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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cientistas estudam o lado bom da maldade

Serge Bloch/The New York Times
Teóricos sugerem que a maldade pode estar envolvida na origem
de características positivas como a cooperação
Estudos recentes sugerem que ela pode estar na origem de características positivas, como o espírito cooperativo
 
Após décadas concentrando-se em pilhas de maus comportamentos, tais como agressividade, egoísmo, narcisismo e cobiça, os cientistas voltaram a atenção ao tema mais sutil e muitas vezes perturbador da malevolência – o impulso de punir, ferir, humilhar ou molestar alguém, mesmo quando isso não provoca nenhum ganho óbvio.
 
Psicólogos estão explorando a maldade em seu papel habitual de característica negativa, um lapso que deveria ser vergonhoso, mas que muitas vezes é visto como justificável, como quando alguém leva todo o tempo do mundo para tirar o carro de uma vaga do estacionamento porque notou outro veículo esperando por ela, e quer mostrar àquele safado quem manda aqui, embora também esteja perdendo tempo.
 
Por sua vez, teóricos evolucionários estão estudando o que pode ser visto como o lado positivo da maldade, e o papel que ela pode ter desempenhado na origem de características admiráveis como o espírito cooperativo e a sensação de jogar limpo.
 
A nova pesquisa sobre a malevolência transcende noções antigas de que somos brutos egoístas e selvagens, bem como sugestões recentes de que os humanos são criaturas que gostam de se afiliar por natureza, desejando amor e conexão. Pelo contrário, ela conclui que o vício e a virtude, como os dois lados da letra V, podem estar inextricavelmente ligados.
 
"A malevolência é um assunto intrinsicamente interessante, e que tem a ver com a experiência diária de tantas pessoas, que fiquei surpreso ao ver como eram poucas as menções a ela na literatura psicológica", diz David K. Marcus, psicólogo da Universidade Estadual de Washington. E completa: "fiquei encantado ao encontrar algo que ainda não foi estudado à exaustão".
 
Em estudo publicado em fevereiro deste ano na revista "Psychological Assessment", Marcus e demais colegas apresentaram os resultados preliminares de uma nova "escala da maldade", uma pesquisa com 17 itens criada para avaliar as diferenças individuais na maldade, da mesma forma que testes de personalidade existentes mensuram características como sociabilidade e extroversão.
 
Um total de 946 universitários e 297 adultos foram convidados a classificar o quanto concordavam com sentimentos como "se meu vizinho reclamasse da aparência do meu quintal, eu ficaria tentado a deixá-lo pior ainda só para aborrecê-lo", "se eu me opusesse à eleição de uma autoridade, ficaria feliz em vê-la fracassar mesmo que prejudicasse minha comunidade" ou "eu estaria disposto a levar um soco se em função disso alguém de quem não gosto levasse dois".
 
Essa atitude, afirmou David Sloan Wilson, da Universidade Estadual de Nova York, campus de Binghamton, tem a ver com um relato folclórico da Europa Oriental no qual um gênio oferece a concessão de um pedido para um homem desde que o vizinho odiado ganhasse o dobro do prêmio, ao que o homem diz: "Arranque um dos meus olhos".
 
A partir da pesquisa e de experimentos relacionados, os pesquisadores determinaram que homens costumam guardar mais rancor do que mulheres e que adultos jovens são mais rancorosos do que os velhos, e que essa malevolência geralmente coexiste com características como insensibilidade, maquiavelismo e autoestima baixa, mas não, porém, com sociabilidade, escrúpulos ou tendência a se sentir culpado.
 
Marcus também identificou circunstâncias que podem provocar explosões de rancor de pessoas geralmente controladas, por exemplo, a militância política – "se o outro candidato vencer, tomara que a economia entre em recessão". Ou, ainda segundo ele, divórcios amargos, como o marido que jogou as economias na lata de lixo só para não dividir o dinheiro com a ex-mulher.
 
Por sua vez, os teóricos da evolução sempre ficaram intrigados com as origens e o propósito da maldade e, novos relatos sugerem que, às vezes, ela pode resultar na coisa certa.
 
Tomando a abordagem cada vez mais popular de aplicar a teoria dos jogos para sondar o comportamento social humano, Patrick Forber, da Universidade Tufts, e Rory Smead, da Universidade Northeastern, criaram um modelo computacional de jogadores virtuais se desafiando a rodadas únicas do famoso jogo Ultimato.
 
Segundo as regras, o Jogador A decide como uma quantia em dinheiro deveria ser dividida com o Jogador B: por exemplo, meio a meio ou 80% para A e 20% para B. Se B aceitar a divisão, ambos recebem a porção acertada; se B rejeitar a oferta, nenhum dos jogadores receberia nada.
 
Os participantes receberam uma entre quatro estratégias predeterminadas, desde a abordagem despreocupada de "quando for o Jogador A, divida meio a meio, mas quando for o Jogador B, aceite qualquer oferta, por pior que seja" à mesquinha "quando for o A, faça uma péssima proposta e, no papel do B, rejeite a oferta ruim". Os pesquisadores a seguir permitiram que os jogadores se unissem em simulacros de sociedades e ficaram espantados com os resultados.

Serge Bloch/The New York Times
Novas pesquisas sobre a maldade estão concluindo que o vício
 e a virtude podem estar inextricavelmente ligados
Embora grupos excessivamente maldosos ou jogadores egoístas rapidamente quebrassem, e sociedades rigidamente justas fossem logo desestabilizadas pelos influxos de exploradores egoístas, quem dividia de forma flexível demonstrou ser capaz de coexistir com os maldosos, mas a presença destes últimos teve o efeito salutar de aprimorar o índice de trocas justas entre os cordiais. Segundo Smead, aparentemente, "a equidade funciona como defesa contra a maldade".
 
Os resultados lembram outra pesquisa recente sugerindo que a honestidade e a cooperação humanas exigem certo grau de punição altruísta: a disposição de alguns indivíduos em punir os violadores de regras mesmo quando a infração não os afete diretamente – por exemplo, questionar o sujeito que furou a fila logo atrás de você.
 
"Talvez Nietzsche estivesse certo sobre a punição que gerava rancor e que somente mais tarde se transformou num mecanismo de manter a equidade e a justiça", diz Forber.
 
Frank Marlowe, antropólogo biológico da Universidade de Cambridge, argumenta que o que se assemelha a comportamento malevolente no mundo real pode ser uma questão de criação de imagem. Ele e colegas usaram o Ultimato e jogos similares para estudar a permuta e a troca numa grande amostra de culturas não ocidentais, incluindo forrageiras, pastoris e agrícolas. Eles descobriram que, independentemente do quanto fosse miserável a vida ou de quanto os jogadores pudessem usufruir do prêmio potencial, os participantes rejeitavam a oferta mesquinha com indignação, um ato aparente de rancor que deixava todos de mãos abanando – pelo menos no momento.
 
"Provavelmente não é maldade quando se pensa a longo prazo", afirmou Marlowe. "Se sua reputação é de alguém com quem não se deve brincar e ninguém mexe com você, então o custo vale a pena."
 
Omar Tonsi Eldakar, da Universidade Nova Southeastern, na Flórida, estudou o vínculo entre comportamento cooperativo e o que chama de punição egoísta. "Por que todos sempre presumem que são os mocinhos que punem?", ele perguntou. "Indivíduos egoístas têm mais motivos do que todos para querer se livrar dos traiçoeiros."
 
A ideia da punição egoísta lhe ocorreu quando era estudante de biologia e também praticava atletismo. "Reparei nisso mais de uma vez. As pessoas que mais falavam contra o uso de drogas para melhorar o desempenho eram as que empregavam essas drogas."
 
Usando modelos da teoria dos jogos, Eldakar demonstrou que quando jogadores egoístas pretendem maximizar os lucros costumam punir outros jogadores egoístas ou exclui-los do grupo, o resultado é uma queda geral nas trocas egoístas até um estado razoavelmente estável.
 
"É como a Máfia", ele disse. "Ela acaba reduzindo o crime nas áreas que habita."

iG

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