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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Médico gasta três minutos em diagnóstico e dez para convencer paciente a votar

Reprodução das comunidades de médicos que declaram
voto nas eleições presidenciais
Oftalmologista questionou voto de idosa de 89 anos. Episódio é exemplo do engajamento inédito dos médicos nas eleições
 
Arlette Fleury Teixeira, de 89 anos, entrou no consultório do seu oftalmologista, em Belo Horizonte (MG), para uma corriqueira consulta. Mas após três minutos de diagnóstico, a aposentada viu a sala em que estava se tornar um palanque político. Irritada e insatisfeita com a velocidade do atendimento, ela se encaminhava para deixar o consultório quando ouviu: “A senhora vai votar em quem, dona Arlette? Dilma ou Aécio?”. A pergunta deu início a um período de 10 minutos de argumentação. “Até avisei que já não voto há anos só para ele parar”, relata Arlette. 
 
Com dificuldade na fala, a idosa, que já não é obrigada pela Justiça Eleitoral a ir às urnas por ter mais de 70 anos, define o encontro como “muito esquisito” e esclarece que nunca discutiu política com o médico em outras consultas. “Ele passava as letras tão depressa. Eu não tinha tempo para ler o que estava na minha frente”, reclama. O depoimento de Arlette, no entanto, é o exemplo claro do inédito engajamento da classe médica nas eleições presidenciais, em grande parte a favor do candidato do PSDB, Aécio Neves.
 
As manifestações dos profissionais da saúde nas eleições eclodiram nas redes sociais. No Facebook, por exemplo, a velha polarização PT versus PSDB ganhou forma com a criação das páginas Médicos com Aécio e Médicos com Dilma, com 33 mil e 13 mil curtidas, respectivamente. A primeira chega a ser usada como vitrine com fotos de médicos e estudantes de medicina, que decoram os tradicionais jalecos brancos e roupas cirúrgicas com adesivos pró-tucano no ambiente de trabalho.
 
Trazer o assunto eleitoral aos corredores das clínicas e hospitais (públicos ou privados) pode gerar desconforto nos pacientes, que não necessariamente compartilham a posição política do médico, muito menos procuram um pronto-socorro com a intenção de debater as eleições presidenciais. A prática é defendida, no entanto, pela cardiologista C., fundadora a página Médicos com Aécio, que pediu para não ter o nome revelado por medo de perseguição eleitoral. Segundo ela, médicos são eleitores comuns e querem se manifestar.
 
“O pessoal está usando adesivos, bótons e faixas nas grandes cidades, onde o médico é um na multidão. O médica, o técnico de enfermagem, o fisioterapeuta é um cidadão, um eleitor normal. Ele vai usar [adesivos] aonde? Se for assim uma pessoa que trabalha na biblioteca não poderia usar. O hospital é imaculado?", questiona C., que atua na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Mato Grosso do Sul.
 
Questionada sobre o uso de material de campanha em salas de exames e cirúrgicas, como exibiram alguns profissionais nas redes sociais, C. aposta que os adesivos “provavelmente são retirados após as fotos”. Já o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso, classifica os registros como falsos. “Imagino que sejam montagens”. Para ele, os profissionais que querem se manifestar nessas eleições devem fazê-lo dentro dos limites das leis brasileiras. E minimiza ainda o que chama de uma conversa informal com um paciente e que "confia no julgamento do doutor".
 
"Se o doutor José está no consultório dele, que ele paga, pode decidir usar uma camiseta do Aécio Neves. Em períodos eleitorais, é muito comum os nossos pacientes perguntarem: 'doutor, o senhor vai votar em quem? ou 'doutor, eu voto em quem?'. Temos que respeitar a liberdade das pessoas”, justifica.
 
O Conselho Federal de Medicina (CFM) foi procurado pelo iG para avaliar a postura dos médicos em campanha dentros de hospitais e clínicas. Mas o órgão não enviou divulgou um posicionamento até a publicação desta reportagem.   
 
Mais Médicos e a revolta da categoria
O discurso é uníssono entre os médicos pró-Aécio ouvidos pelo reportagem: a aplicação do programa Mais Médicos, um dos pilares do governo Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição, foi o estopim para despertar a revolta e o descontentamento da categoria. Com o objetivo de alocar médicos em regiões com carência desses profissionais para melhorar o atendimento básico, o programa gerou muita polêmica, especialmente pelo envolvimento de um grande contingente de médicos estrangeiros.
 
Desde que as regras do programa foram anunciadas, entidades médicas criticaram a eficiência dos exames de avaliação dos contratados. O Revalida, ao não ser aplicado a estes médicos não comprovaria o conhecimento dos estrangeiros, segundo a AMB. Além do cenário conflituoso, uma declaração da presidente parece ter incendiado a relação da presidente com a comunidade médica.
 
Em abril deste ano, de acordo com reportagem do O Globo, Dilma  explicou que os médicos cubanos são mais requisitados pelos prefeitos por serem “mais atenciosos que os brasileiros”. A fala gerou reação oficial do Conselho Federal de Medicina (CFM), que divulgou uma carta aberta considerando o episódio como uma “agressão direta e gratuita”.
 
Para Cardoso, presidente da AMB, o governo federal “tenta demonizar e responsabilizar” os médicos brasileiros pela qualidade da saúde pública, adotando ainda uma “política de agressividade e desconstrução da classe” com o Mais Médicos. A cardiologista e administradora da página Médicos com Aécio concorda com a AMB e aponta Dilma como responsável por 'criar uma lenda' de que médicos brasileiros são elitistas.
 
“Somos muito mal vistos pela população. O povo acreditou nessa lenda que foi criada de que médico é elitista, que só gostamos de atender os ricos, que não pensamos nos pobres e que não somos humanitários”, desabafa. E continua: “Vamos dizer que 'Deus me livre e guarde' Aécio Neves perca.
 
A perseguição da classe vai ser implacável.”

iG

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