Custódio Coimbra / Custódio Coimbra/15.10.2011 - O Aedes aegypti é capaz de intensificar a transmissão do vírus quando a temperatura ambiente está quente |
Rio - Não bastasse 2015 registrar o recorde no número de mortes causadas pela dengue no país — 693 apenas nos oito primeiros meses do ano —, há evidências de que o próximo verão será o cenário perfeito para a multiplicação dos criadouros de Aedes aegypti. Isso porque a previsão é de que enfrentemos o El Niño mais forte das últimas duas décadas. O fenômeno, que aquece as águas do Pacífico, promete trazer ao continente uma estação mais quente e chuvosa do que o normal. Cenário ideal para o mosquito, que se prolifera com o calor e a umidade. Por conta disso, especialistas e autoridades sanitárias temem uma elevação dos casos de dengue, se não houver prevenção eficaz.
A estreita relação entre a doença e o El Niño foi comprovada por uma pesquisa liderada pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, que compara os períodos de epidemias de dengue no sudeste asiático com a incidência do fenômeno climático. Os cientistas analisaram relatórios mensais de vigilância sanitária feitos durante 18 anos, com um total de 3,5 milhões de casos notificados no sudeste da Ásia. Segundo eles, a conclusão de que o El Niño ajuda a acelerar a transmissão da doença pode ser estendida a outras regiões tropicais e subtropicais do mundo.
— Temperaturas elevadas criam a circunstância ideal para epidemias de dengue em grande escala, espalhadas por uma ampla região. A capacidade de prever e de se preparar para isso deve levar a esforços mais eficazes de vigilância e controle — afirma o professor de Epidemiologia Willem van Panhuis, principal autor da pesquisa, publicada esta semana na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”.
Mais de 1,4 milhão de casos
De acordo com o estudo, o vírus da dengue provoca no mundo uma média de 390 milhões de infecções a cada ano. No Brasil, foram registrados, somente até agosto, 1.416.179 casos prováveis de dengue. Esse número quase ultrapassou a quantidade de todo o ano de 2013, quando houve o recorde de 1.452.489 ocorrências.
Já em relação a mortes provocadas pela doença, o maior índice anual foi alcançado agora. Foram 693 até agosto, cerca de 40% a mais do que no ano passado, quando houve 407 mortes. Este é o recorde desde que a doença começou a ser monitorada em detalhes, em 1990.
Já em relação a mortes provocadas pela doença, o maior índice anual foi alcançado agora. Foram 693 até agosto, cerca de 40% a mais do que no ano passado, quando houve 407 mortes. Este é o recorde desde que a doença começou a ser monitorada em detalhes, em 1990.
Infectologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, Celso Ramos destaca a grande influência do clima sobre a taxa de incidência de qualquer doença transmitida por mosquitos. Esse é o caso não só da dengue, mas da febre Chicungunha e do Zika, cujo vírus também é carregado pelo Aedes aegypti. O médico explica que o mosquito não controla a temperatura do próprio corpo, então esta sempre depende da temperatura do ambiente. E, quanto mais quente o inseto fica, mais o vírus se multiplica dentro dele, tornando-o mais apto a fazer a transmissão.
— O clima é um fator importante, embora não seja determinante. É preciso também muita chuva e umidade no ar. Se estiver muito quente, mas a chuva não vier como o esperado, pode ser que os casos de dengue não aumentem. Mas, como há possibilidade de que isso aconteça, devemos nos preparar para esse cenário pior — diz Ramos.
Pesquisas indicam que caixas d’água, galões e tonéis são os principais criadouros do Aedes aegypti, mas vasos de plantas, garrafas, pneus e lixo a céu aberto, entre outros também são focos do mosquito — daí a importância da imunização.
— A fêmea do Aedes precisa apenas de uma cópula e consegue colocar ovos em vários lugares, que ficam armazenados por até 450 dias. Ou seja, basta uma chuva para a eclosão desses ovos — diz Sheila Homsani, diretora médica da Sanofi-Pasteur.
O superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Secretaria estadual de Saúde do Rio, Mário Sérgio Ribeiro, afirma que “já trabalha com a perspectiva do El Niño”. Ele, porém, não deu detalhes de quais novas estratégias de prevenção serão adotadas, pois elas serão diferentes em cada cidade. As secretarias municipais de saúde estão elaborando este mês o planejamento da campanha para o próximo verão.
— Sabemos que vamos ter temperaturas mais altas, suficientes para alimentar criadouros. Já trabalhamos com essa perspectiva do El Niño. A ideia é lançar uma nova campanha em novembro e contar muito com a participação da população para identificar criadouros — diz ele.
Dexreto "Inconstitucional"
Entre janeiro e julho, houve no estado do Rio 48.797 casos de dengue, número seis vezes maior do que em todo 2014, quando ocorreram 7.819. Porém, foi São Paulo o estado que mais sofreu com a doença, com 252.833 pessoas infectadas no mesmo período. Somente a capital paulista registrou 39.841 ocorrências, ocupando o terceiro lugar entre os municípios com mais casos no estado — atrás de Campinas e Sorocaba. Com isso, Secretaria municipal de Saúde de São Paulo também promete intensificar o combate à dengue a partir do mês que vem.
“A Secretaria está finalizando os testes para uso de tablets nas ações de campo para coleta de dados, além do uso de testes rápidos”, diz, em nota.
Uma medida recém tomada pelo prefeito Fernando Haddad, porém, tem gerado polêmica. Segundo decreto sancionado por ele no último sábado, será permitida a entrada à força de agentes sanitários nas casas de moradores que resistam a colaborar com a fiscalização. No entanto, para o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP, Marcelo Figueiredo, o decreto é inconstitucional.
— Entrar nas casas à força só pode ser feito com autorização judicial. Seria constitucional, isso sim, um decreto que instruísse as pessoas a contribuírem com os agentes, sob ameaça de multa — diz.
O Globo
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