Arquivo: Mastectomia e lumpectomia podem não ser a solução para o carcinomas ductais in situ |
Nova York - Nos Estados Unidos cerca de 60 mil mulheres a cada ano são informadas de que têm uma fase muito precoce do câncer de mama — estágio 0, como é vulgarmente conhecido — um possível precursor do que poderia ser um tumor mortal.
E quase todas as mulheres fazem mastectomia, e muitas vezes uma dupla mastectomia, removendo uma mama saudável também, ou lumpectomia (procedimento cirúrgico que remove apenas o nódulo mamário e a parte adjacente de tecido normal). No entanto, agora parece que o tratamento pode não fazer diferença no resultado.
As pacientes com esta condição têm quase a mesma probabilidade de morrer de câncer de mama que mulheres na população em geral, e as poucas que morreram, morreram apesar do tratamento, não por falta dele, relatam pesquisadores à revista “JAMA Oncology”. As conclusões foram baseadas na mais ampla coleta de dados já analisados de carcinomas ductais in situ (DCIS, na sigla em inglês): 100 mil mulheres acompanhadas por 20 anos.
A descoberta deve acender o debate sobre se milhares de pacientes estão se submetendo a tratamentos desnecessários e, muitas vezes, desfigurantes para condições malignas não suscetíveis de evoluir para cânceres fatais.
O diagnóstico de DCIS envolvendo células anormais confinadas em dutos de leite da mama subiram nas últimas décadas. Eles agora representam um quarto dos diagnósticos feitos com mamografia, e os radiologistas encontram lesões cada vez menores. Mas os novos dados sobre os resultados levantam questões provocantes: O DCIS seria um precursor do câncer ou apenas um fator de risco para algumas mulheres? Existe alguma razão para a maioria dos pacientes com o diagnóstico receber terapias brutais? Se o tratamento não faz diferença, as mulheres devem mesmo saber que têm a condição?
O diretor médico da Sociedade Americana de Câncer, Otis W. Brawley, disse não estar pronto para abandonar o tratamento até que um grande ensaio clínico seja feito para testar se o melhor é que as mulheres façam mastectomia, lumpectomia ou não façam nada quando diagnosticadas com CDIS, e este estudo mostre que o tratamento é desnecessário para a maioria dos pacientes. Brawley, que não esteve envolvido no estudo, também disse que não tinha dúvidas de que o tratamento tem sido usado excessivamente.
— Na medicina temos uma tendência a ficar muito entusiasmados com uma técnica e a usarmos excessivamente — disse Brawley. — Isso aconteceu com o tratamento de carcinoma ductal in situ.
Cerca de metade das 100 mil pacientes no banco de dados usado pelos pesquisadores, de um registro nacional de câncer, tinha feito lumpectomia, e quase todo o resto tinha feito mastectomia. O risco de essas mulheres morrerem de câncer de mama nas duas décadas seguintes ao tratamento era de 3,3% independentemente do tratamento usado — e este percentual de risco é similar ao da média das mulheres em geral, diz a cirurgiã de mama Laura J. Esserman, pesquisadora da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que escreveu um editorial que acompanha o estudo.
Os dados mostraram que algumas pacientes tinham alto risco: as que tinham menos de 40 anos, negras, e com células anormais contendo marcadores moleculares encontrados em cancros avançados com prognósticos pobres.
Precursor de câncer ou fator de risco?
O DCIS há muito tem sido considerado um precursor de tumores letais, análogo aos pólipos no cólon que podem se transformar em câncer de intestino, diz o autor do estudo Steven A. Narod, pesquisador do Women’s College Research Institute, em Toronto, no Canadá. A estratégia de tratamento tem sido a de se livrar das partículas minúsculas de células mamárias anormais, assim como os médicos se livram de pólipos do cólon quando os veem em uma colonoscopia. Mas o entendimento da condição ficou fora do esperado, já que mulheres que fizeram mastectomia deveriam estar protegidas do tumor, quando na verdade elas passaram a ter o mesmo risco de desenvolver a doença daquelas que tinham feito lumpectomia. Quase nenhuma ficou sem tratamento, então não tem como saber ser a falta de procedimento teria sido uma alternativa pior.
Laura Esserman disse que se os cânceres de mama mortais começassem como DCIS, a incidência da doença deveria despencar com o aumento dos índices de detecção. Isso não aconteceu, mesmo na era pré-mamografia, antes de 1980, o número de mulheres com DCIS ficava na casa das centenas. Agora, cerca de 240 mil mulheres recebem diagnóstico de câncer de mama invasivo a cada ano.
Esses fatos levaram Narod a uma visão contundente. Depois que um cirurgião removeu as células aberrantes para a biópsia, ele disse:
— Eu acho que a melhor maneira de tratar DCIS é não fazer nada.
Outros se desviaram desse conselho.
Monica Morrow, diretora da cirurgia de câncer de mama no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, disse que fazia mais sentido ver o DCIS como precursor de câncer que deveria ser tratado como é hoje, com lumpectomia ou mastectomia. Ela questiona se haveria falha no diagnóstico se as mulheres que foram tratadas morressem de câncer de mama.
Na maioria dos casos, os patologistas observam apenas uma pequena amostra do tumor, diz Monica, e podem perder áreas de câncer invasivo. Mesmo a melhor mastectomia deixa células cancerosas para trás, o que, segundo ela, pode explicar o fato de um pequeno número de mulheres com DCIS ter morrido de câncer de mama, mesmo após a mastectomia.
Brawley disse que o novo estudo, ao mostrar que os pacientes com DCIS estão em risco maior, pode ajudar a definir quem se beneficiaria de tratamentos como lumpectomia ou mastectomia — as mais jovens, negras e com marcadores moleculares. Ele diz que gostaria que ensaios clínicos tratassem dessa questão, assim como o fato do restante das mulheres com DCIS, 80% delas, ficarem bem sem tratamento ou com drogas antiestrogênio, como tamoxifeno ou raloxifeno, que podem reduzir os riscos gerais de câncer de mama.
Mas se o DCIS é um fator de risco para câncer invasivo, ao invés de um precursor, talvez seja possível ajudar as mulheres a reduzir seu risco, talvez com terapias hormonais ou imunológicas para mudar o ambiente da mama, tornando-o menos hospitaleiro para as células cancerosas, disse Laura Esserman.
— À medida que aprendemos mais, temos coragem de tentar algo diferente — disse ela.
O Globo
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