“Algumas preferem ouvir a comadre ao especialista e colocam a saúde em risco”, diz expert em antibióticos
Pesquisas mostram que bactérias estão cada vez mais resistentes ao uso de antibióticos
As mulheres não são iguais. As infecções também não. Por este motivo, afirmam os médicos, o remédio que ajuda uma pode ser um veneno para a outra.
Só quem pode avaliar e prescrever a melhor droga é o médico mas, ainda assim, a receita da “vizinha” pode ter mais influência do que a do especialista.
A regra vale para qualquer doença, mas nas infecções urinárias e problemas ginecológicos a troca de medicamentos entre amigas e parentes é muito frequente. A população feminina ainda tem muita vergonha de falar, mesmo com o ginecologista, sobre corrimentos, cheiros, secreções e alterações na vagina. Essa dificuldade é o primeiro passo para a automedicação.
Segundo a ginecologista do Ambulatório de Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, Elsa Gay, a anatomia da mulher favorece muito mais as infecções e o cultivo de bactérias do que a dos homens.
“Nelas, é tudo muito fechado, úmido, o ambiente ideal para a ação de agentes infecciosos”, diz Elsa. Se o estresse ainda fizer parte do cenário, o sistema imunológico fica mais frágil, favorecendo doenças como a cistite, infecção urinária e corrimento.
Por mais que sejam recorrentes, estes problemas sempre exigem a visita ao médico. E mais: só porque um remédio foi usado com sucesso em uma primeira infecção não significa que ele pode ser usado novamente na próxima. Em hipótese nenhuma, reforça o infectologista e professor de residentes em medicina, Ricardo Tapajós, a medicação pode ser indicada entre amigas ou de mãe para filha, com o risco de que uma doença seja mascarada e tenha o diagnóstico tardio.
Um outro problema é que a classe terapêutica mais usada para tratar problemas ginecológicos é a dos antibióticos. Se usados indevidamente, eles fazem com que as bactérias fiquem fortalecidas – a chamada resistência bacteriana. Assim, não respodem mais à droga e o arsenal para tratamento fica reduzido.
Para Tapajós, professor de “Antibioticoterapia” do SJT – Preparatório para Residência Médica –, a responsabilidade pela cultura de automedicação é dos médicos e da população. Leia os trechos da entrevista concedida ao iG Saúde.
iG: São incontáveis os e-mails recebidos na redação de pessoas, especialmente mulheres, relatando a automedicação com antibióticos para tratar problemas de infecção urinária e também corrimento. Este tipo de postura pode acarretar quais danos à saúde?
Ricardo Tapajós: O que pode acontecer? Tudo: o antibiótico pode estar errado para o caso, e a consequência ser uma piora do caso clínico, com dano ao paciente. Ou o antibiótico pode estar correto, mas ter efeitos colaterais para quem o toma. Há interações (entre antibióticos e outros remédios) potencialmente perigosas, há limitação de usos de alguns antibióticos para crianças, ou gestantes, ou pacientes com determinadas condições hepáticas ou renais. Pode ainda acontecer do paciente não precisar de fato de um antibiótico e o uso ser completamente errado e descabido. Não podemos esquecer das consequências para a sociedade como um todo: o uso indevido e indiscriminado gera resistência bacteriana, o que afeta toda a sociedade, já que começam a circular bactérias mais resistentes.
iG: A dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde e a demora para conseguir consulta com especialistas também são razões que motivam a automedicação?
Ricardo Tapajós: O acesso dos pacientes aos serviços de saúde deve ser em tempo real, de acordo com a necessidade. Em muitos caso não adianta ter consulta marcada para daqui a 3 meses. Pode haver, sim, portanto, uma necessidade percebida da população se automedicar. Entretanto, de maneira nenhuma isso serve de justificativa para esse péssimo hábito.
iG: Na sua avaliação, a prescrição é indiscriminada por parte dos profissionais ou falta os especialistas alertarem mais sobre o uso indiscriminado de antibióticos?
Ricardo Tapajós: O médico é um profissional que necessita estar capacitado para qualquer função que irá exercer, inclusive a de prescrever antibióticos corretamente. A sociedade tem o direito de esperar que médicos prescrevam corretamente. Aparecem sempre antibióticos novos e novos usos para antibióticos antigos. O médico precisa sempre se atualizar, isso se chama educação médica continuada. Ela é importantíssima para a prática médica e, portanto, para a sociedade como um todo.
iG: Na sua experiência, quais são os sintomas ou doenças que mais acarretam prescrição errada ou automedicação de antibióticos?
Ricardo Tapajós: As infecções de vias aérea superiores, como dor de garganta, otite, sinusite e bronquite. Muitas dessas doenças são virais e não requerem uso de antibióticos. Entretanto, parece quer o paciente, ou a mãe da criança esperam que o médico prescreva um antibiótico. Se ele adequadamente não prescreve, talvez elas prefiram (erradamente) ouvir a comadre ou a vizinha e mesmo assim usá-los. Neste contexto, uma boa relação médico-paciente é indispensável para a boa prática médica.
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