Sabe quando você está numa ressaca brava? Era pior. Saía da cama e sentia uma coisa paranormal, como se não fosse eu. Era outra pessoa me controlando e eu assistindo à cena, sem controle. O remédio fazia eu me sentir assim, um zumbi."
A sensação que o assistente técnico Ricardo Rodrigues dos Santos, 23, tinha o dia todo, por quase um mês, era efeito de um antidepressivo.
"Causava o resultado oposto ao que eu esperava. Me derrubou", conta.
O remédio era para tratar a depressão grave que, segundo conta, desenvolveu trabalhando em telemarketing.
"Ouvia clientes me xingando sem parar, como se eu fosse responsável pelos problemas. E ainda tinha a cobrança da chefia. Aquilo me fazia mal. Até que tentei pular do prédio e me levaram para um hospital."
Quando começou a se ver prostrado por causa da medicação, se sentiu "obrigado" a parar. "Depois de três semanas, nem esperei a consulta com a psiquiatra e parei."
Passou a trocar de remédios e, com a médica, pesava benefícios e prejuízos de cada um. Ricardo sabe de cor a lista: "Em um ano, experimentei Fluoxetina, Rivotril, Risperidona, Sertralina, Paroxetina e Citalopram."
Em dezembro de 2010, interrompeu o tratamento porque perdeu o convênio médico ao pedir demissão, mas diz que hoje está melhor.
"IDIOTA FELIZ"
Muitos usuários descrevem as consequências dos remédios psiquiátricos como "efeito zumbi". Reportagem do jornal inglês "Guardian" deste mês mostra o caso de uma paciente que se disse "zumbificada" pelas drogas.
Quando começou a tomar medicamentos contra a depressão, em setembro de 2010, o jornalista Marcos Guinoza, 44, criou o blog "O Idiota Feliz!".
E lá contou de seu medo de "embarcar na viagem à terra dos zumbis felizes e nunca mais voltar de lá".
No começo, conta, se sentia aéreo na maior parte do dia."É como sentir seu corpo mais leve, numa suave levitação, com a sensação de que você pode cair a qualquer momento."
Mas, segundo a psiquiatra Doris Moreno, do grupo de doenças afetivas do Instituto de Psiquiatria da USP, o termo certo para essa sensação é torpor ou modorra -apatia, sonolência, insensibilidade, prostração mórbida.
psiquiatra Luis Altenfelder Silva Filho, que acaba de lançar o livro "Doença Mental, um Tratamento Possível" (Ágora, 304 págs.,R$ 71,90), concorda que as medicações que afetam o sistema nervoso podem causar tais efeitos, e critica a presença excessiva de medicamentos na relação paciente-psiquiatra.
"O número de prescrições só aumenta e, consequentemente, seus efeitos colaterais também, sem que as causas sejam tratadas."
O motivo, acredita, é a influência da psiquiatria biológica norte-americana, que faz a consulta girar só em torno da receita médica. "Tem que se discutir a receita, mas também os efeitos dos remédios e os aspectos emocionais, sociais e profissionais daa vida da pessoa."
Altenfelder defende ainda a prática da psicoterapia de grupo integrada ao tratamento medicamentoso, para que a pessoa preste atenção àquilo que pode mudar.
EFEITOS PERMANENTES
Ricardo diz que, quando começou a tomar antidepressivos, teve medo dos efeitos. "A gente sabe que existem reações indesejadas, mas nunca tinha sentido na pele. Tinha receio de que fossem permanentes."
Esse temor é comum, segundo Altenfelder. "Muitas pessoas têm medo de perder o controle, sem volta."
Por isso, afirma que é importante haver uma boa relação com o médico, que deve dar todas as informações sobre os efeitos esperados.
"Se o médico faz uma consulta apressada, a pessoa já pensa: "Ele nem me olhou, não prestou atenção à minha queixa. Não vou tomar mais esse remédio que, ainda por cima, me faz mal."
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