Comedores compulsivos têm acionadas as mesmas regiões cerebrais que dependentes de álcool e outras drogas
Uma nova pesquisa americana mostra que quem sofre de compulsão alimentar apresenta atividades semelhantes e nas mesmas regiões cerebrais que os dependentes do álcool e das drogas.
A exposição a algumas “pistas” alimentares – no caso do estudo, fotografias de um milk shake de chocolate – ativaram o sistema cerebral de recompensas.
“Isto confirma que a dependência alimentar está relacionada aos centros de recompensa do cérebro. Trata-se de um processo biológico, não somente de um problema comportamental”, disse Bonnie Levin, professora de neurologia e diretora da divisão de neuropsicologia da Escola de Medicina da Universidade de Miami. Levin não participou do estudo, publicado ontem na edição de agosto do periódico Archives of General Psychiatry.
Esta não é a primeira vez que cientistas observam indicativos de que determinadas pessoas podem sofrer de um vício alimentar semelhante à dependência química, principalmente porque tanto as drogas como os alimentos ativam a liberação da dopamina.
Entretanto, esta é a primeira vez que uma correlação foi observada em pessoas que realmente são qualificadas como “dependentes alimentares” em um teste psicológico que avalia o grau de compulsão alimentar.
Participaram do estudo 40 mulheres jovens e saudáveis, de porte magro a obeso, que foram testadas através da Escala de Compulsão Alimentar de Yale e em seguida monitoradas por meio de exames de ressonância magnética funcional.
Fotos de um milkshake de chocolate e de um copo de água foram mostradas a todas as mulheres. Em seguida, elas foram orientadas a experimentar o milkshake (duas bolas de sorvete de creme com duas colheres de calda de chocolate) ou uma solução de gosto semelhante à saliva natural (a água pura poderia ativar regiões cerebrais relacionadas ao paladar).
O milkshake não foi o alimento escolhido para o estudo somente por causa de seu alto teor de açúcar e gordura (o açúcar já foi relacionado de forma mais consistente à dependência alimentar), mas também devido à sua fácil ingestão durante os testes de ressonância – através de um pequeno canudo levado à boca das participantes. A mastigação de barras de chocolate ou outras guloseimas poderia fazer com que as participantes movimentassem a cabeça durante o exame.
Uma hipótese surgiu quase que imediatamente: as mulheres com níveis mais altos de compulsão alimentar apresentaram maior atividade em regiões cerebrais relacionadas ao vício quando expostas às fotos do delicioso milkshake de chocolate.
Mas, inesperadamente, ao experimentar o alimento verdadeiro, elas apresentarão menor ativação cerebral. “Isso poderia ocorrer porque o cérebro é inundado o tempo todo, o que desativa alguns reatores do sistema de recompensas”, explicou Ashley N. Gearhardt, doutoranda em psicologia clínica da Universidade de Yale e autora do estudo.
“Você fica imaginando que aquele vai ser o melhor sorvete da sua vida, mas ele acaba não superando as expectativas. Talvez por isso essas pessoas acabam comendo ainda mais”, ela complementou.
Observou-se no estudo que atualmente um terço dos americanos adultos são obesos e as doenças relacionadas à obesidade são a segunda principal causa de morte evitável. Os pesquisadores também explicaram que serão necessárias pesquisas complementares para esclarecer os resultados, ressaltando, por exemplo, que a pesquisa não avaliou a fome (fato que poderia impactar nos resultados) e foi realizado apenas com mulheres.
Apesar de algumas limitações, os pesquisadores puderam observar que os padrões nervosos específicos da ativação cerebral sugeriram a presença de vício em algumas participantes. Eles ficaram especialmente preocupados com a constatação de que meras imagens de alimentos pudessem dar início à corrida cerebral.
“O que mais me preocupa é o ambiente alimentar em que vivemos. Se pensarmos que estas “pistas” podem despertar o problema, o ambiente em que vivemos é simplesmente o pior possível. Todos estes pôsteres, outdoors, guloseimas vendidas em máquinas.... Se cada uma destas 'pistas' fosse alusiva ao álcool, a recuperação de um alcoólatra seria praticamente impossível”, disse Gearhardt.
“A publicidade está por toda parte, exercendo uma influência poderosíssima sobre nosso comportamento. Mas, o impacto também pode ser dispositivo, ao ajudar as pessoas a desenvolver estratégias de autocontrole mais eficazes, modulando a vontade de comer e fazendo escolhas mais saudáveis”, disse Levin.
Outra preocupação é que 10% das pessoas que não se qualificaram necessariamente como dependentes alimentares também apresentaram alguma ativação nas mesmas regiões cerebrais.
“Mesmo que um percentual pequeno seja de dependentes alimentares em estágio mais avançado, alguns podem estar demonstrando sintomas sub-clínicos – como a vontade frequente de comer. Isso poderia ter um custo muito abrangente para a saúde pública”, disse Gearhardt.
Ela espera que este estudo estimule a comunidade científica a aceitar a dependência alimentar como uma doença, diminuindo assim o estigma em relação aos obesos e levando a formas mais eficazes de emagrecimento.
Gearhardt concluiu: “Em nossa sociedade, costumamos nos culpar o tempo todo. Quando finalmente decidimos a ver o álcool como uma causa potencial de um processo de dependência, paramos de culpar as pessoas e começamos a ajudá-las”.
Fonte iG
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