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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

"Enfermeiro não é médico frustrado"

Estigma de profissional de segunda classe ainda incomoda categoria, apontam enfermeiros

No uso informal, até os dicionários definem enfermeiros como “qualquer um que cuida de enfermos”.

Embora simplista e limitada, a classificação reflete um preconceito que se arrasta na sociedade. É fato que a função nasceu feminina, dentro de uma cultura católica e de guerra, mas ao longo dos anos assumiu patamares gerenciais.

Formada em 1962, Fumico Sonoda, chefe de enfermagem do Hospital do Coração (HCor), onde trabalha há 35 anos, fez faculdade na Cruz Vermelha Brasileira.

Usou durante um bom tempo o longo vestido branco sob o avental com o sinal da cruz vermelha – uniforme e identidade da profissão – e acompanhou de perto a profissionalização de seu ofício.

“Éramos apenas mulheres instruídas para cuidar. Hoje a área é riquíssima, ampla, não necessariamente destinada ao atendimento direto e requer conhecimento, capacitação constante. Enfermeiro precisa ter sensibilidade, mas não altruísmo.”

Para a enfermeira, o processo de valorização permanece gradual. Em uma sociedade que se curva ao menor sinal de jaleco branco, quem tem vocação para cuidar é voluntário.

“Eu trato o paciente, não a doença. A recuperação é comprometida se não tiver um enfermeiro presente. Pode ter o melhor médico, o remédio mais potente, mas nossa presença é fundamental."

Primeira opção
Ivana Pimentel de Siqueira, superintendente de atendimento do Hospital Sírio Libanês, iniciou a carreira na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital das Clínicas de São Paulo. O apreço pela área foi gratuito, movido pela vontade de trabalhar dentro de um hospital e ficar perto dos pacientes.

Aos 18 anos, ela prestou vestibular para o curso de enfermagem em uma das grandes universidades públicas do País e foi a segunda colocada na classificação geral – a nota final permitia que Ivana se matriculasse no curso de medicina.

“Enfermeiro não é médico frustrado. Sempre foi minha primeira opção, não por falta de estudo ou limitação financeira. Não queria ser a ditadora do processo de cura. Meu desejo sempre foi o de estar presente, ao lado, ajudar a evitar a morte ou acelerar o processo de cura.”

Hoje, ela coordena mais de 350 funcionários e exerce função administrava dentro do hospital – cargo alcançado graças às constantes especializações feitas ao longo da carreira.

“Nunca parei. Enfermeiro é um dos profissionais mais cobrados no dia a dia. Somos o cartão de visitas de um hospital, precisamos funcionar muito bem. Já vivi pegando em agulha, agora observo e controlo a qualidade dos serviços.”

Para ela, o preconceito perdeu força ao longo dos anos, mas não foi extinto. A sociedade ainda confunde o trabalho do auxiliar de enfermagem, do técnico e do enfermeiro – e restringe a função a limpar, dar banho e administrar os medicamentos.

Ouvidos seletivos
Edmilson Santoma, enfermeiro pleno, funcionário de Ivana há 9 anos, lida diariamente com a ignorância de pacientes e dos familiares, que nem sempre entendem ou reconhecem seu trabalho. “A visão equivocada independe de classe social. Muitos julgam a nossa função como inferior, servil."

Cenas de humilhação ou maus tratos, entretanto, fogem à lembrança. Em quase uma década de profissão, o preconceito se manifestou sem deixar marcas – talvez por que, para ele, grito não é ofensa.

“Gritar é comum, mas enfermeiro não se melindra com berro. Um paciente que destrata o enfermeiro, já foi agressivo com o fisiterapeuta, nutricionista e até o médico.”

Para o senso comum, enfermeiro pode até ser uma subcatecoria da medicina, mas na relação direta entre os profissionais de saúde, não existe hierarquia. “Enfermagem não é um degrau abaixo da medicina. Somos uma alavanca, mediadores. Ninguém é mais ou menos no processo de cura", assevera Ivana.

Sem o relatório feito por quem passa o dia prestando assistência, o diagnóstico dos médicos é diretamente prejudicado. O confronto de idéias entre médicos e enfermeiros ocorre, mas os embates sinalizam, no máximo, a prepotência dos médicos, não necessariamente o preconceito.

“Ele dita o tratamento, é o dono desse conhecimento, não queremos brigar por isso, mas podemos questionar, por exemplo, o horário estipulado para dar a medicação. Sabemos a rotina do paciente e como ela pode funcionar melhor.”

Corda bamba
Para Antônio Marcos Freire, diretor do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o berço da enfermagem retardou o reconhecimento da profissão.

“A igreja católica colocava as mulheres dentro dos hospitais para cuidar, mas sem capacitação. A função era secundária e demorou a ser vista como complementar. É recente a valorização.”

Embora o ingresso de homens tenha ajudado a suavizar o estigma feminino, 85% dos profissionais de enfermagem ainda são mulheres. Na visão do diretor, o ranço cultural mantém os enfermeiros na berlinda. Qualquer erro denunciado contamina a categoria.

“Conseguimos impor respeito, mas a pressão é grande. A cada falha individual temos que provar cinco vezes mais que somos competentes do que as outras áreas da saúde.”


Fonte IG

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