Ter a obrigação de tomar um remédio todos os dias e ainda por cima para uma doença que não causa nenhum sintoma aparente é, no mínimo, irritante. E se fosse possível controlar esta doença com uma droga de longa duração e, além do alívio, diminuir o gasto financeiro e aumentar a eficácia do tratamento?
Um estudo publicado na revista “Hypertension”, da Associação Americana do Coração, relatou o projeto de uma vacina genética de combate à hipertensão, doença que mata mais de 10 milhões de pessoas por ano no mundo e acomete 25% da população brasileira.
— É o sonho de qualquer cardiologista — brinca Luiz Aparecido Bortolotto, diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor).
O cardiologista lembra que a hipertensão é crônica e pode levar ao enfarto, ao AVC e a outras graves doenças.
— Brinco aqui no ambulatório que, se causasse dor no pé, as pessoas não esqueceriam de tomar remédio. Uma vacina de longa duração seria excelente porque evitaria a medicação diária, seu esquecimento, e reduziria o gasto do paciente, que muitas vezes toma mais de um remédio.Bortolotto conta que, no ambulatório da USP, dos cerca de 7 mil pacientes, todos graves, apenas 50% tem a pressão sob controle.
Pesquisadores da Universidade de Osaka, no Japão, testaram em ratos uma vacina que tem como alvo o hormônio angiotensina II, que aumenta a pressão arterial, contraindo os vasos sanguíneos. A vacina induz à formação de anticorpos que inibem a angiotensina II, princípio semelhante ao dos remédios convencionais. O medicamento é feito com uma tecnologia chamada “DNA recombinante”. Parte da biotecnologia, ela envolve a transferência de um gene de um organismo para outro e a produção, em larga escala, de proteínas específicas.
Segundo Hironori Nakagami, coautor do estudo e professor em Osaka, além de reduzir a pressão arterial das cobaias por até seis meses, a vacina também reduziu danos nos tecidos do coração e dos vasos sanguíneos. Afirmou ainda que não houve sinais de danos a outros órgãos, como rim e fígado.
— Além do controle da dilatação dos vasos sanguíneos, outros sistemas controlam a pressão arterial, como o dos rins, que regulam o sódio. Não é possível detectar qual sistema está em descompasso causando a hipertensão. Assim, muitos pacientes precisam controlar não só o sistema vascular — pondera Bortolotto.
O cardiologia dr. Antonio Carlos Till, diretor-médico do Vita Check-Up Center, explica que esse medicamento não é bem uma vacina. Isso porque as vacinas são constituídas por agentes patógenos, vírus ou bactérias, previamente atenuados ou mortos ou modificados e cuja função é estimular uma resposta imunológica do organismo. No caso da hipertensão, a ideia é estimular a produção da enzima que inibe a angiotensina II, que já é produzido pelo corpo humano.
— O termo vacina é usado aqui porque o antígeno (substância que ao entrar em um organismo é capaz de iniciar uma resposta imune) provoca a produção de anticorpos. E pode ser fundamental para evitar a evasão dos tratamentos — opinou Till, que não acredita em “relaxamento” dos pacientes em caso do tratamento a longo prazo. — Quem é hipertenso tem de manter os cuidados sempre.
Ele apontou outras duas questões relevantes e que deverão ser objeto de estudo, segundo os japoneses: a dosagem, administrada facilmente quando o paciente toma remédios. E o perigo de se criar uma doença auto imune (em que o corpo ataca não só a angiotensina II).
— A ideia é formidável. Esse é o caminho para o tratemento da hipertensão. Não é porque existem remédios que não se deve pensar em alternativas eficazes e mais baratas. Muitos comprometem a renda familiar com os remédios — encerrou Till, que lembra que desde 1950 se estuda uma vacina para a doença.
O Globo
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