Doenças crônicas que exigem monitoramento ou cuidados especiais não devem afetar a sua carreira nem prejudicar seu desempenho
Paulo*, 42 anos, analista fiscal de uma empresa de transporte de bens* foi demitido após a quarta vez consecutiva em que chegou atrasado ao escritório. No departamento de Recursos Humanos, ele explicou que o motivo dos atrasos constantes era a doença que estava tratando há mais de quatro anos: alcoolismo. O diretor de RH da empresa, que prefere não se identificar, interveio e Paulo não foi demitido. “Em vez disso, optamos por acompanhar o caso de perto, oferecendo inclusive benefícios extras, como tratamento psicológico. Afinal de contas, o funcionário tinha quase 10 anos de casa e sempre teve conduta exemplar”, justifica o diretor de RH.
Situações assim são exemplares, mas não são regra no mercado de trabalho. Na falta de legislação específica, cada empresa elabora suas próprias políticas internas para lidar com esses casos e, portanto, a postura do trabalhador é decisiva nesta relação delicada. “Geralmente os empregadores criam políticas específicas para funcionários portadores de doenças que exigem tratamento diferenciado. Por exemplo, no caso da diabetes, que atinge 12% da população do Brasil (segundo dados de 2008), algumas companhias adotam até mesmo cardápios especiais, com o intuito de auxiliar no controle dos níveis de glicose no sangue”, diz Marcos Minoru Nakatsugawa, executivo de RH e presidente em exercício do Centro Avançado de Profissionais de Recursos Humanos (CEAP– RH).
Nem todo portador desse tipo de doença, no entanto, reconhece a necessidade de cuidados especiais no trabalho. O diabetes de Matheus Lopes, 27 anos, editor de vídeo da agência Novacia, em São Paulo, foi diagnosticado ainda na infância e a questão no ambiente de trabalho só complica na hora de incluir sua rotina médica no dia a dia da agência. “Na realidade, nunca imaginei a doença como sendo um problema em potencial para um empregador, por isso nunca tratei desse detalhe em uma entrevista de emprego, sempre foquei as entrevistas apenas nos aspectos profissionais. Minha grande preocupação é inserir na falta de rotina da minha área o cuidado com a alimentação e as três aplicações diárias de insulina”, conta.
Exatamente por isso, Marcos Minoru acredita que o ideal é que o candidato portador de alguma doença crônica que exija monitoramento especial, como diabetes, cardiopatias, esclerose múltipla, síndrome do pânico e demais quadros de depressão, câncer etc, informe a condição durante o processo seletivo. “Isso para que a empresa planeje as contramedidas que precisa implementar para garantir a salvaguarda física e emocional do profissional, por meio da adoção de programas específicos de controle e tratamento dessas doenças”, afirma.
O medo existe
“Sofro de transtorno bipolar há cerca de 10 anos e isso é um problema porque sei que terei que omitir esta informação na hora de conseguir um emprego. Além do mais, o tratamento pode atrapalhar meu desempenho porque alguns medicamentos apresentam efeitos colaterais, como sono”, conta Aline Silva, 31 anos, pedagoga. Ela trabalha atualmente em uma agência da Previdência Social. Neste e em empregos anteriores ela informou ao médico apenas no momento do exame admissional que fazia tratamento com antidepressivos. “Eles me pediram laudos do psicólogo e do psiquiatra que atestassem que eu poderia exercer a função. Mas acredito que mais difícil do que conseguir o emprego é mantê-lo. Afinal, durante as crises é bem difícil manter a rotina, inclusive a de trabalho, e isso não é bem visto”, acredita.
“Sofro de transtorno bipolar há cerca de 10 anos e isso é um problema porque sei que terei que omitir esta informação na hora de conseguir um emprego. Além do mais, o tratamento pode atrapalhar meu desempenho porque alguns medicamentos apresentam efeitos colaterais, como sono”, conta Aline Silva, 31 anos, pedagoga. Ela trabalha atualmente em uma agência da Previdência Social. Neste e em empregos anteriores ela informou ao médico apenas no momento do exame admissional que fazia tratamento com antidepressivos. “Eles me pediram laudos do psicólogo e do psiquiatra que atestassem que eu poderia exercer a função. Mas acredito que mais difícil do que conseguir o emprego é mantê-lo. Afinal, durante as crises é bem difícil manter a rotina, inclusive a de trabalho, e isso não é bem visto”, acredita.
O estigma de que as empresas não veem com bons olhos certos históricos médicos vem do fato de que certas doenças não são amparadas pela legislação. “É o caso do HIV, doenças cardíacas, câncer, diabetes, depressão, alcoolismo e outras congênitas”, explica Edson Pinto, advogado especialista em tributos e diretor do Escritório Edson Pinto Advogados. Segundo o advogado, para justificar a manutenção do empregado no trabalho, tem sido usado como argumentação o dever de manter a dignidade da pessoa, segundo ele, “uma das causas pétreas da Constituição Federal”. “Além do mais, as empresas não podem recusar candidatos com esse perfil, de forma expressa, sob pena de recair em responsabilidade civil pré-contratual, com possível condenação a dano moral”, acrescenta.
A gerente de Recursos Humanos, Carolina Cardoso, vai além e afirma que estas doenças, quando controladas e com acompanhamento médico, não atrapalham no desenvolvimento da carreira. “De acordo com a minha experiência, considero que tanto a empresa quanto o candidato devem ser transparentes e éticos no momento da entrevista, assim como no decorrer do desenvolvimento dentro da organização”, diz.
Existem precedentes jurídicos favoráveis aos portadores desse tipo de doença crônica. Recentemente, um portador de doença cardíaca conseguir provar na Justiça do Trabalho que sua demissão foi discriminatória. Além do emprego de volta, ele também conseguiu o direito a uma indenização por danos morais.
Do lado da lei
Comentando esse caso, Viviane Bender, advogada trabalhista do escritório Santos Sales, confirmou que em casos semelhantes, a legislação trabalhista vigente no Brasil assegura a reintegração ao emprego do trabalhador. O tratamento deve ser o mesmo dado aos casos de doenças profissionais, mesmo que a doença crônica não tenha qualquer relação com o tipo de trabalho. “O empregador do portador de cardiopatia foi condenado p- Quando voltar ao trabalho é motivo de doençaorque havia conhecimento da empresa quanto à doença e porque a demissão aconteceu quando o quadro clínico do empregado encontrava-se agravado”, detalha.
De acordo com os advogados, pelo fato de não existir lei específica a respeito destes casos, fica por conta dos empregadores a concessão de tratamentos. “Porém, se este empregado deseja reivindicar o auxílio-doença, a melhor forma é perante a Previdência Social. Considerando que a cobertura de algumas doenças pode ser negada pelo INSS, o funcionário poderá fazer tratamentos mediante apresentação de atestado médico aceito pela empresa”, conclui Edson.
* Os nomes foram trocados e/ou omitidos a pedido dos entrevistados
Fonte IG
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