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Peregrinação por hospitais em busca de um leito, impedimento para entrada de um acompanhante no parto, intervenções desnecessárias, cesariana sem indicação clínica, aleitamento materno dificultado. Esses são relatos comuns de gestantes que tiveram partos em ambiente hospitalar. De tão frequentes, algumas mães já nem identificam essas questões como um problema. Para a Defensoria Pública de São Paulo, no entanto, essas situações são marca da violência obstétrica.
A defensora Ana Paula Meireles, que coordena o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, explica que as situações configuram violação à autonomia das mulheres e ao direito sexual e reprodutivo assegurado pela Constituição. “Elas não conseguem decidir porque nada é informado e os procedimentos são impostos de maneira absoluta. Mesmo nos casos em que há risco para a mulher ou para a criança que vai nascer, ela deve ser informada para que possa decidir”, apontou.
A médica ginecologista Ana Lúcia Cavalcante, da assessoria de Saúde da Secretaria Municipal de Política Públicas para Mulheres, acredita que a ampliação das casas de parto em São Paulo, de uma para oito, vai contribuir para tornar a mulher protagonista do processo. “Isso passa pela questão de gênero. A relação de poder sobre as mulheres. Elas não definem. Outras pessoas fazem isso por elas. Se não é o pai, é o marido, é o médico, a medicina. O corpo não é dela”, disse.
A assessora acredita que também é preciso mudar a cultura médica para possibilitar essa autonomia. “Alguns colegas têm uma relação de poder com os pacientes. A mulher grávida fica numa condição em que outro age sobre ela. Se muda esse modelo e, desde o pré-natal, ela é informada, tudo é discutido, isso com certeza vai mudar”, aposta. A respeito do alto percentual de cesarianas, que corresponde a 52% no Brasil, Ana Lúcia destaca que, quando elas não têm indicação clínica, aumentam muito o risco de infecção e hemorragia nas gestantes.
Nesta semana, uma decisão judicial da Justiça do Rio de Grande do Sul determinou que uma gestante de 29 anos fosse submetida a uma cesariana em um hospital do município de Torres. O pedido foi feito pelo Ministério Público (MP) após o relato da equipe médica do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, que apontou risco de morte da mãe e do bebê. Segundo o MP, a mulher, grávida de 42 semanas, procurou o hospital com dores abdominais, apesar da indicação cirúrgica, ela preferiu retornar para casa e aguardar o parto normal. Após a liminar, ela foi conduzida por força policial ao hospital.
Na avaliação da defensora, seriam necessárias mais provas do risco de vida da criança antes de uma medida coercitiva. “O que se tinha era o laudo da médica que atendeu no hospital, dizendo que a criança estaria em risco se aguardasse mais um pouco. Era uma gestação de uma mulher que vinha sendo acompanhada e a única coisa que ela queria é que fosse um parto natural, que o filho viesse no momento adequado”, disse. Ela lamenta que a questão não possa ser revertida, já que o procedimento já foi feito. “Cabe a essa mulher analisar se também foi vítima de violência obstétrica e, se assim entender, buscar as medidas judiciais”, declarou.
O hospital informou que a gravidez era considerada de risco porque a paciente já havia sido submetida a duas cesáreas anteriores, o que aumenta a possibilidade de ruptura uterina e, por consequência, a morte de mãe e filho. Diante da situação, o hospital informou o caso ao MP como forma de seguir os protocolos assistenciais. A versão é contestada pela doula Stephany Hendz, que acompanhava a gestante. Ela relatou, em uma rede social, que elas estiveram “no hospital para uma avaliação com direito a eco obstétrica de urgência e constataram placenta e líquido amniótico normal, bebê com sinais vitais bons e mãe em perfeita saúde”.
Ana Paula explica que a violência obstétrica não é considerada crime no Brasil, a exemplo do que ocorre na Argentina e na Venezuela. “Criminalizar essa questão às vezes não é a melhor solução. A gente sempre busca identificar se de fato ocorreu, buscar provas e uma eventual ação de indenização”, explicou. Ela informou que este é um tema novo na defensoria e, por enquanto, nenhum caso foi levado ao tribunal. Dependendo do caso, a ação pode ser feita contra o hospital ou os próprios profissionais de saúde. Inicialmente, o núcleo atua em ações de esclarecimento.
Agência Brasil
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