Por Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde
No mês de agosto de 2012, ocorreram dois importantes eventos em que se discutiu a intersecção do Direito e da Medicina: o 19º Congresso Mundial de Direito Médico (sediado em Maceió) e o III Congresso de Direito Médico organizado pelo Conselho Federal de Medicina.
Entre os temas expostos pelos especialistas, chamaram atenção três enfoques que são a base da relação entre as duas áreas de conhecimento: responsabilidade civil do profissional médico e das instituições de saúde, o respeito à autonomia do paciente e a reforma do Código Penal.
No que se refere em especial à responsabilidade dos profissionais de saúde, o propósito de se buscar as causas do chamado evento adverso, erro profissional ou erro médico ganhou destaque em detrimento da mera discussão do que pode ser considerado negligência, imprudência ou imperícia. Independente da área de formação e de atuação do expert - médico ou jurista - estiveram presentes apontamentos sobre a necessidade de se redobrar a segurança do paciente dentro das instituições de saúde. Esteve claro o imperativo do dever de informação em consonância com o reconhecimento da autonomia do paciente e, por fim, a urgência de que os operadores do Direito conheçam mais a realidade da saúde pública e privada.
Em menor escala, emergiu a preocupação acerca de como se deve tratar o evento adverso. Qual deve ser a conduta de um profissional, seja enfermeiro ou médico, ao perceber a existência de um erro. Reconheceu-se que o medo da punição impede que o erro seja analisado, o que é negativo para todo o sistema de saúde, pois se perpetuam processos internos fadados a falhas, por vezes fatais. E isso ocorre na administração errônea de medicamentos, pacientes mal identificados que sofrem cirurgias em membros errados, equipamentos sem manutenção, entre outros erros. A conclusão, ainda de difícil aplicação prática, estaria em o erro médico como parte integrante de um sistema, criando-se mecanismos de investigação que permitissem o conhecimento da real dimensão do problema.
Outra questão discutida residiu na obrigação do sigilo profissional, um dever do médico e direito do paciente. Aliás, de forma apropriada, haja vista o fenômeno das redes sociais e do compartilhamento de informações via telefone celular ou internet, em que parece haver uma anuência da sociedade quanto à divulgação de suas informações pessoais. Todavia, não se pode tratar como disponíveis as informações médicas registradas no prontuário até porque normalmente não representam o momento mais feliz da vida dos pacientes.
Está disposto no Código de Ética Médica que o prontuário, com registros realizados pelos médicos, pertence ao paciente, sendo um documento amparado pelo sigilo profissional. Em algumas situações da vida cotidiana, por exemplo, diante do questionamento de determinada conduta médica ou mesmo para a concessão de benefício de um seguro de vida, o conteúdo do prontuário precisa ser revelado a terceiros.
É cediço que a autorização do paciente para a apresentação de tal documento ou diante de uma autorização judicial, poderá o profissional ou a instituição que o tem sob a guarda proceder à entrega do conteúdo até então sob sigilo; não obstante, entende o Conselho Federal de Medicina que ao perito judicial, em investigações criminais, devem ser destinadas tais informações e que não se faz necessário juntar o prontuário aos autos de um processo, mas que caberia ao perito colher desse documento as informações necessárias para responder aos quesitos do juiz, promotor de justiça ou partes, se for o caso.
Sob enfoque jurídico, uma determinação de cunho ético não poderia suplantar outros princípios legais tal como o dever da Justiça de buscara verdade real dos fatos e a permissão de que requisite documentos que entender necessários para tal fim.Consoante entendimento do Conselho Federal de Medicina, por outro lado, o direito à imagem e o dever de sigilo devem ser observados, inclusive, no que se refere ao falecido, de forma que dispõe no Código de Ética Médica ser vedado ao médico, no artigo 77: Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito .
Por fim, expõe-se aqui, de forma sintética, alguns temas que repercutem diretamente no exercício da Medicina, tais como a tipificação da eutanásia e da ortotanásia, a flexibilização dos casos de aborto legal, como exemplo.
Sobre a eutanásia, a proposta contempla que continue a ser tipificada como crime contra a vida, no entanto, é possível, em certos casos, a ausência de uma penalidade. Sobre o aborto, o documento descriminaliza a prática em casos comprovados de: anencefalia; doenças graves e incuráveis no feto ou anomalias que inviabilizem a vida independente; e, até a 12ª semana de gestação, com o devido laudo de um médico ou psicólogo atestando que a gestante não tem condições de arcar com a maternidade, por exemplo, em se tratando de uma mãe usuária de drogas. A conciliação entre a inviolabilidade do direito à vida (do feto) e à dignidade da pessoa humana (da mulher).
Debates absolutamente saudáveis e importantes em uma sociedade democrática. Citando Nietzsche: Não há realidades eternas nem verdades absolutas e a Medicina sabe disso. Cabe ao Direito acompanhar as mudanças.
Fonte isaude.net
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