Psicóloga diz que quando a pessoa fica cega depois de haver enxergado por anos, é necessário dar um novo sentido à vida
As luzes se apagam, o mundo fica sem cor. De repente, a escuridão toma conta de sua vida e o diagnóstico médico informa: você não poderá mais enxergar. Desespero, angústia, revolta, vontade de não viver mais. Após ter desfrutado da visão durante anos, por alguma doença ou acidente você se vê forçado a experimentar a difícil perda de um dos sentidos mais importantes da vida.
Assim aconteceu com a estudante Fabiane da Silva Alves, 31 anos, que herdou a miopia do pai. Ela conta que sofre com a doença desde criança. Tudo se agravou depois de sofrer um acidente doméstico e ter deslocamento de retina. Fabiane lembra que, a partir daí, a mãe passou a lhe ajudar a cuidar dos seus três filhos. Quando ficou totalmente cega, o mais novo tinha apenas dois anos.
— Minha maior preocupação é que os meus dois filhos mais velhos já têm a doença — conta.
Para o oftalmologista especialista em visão subnormal e estrabismo Fausto Stangler, a visão é muito mais do que a impressão geral de enxergar letras pequenas no consultório. Ela é o sentido mais complexo do organismo.
— O sistema visual pode ser comparado a uma máquina, resumido em três componentes principais, análogos a um sistema de filmadora (o olho) ligada por um cabo (o nervo óptico) ao monitor (o cérebro). Uma falha em qualquer um dos componentes pode comprometer o resultado final — explica Stangler, médico do Centro de Reabilitação Visual do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre.
Conforme a assistente social do Instituto da Audiovisão (Inav) Katia Pasquali Dosso, quanto mais cedo a família procurar atendimento em uma entidade especializada, melhor. Os institutos oferecem oportunidades de educação, habilitação e reabilitação visando à inclusão de pessoas surdocegas, cegas ou com baixa visão, associadas ou não a outras deficiências, sem limite de idade.
— Os adolescentes e adultos participam de um grupo de apoio no qual trocam experiências. Isso ajuda no processo de convivência com a deficiência — complementa Katia.
Há quase dois anos como instrutor de informática, Édson Dávila de Miranda, 18, já foi aluno do Inav e hoje ensina o que aprendeu a outros deficientes visuais. Ele conta que já nasceu com glaucoma congênito no olho esquerdo, mas com 12 anos perdeu totalmente a visão nos dois olhos.
— O importante é não se deixar abater. Tenho uma vida normal, viajo, estudo, trabalho e vou a festas — conta.
"Hoje enxergo com o coração"
Josué João Machado, 58 anos, casado há 34 com Aurea e pai de três filhos, sempre teve problemas com miopia. Mas a falta de visão se agravou em 2003, quando viajava com a família para a praia. Ele estava dirigindo, tentou ultrapassar um carro e teve que desistir porque sentiu que algo estava diferente.
— Conforme os médicos me explicaram, além das complicações com alto grau de miopia, também tenho uma degeneração de retina com a visão periférica — diz.
Machado conta que continuou trabalhando com processamento de dados e dirigindo até 2005, depois não foi mais possível. Mesmo procurando dirigir somente durante o dia, a perda da visão se agravou.
— Depois de 33 anos de trabalho, em 2007 me aposentei por invalidez. Mas a gente vai se adaptando e busquei vários especialistas. No Banco de Olhos de Porto Alegre, me indicaram um recurso monocular, que é uma espécie de telescópio adaptado a um óculos, para que eu possa pelo menos ver TV, além de uma lupa que uso para leitura. Mas num jogo de futebol na televisão, não enxergo a bola — explica.
Recentemente, Machado foi a São Paulo e se ofereceu para participar de uma experiência com células-tronco que seria o tratamento definitivo para o seu problema.
— O que tiro de bom em função da minha perda é que estou tendo tempo de fazer coisas que não fazia antes. Fui em busca de meditação espiritual e estou me dedicando ao violão, que não tocava desde os 15 anos — afirma.
Machado diz que hoje enxerga com o coração e dá valor à família, que sempre lhe apoiou, e aos seus cães.
— Antes achava ridículo ver aquelas pessoas passeando com os seus cachorros e hoje tenho a companhia deles para ir até a rua — comenta.
Orientação
A psicóloga Joselaine de Barros trabalha há dois anos com cegos na Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev). Ela acredita que quando a cegueira acontece na fase adulta, a pessoa tem que dar um novo significado à vida.
— Depende de cada caso, pois tem familiares que entendem, outros acham que o deficiente visual se torna um peso em sua vida. Outros ainda pensam que ao irem a uma instituição, terão um tratamento mágico e que a doença pode ser revertida. A gente sabe que não é bem assim e tenta orientar o cego e a família para aceitarem e terem independência para fazer as suas coisas — analisa.
Prevenção
Oftalmologista há 18 anos, Marcelo Paglioli explica as causas mais comuns que podem levar à deficiência visual.
:: Quais são as principais causas de cegueira?
Marcelo Paglioli: No adulto, a catarata, considerada a maior causa de cegueira no mundo, o glaucoma, que pode destruir o nervo óptico, o diabetes, que afeta os vasos sanguíneos do olho, e a degeneração macular relacionada à idade. Outras incluem traumatismos, descolamento de retina, infecções, tumores e hipertensão arterial. Já nas crianças, a deficiência visual é causada por anomalias do desenvolvimento, infecções transplacentárias e neonatais, como por exemplo a toxoplasmose, a rubéola e a sífilis.
:: A perda da visão é mais comum em homens ou mulheres? Tem alguma faixa etária específica?
Paglioli: A perda da visão na degeneração macular, área central da retina na qual a pessoa enxerga melhor, é mais comum nas mulheres com prevalência na terceira idade. Dentre os fatores de risco, a idade após os 40 anos é mais frequente e aumenta em até seis vezes se você tiver mais de 60 anos. A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é a causa mais comum de cegueira irreversível no Ocidente. Cerca de 10% das pessoas entre 65 e 74 anos e aproximadamente 30% dos maiores de 75 anos são afetados em alguma extensão pela DMRI. Essa doença afeta a retina na região com maior capacidade visual.
:: A cegueira pode ser hereditária?
Paglioli: A mãe pode transmitir ao feto através da toxoplasmose, que pode levar à cegueira. Outras doenças genéticas, como a retinose pigmentar, também podem levar à perda da visão na vida adulta.
:: Uma pessoa que está perdendo a visão pode recuperá-la?
Paglioli: Essa pessoa deve procurar imediatamente seu médico para tratar as doenças que são passíveis de tratamento, como o glaucoma, a diabete e a catarata. A prevenção é sempre o melhor caminho, através de consultas periódicas. Quando não há mais tratamento, como no caso de lesões do nervo óptico pelo glaucoma ou retinopatia diabética não tratada, as pessoas devem ser encaminhadas a centros especializados no auxílio à readaptação do dia a dia sem visão.
Fonte Zero Hora
Assim aconteceu com a estudante Fabiane da Silva Alves, 31 anos, que herdou a miopia do pai. Ela conta que sofre com a doença desde criança. Tudo se agravou depois de sofrer um acidente doméstico e ter deslocamento de retina. Fabiane lembra que, a partir daí, a mãe passou a lhe ajudar a cuidar dos seus três filhos. Quando ficou totalmente cega, o mais novo tinha apenas dois anos.
— Minha maior preocupação é que os meus dois filhos mais velhos já têm a doença — conta.
Para o oftalmologista especialista em visão subnormal e estrabismo Fausto Stangler, a visão é muito mais do que a impressão geral de enxergar letras pequenas no consultório. Ela é o sentido mais complexo do organismo.
— O sistema visual pode ser comparado a uma máquina, resumido em três componentes principais, análogos a um sistema de filmadora (o olho) ligada por um cabo (o nervo óptico) ao monitor (o cérebro). Uma falha em qualquer um dos componentes pode comprometer o resultado final — explica Stangler, médico do Centro de Reabilitação Visual do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre.
Conforme a assistente social do Instituto da Audiovisão (Inav) Katia Pasquali Dosso, quanto mais cedo a família procurar atendimento em uma entidade especializada, melhor. Os institutos oferecem oportunidades de educação, habilitação e reabilitação visando à inclusão de pessoas surdocegas, cegas ou com baixa visão, associadas ou não a outras deficiências, sem limite de idade.
— Os adolescentes e adultos participam de um grupo de apoio no qual trocam experiências. Isso ajuda no processo de convivência com a deficiência — complementa Katia.
Há quase dois anos como instrutor de informática, Édson Dávila de Miranda, 18, já foi aluno do Inav e hoje ensina o que aprendeu a outros deficientes visuais. Ele conta que já nasceu com glaucoma congênito no olho esquerdo, mas com 12 anos perdeu totalmente a visão nos dois olhos.
— O importante é não se deixar abater. Tenho uma vida normal, viajo, estudo, trabalho e vou a festas — conta.
"Hoje enxergo com o coração"
Josué João Machado, 58 anos, casado há 34 com Aurea e pai de três filhos, sempre teve problemas com miopia. Mas a falta de visão se agravou em 2003, quando viajava com a família para a praia. Ele estava dirigindo, tentou ultrapassar um carro e teve que desistir porque sentiu que algo estava diferente.
— Conforme os médicos me explicaram, além das complicações com alto grau de miopia, também tenho uma degeneração de retina com a visão periférica — diz.
Machado conta que continuou trabalhando com processamento de dados e dirigindo até 2005, depois não foi mais possível. Mesmo procurando dirigir somente durante o dia, a perda da visão se agravou.
— Depois de 33 anos de trabalho, em 2007 me aposentei por invalidez. Mas a gente vai se adaptando e busquei vários especialistas. No Banco de Olhos de Porto Alegre, me indicaram um recurso monocular, que é uma espécie de telescópio adaptado a um óculos, para que eu possa pelo menos ver TV, além de uma lupa que uso para leitura. Mas num jogo de futebol na televisão, não enxergo a bola — explica.
Recentemente, Machado foi a São Paulo e se ofereceu para participar de uma experiência com células-tronco que seria o tratamento definitivo para o seu problema.
— O que tiro de bom em função da minha perda é que estou tendo tempo de fazer coisas que não fazia antes. Fui em busca de meditação espiritual e estou me dedicando ao violão, que não tocava desde os 15 anos — afirma.
Machado diz que hoje enxerga com o coração e dá valor à família, que sempre lhe apoiou, e aos seus cães.
— Antes achava ridículo ver aquelas pessoas passeando com os seus cachorros e hoje tenho a companhia deles para ir até a rua — comenta.
Orientação
A psicóloga Joselaine de Barros trabalha há dois anos com cegos na Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev). Ela acredita que quando a cegueira acontece na fase adulta, a pessoa tem que dar um novo significado à vida.
— Depende de cada caso, pois tem familiares que entendem, outros acham que o deficiente visual se torna um peso em sua vida. Outros ainda pensam que ao irem a uma instituição, terão um tratamento mágico e que a doença pode ser revertida. A gente sabe que não é bem assim e tenta orientar o cego e a família para aceitarem e terem independência para fazer as suas coisas — analisa.
Prevenção
Oftalmologista há 18 anos, Marcelo Paglioli explica as causas mais comuns que podem levar à deficiência visual.
:: Quais são as principais causas de cegueira?
Marcelo Paglioli: No adulto, a catarata, considerada a maior causa de cegueira no mundo, o glaucoma, que pode destruir o nervo óptico, o diabetes, que afeta os vasos sanguíneos do olho, e a degeneração macular relacionada à idade. Outras incluem traumatismos, descolamento de retina, infecções, tumores e hipertensão arterial. Já nas crianças, a deficiência visual é causada por anomalias do desenvolvimento, infecções transplacentárias e neonatais, como por exemplo a toxoplasmose, a rubéola e a sífilis.
:: A perda da visão é mais comum em homens ou mulheres? Tem alguma faixa etária específica?
Paglioli: A perda da visão na degeneração macular, área central da retina na qual a pessoa enxerga melhor, é mais comum nas mulheres com prevalência na terceira idade. Dentre os fatores de risco, a idade após os 40 anos é mais frequente e aumenta em até seis vezes se você tiver mais de 60 anos. A degeneração macular relacionada à idade (DMRI) é a causa mais comum de cegueira irreversível no Ocidente. Cerca de 10% das pessoas entre 65 e 74 anos e aproximadamente 30% dos maiores de 75 anos são afetados em alguma extensão pela DMRI. Essa doença afeta a retina na região com maior capacidade visual.
:: A cegueira pode ser hereditária?
Paglioli: A mãe pode transmitir ao feto através da toxoplasmose, que pode levar à cegueira. Outras doenças genéticas, como a retinose pigmentar, também podem levar à perda da visão na vida adulta.
:: Uma pessoa que está perdendo a visão pode recuperá-la?
Paglioli: Essa pessoa deve procurar imediatamente seu médico para tratar as doenças que são passíveis de tratamento, como o glaucoma, a diabete e a catarata. A prevenção é sempre o melhor caminho, através de consultas periódicas. Quando não há mais tratamento, como no caso de lesões do nervo óptico pelo glaucoma ou retinopatia diabética não tratada, as pessoas devem ser encaminhadas a centros especializados no auxílio à readaptação do dia a dia sem visão.
Fonte Zero Hora
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