de informações e orientações técnicas; • Realização de levantamento da freqüência de indicação profilática e terapêutica; • Determinação do consumo mensal de antimicrobianos por unidades de internação; • Fornecimento de dados para subsidiar a revisão/atualização da padronização dos antimicrobianos pela CFT e CCIH; • Revisão retrospectiva da utilização de medicamentos antimicrobianos por clínica. Estes dados também ajudam no planejamento de estoque, em que planilhas elaboradas para o consumo mensal devem ser simples e de fácil compreensão para os administradores. Por meio delas pode-se planejar compras e estoque dos antimicrobianos. Os programas de antibioticoprofilaxia cirúrgica e os protocolos de antibioticoterapia podem ser inseridos nos EUM, em que a profilaxia cirúrgica com antimicrobianos baseia-se em consensos da literatura, sendo a mais curta possível, com indicação no máximo de 24 a 48 horas e a farmácia determina essa rotina junto com os profissionais envolvidos. Além de todos esses itens citados, em que o farmacêutico deve estar inserido ativamente, a farmácia hospitalar, que possui laboratório de farmacotécnica e central de misturas intravenosas, pode estabelecer normas e rotinas dos procedimentos para prevenção e controle da contaminação de produtos farmacêuticos manipulados e dispensados pela farmácia e aconselhar a seleção e uso apropriado de anti-sépticos, desinfetantes e esterilizantes. Com a participação efetiva do farmacêutico nos programas de controle de infecção hospitalar estaremos caminhando para fortalecer o trabalho em equipe multiprofissional e também para diminuir a disseminação de resistência bacteriana e aumentar o uso adequado de antimicrobianos, visando a melhor assistência ao paciente internado. Raquel Queiroz de Araújo é farmacêutica bioquímica graduada pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), especialista em farmácia hospitalar pelo Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e mestre em farmacoepidemiologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atuou como farmacêutica no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) e na Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) - Hospital São Paulo – Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Atualmente é farmacêutica no HSPE, além de docente e coordenadora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Farmácia Hospitalar e Farmácia Clínica do Instituto Racine. Referências Bibliográficas Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 33 de 19 de abril de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, de 08 jan 2001. American Society of Health-System Pharmacists. Statement on the pharmacist’s role in infection control. Am J Health-Syst Pharm, Bethesda, 1998;55(16):1724-1726. Araújo RQ de. Antibióticoprofilaxia em cirurgias ortopédicas: resultado da implantação de um protocolo. 86p. Dissertação Mestrado: Faculdades de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000. Araújo RQ, Rezende EAC, Oliveira MLM, Guimarães T. Análise da utilização e custos de antimicrobiano/dia e sua correlação com a prevalência de patógenos multirresistentes na unidade de terapia intensiva do hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. 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