O HPV, vírus transmitido por contato sexual que às vezes desencadeia cânceres genitais, também pode afetar seriamente a fertilidade masculina
Reinaldo Lopes
A presença dele no sêmen atrapalha o nado dos espermatozoides e a viabilidade dos embriões quando essas células conseguem fecundar o óvulo.
Tais conclusões integram uma série de estudos feitos por pesquisadores italianos, que deverão apresentar os resultados nesta semana em São Paulo, durante o 1º Congresso Internacional Huntington de Medicina Reprodutiva.
Para os cientistas, liderados por Carlo Foresta, da Universidade de Pádua, é possível que muitos dos casos de infertilidade masculina que hoje não têm explicação estejam ligados ao HPV estima-se que a maior parte da população terá HPV ao longo da vida.
Hoje, a recomendação usual é vacinar contra o vírus as meninas que estão prestes a iniciar sua vida sexual.
“Vacinar também os homens traria uma proteção extra para as mulheres não vacinadas e reduziria custos com o diagnóstico e o tratamento da infertilidade”, afirma Andrea Garolla, da Unidade de Andrologia e Medicina Reprodutiva da Universidade de Pádua, que é coautor dos estudos.
“A vacinação seria a única intervenção viável hoje para prevenir o problema, porque não há medicamentos que eliminem totalmente o HPV do organismo depois que a infecção aconteceu”, explica Rodrigo Sousa Madeira Campos, urologista do A.C. Camargo Cancer Center, que avaliou a pesquisa italiana a pedido da Folha.
Para o médico brasileiro, a associação entre o HPV e os problemas de fertilidade proposta pela equipe de Pádua é bastante plausível. Os italianos estimaram que embriões gerados por homens com HPV são perdidos em 66% dos casos, contra apenas 15% entre aqueles sem o vírus.
Enfiado no DNA
O principal trabalho de Foresta, Garolla e companhia, publicado na revista especializada “Andrology”, é uma meta-análise, ou seja, uma avaliação crítica de boa parte da literatura científica já publicada sobre o tema.
Após avaliar dezenas de outros estudos, os pesquisadores concluíram que há boas razões para acreditar que homens que possuem o HPV em seu sêmen têm probabilidade maior de desenvolver astenozoospermia grosso modo, uma “síndrome do espermatozoide preguiçoso”, na qual as células masculinas têm dificuldade de nadar rumo aos óvulos e, consequentemente, de fecundá-los e gerar um embrião.
As razões para isso ainda não estão totalmente claras, mas uma possibilidade é que, ao integrar seu DNA ao genoma das células humanas, como costuma fazer quando causa câncer, o HPV esteja bagunçando o funcionamento dos espermatozoides.
Também há indícios de que, mesmo nos casos de fecundação bem sucedida, o DNA viral acabe atrapalhando uma série de processos cruciais para o começo da gestação, como a fixação do embrião e o desenvolvimento dos tecidos invasivos que ele usa para obter recursos do organismo da mãe.
O que não se sabe ainda é se, mesmo com essas dificuldades, uma criança poderia nascer com o genoma do HPV integrado ao seu DNA desde o momento da fecundação. “É possível, mas pouco provável, porque em fases tão precoces a interferência do DNA viral dificilmente permitiria o desenvolvimento normal do embrião”, argumenta Garolla.
Para homens que estão tentando ser pais há bastante tempo sem sucesso e possuem o vírus em seu esperma, os italianos propõem que uma forma de mitigar o problema seria a lavagem do sêmen com produtos que podem remover ao menos parte da carga viral.
Depois disso, os médicos responsáveis pelo tratamento de infertilidade adotariam a chamada injeção intracitoplasmática de espermatozoide, técnica na qual uma única célula masculina é injetada num óvulo, para aumentar as chances de uma gestação.
Folha de São Paulo
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