Um remédio que promete ajudar abusadores de álcool a reduzir a quantidade de bebida e não a parar de beber por completo é a nova aposta de governos europeus em redução de danos
Essa estratégia é controversa porque a maior parte dos profissionais que trabalham com o tratamento do alcoolismo buscam abstinência, não a diminuição do uso.
A droga chamada nalmefene (Selincro) foi aprovada na Europa em 2013 e lançada em 20 países. Na Escócia, foi incluída no sistema público de saúde neste ano. O Reino Unido estuda fazê-lo a partir de novembro.
O fabricante (Lundbeck) diz não ter prazo definido para pedir o registro no Brasil.
O medicamento bloqueia a sensação de prazer trazida pelo álcool. Resultados de testes clínicos feitos pelo fabricante constataram que a droga, em conjunto com suporte emocional, reduz em 60% a vontade de beber, quando comparado com placebo e apoio psicossocial.
Pessoas que tomavam nove latas de cerveja por dia, por exemplo, cortaram o consumo para três doses.
Em estudo publicado no “British Medical Journal”, o Instituto Nacional para Excelência em Cuidados de Saúde (sistema de saúde inglês) diz que a droga demonstrou custo-efetividade para o sistema de saúde quando comparada à oferta de apenas suporte psicológico.
Para a psiquiatra Analice Gigliotti, o remédio é uma boa alternativa às pessoas que abusam do álcool, mas que não têm dependência da bebida. “É o que a gente chama de alcoolista leve ou moderado, que, às vezes, perde o controle”, afirma.
O psicólogo Frederico Eckschmidt, especialista em dependência química e pesquisador da USP, também considera o medicamento um bom aliado às estratégias de redução de danos para os abusadores de álcool, quando associado a outras, como entrevistas motivacionais.
“A questão é que para o alcoólatra mesmo, parece não existir uso recreativo do álcool. Toda vez que ele vê a bebida, vem a compulsão.”
Entre os critérios para ser considerado um alcoólatra estão compulsão pela bebida, falta de controle no consumo, sintomas de abstinência e tolerância (precisa de cada vez mais para sentir o mesmo prazer de antes).
Para a psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Abead (Associação Brasileira para o Estudo do Álcool e outras Drogas), o medicamento “é mais do mesmo”, já que ele tem mecanismo de ação semelhante à naltrexona, substância já usada no tratamento da dependência.
“Medicamentos similares diminuem a fissura, mas funcionam para uns pacientes, e para outros, não.” Segundo ela, a meta dos tratamentos do alcoolismo é a abstinência, não a redução de doses.
“Eles envolvem remédios, mas, necessariamente, outras terapias comportamentais e motivacionais para evitar as recaídas.”
O clínico-geral Gustavo Gusso, professor da USP, critica o modelo do estudo, que só incluiu pessoas motivadas a reduzir o consumo. “Proibir bebida em locais públicos pode ter melhor resultado.”
Folha de São Paulo
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