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quarta-feira, 30 de abril de 2014

"Larguei a escola pelo bar": o drama dos jovens que lutam contra o alcoolismo

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De acordo com o Cebrid, os jovens brasileiros têm o primeiro
 contato com o álcool aos 13
Fernanda*, 19, e Roberta*, 22, começaram a beber para curtir, mas se tornaram um dos 1,6% dos jovens brasileiros em idade escolar que fazem uso pesado do álcool. Hoje recuperadas, elas contam ao iGirl a sensação de ter chegado ao fundo do poço. “Bebia para ficar muito louca. Podia ser até gasolina”
 
Aos 13 anos de idade, Roberta* não tinha muito o que fazer depois da aula no bairro onde morava, na extrema zona leste de São Paulo. O rolê favorito dela e dos amigos era matar o tempo em uma pista de skate que estava sempre vazia, e trocar ideia em tardes muito loucas regadas a pinga barata ou vinho de barril. “Não era o álcool em si, mas a situação. Queria estar com as pessoas, me desinibir”, ela lembra. “Era para ficar muito louca. Não interessava o que estava bebendo, podia ser gasolina. Não tinha nenhum pingo de moderação.”
 
A história de Roberta se repete todos os dias Brasil afora. Segundo o 6º Levantamento Nacional Sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio, divulgado, em 2010, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), os jovens bebem pela primeira vez, em média, aos 13 anos.
 
O estudo dá conta que 60,5% dos adolescentes de 10 a 18 anos já consumiram bebida alcóolica pelo menos uma vez na vida e 1,6% já faz uso pesado, com mais de 30 vezes por mês. “Alcoolismo na adolescência não é comum, mas um excesso cada vez mais presente. E os jovens estão começando a beber mais cedo”, explica o Dr. Arthur Guerra, fundador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, da Universidade de São Paulo.
 
Vítima de bullying na escola, Roberta usava o “goró” como uma escapatória, tanto do tédio como da timidez. “Você nunca é aceita em um ambiente, mas finalmente se sente parte do grupo. Então você quer estar por dentro. O álcool ajuda a perder o medo de socializar”, ela diz. De acordo com a Dra. Ana Cristina Fraia, coordenadora da Clínica de reabilitação Maia, este é o primeiro indício de uma relação problemática com a bebida. “Em vez de criar estratégias para se sair melhor em uma conversa, está começando a depender do álcool.”
 
Para Roberta*, a situação se tornou mais evidente quando não conseguia nem desenvolver funções básicas do dia a dia sem estar alcoolizada. “Na escola eu matava aula com a turma para beber, mas, na faculdade, eu fazia isso sozinha. Não era mais uma questão social”, conta. A paulistana, hoje aos 22 anos e professora, transformou o álcool em refúgio, usado no início da vida adulta como calmante -- e tudo por culpa de uma brincadeira com os amigos.
 
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Fernanda* bebeu pela primeira vez em uma festa infantil
O hábito começa em casa
Festa de criança. Brigadeiro e bolo de chocolate na mesa. Tubaína para as crianças e, para os adultos, uma cervejinha, uma caipirinha. Bem no centro do seio familiar, este ambiente não parece ser nocivo para um adolescente, mas, de acordo com especialistas, é aqui que eles bebem pela primeira vez. “O primeiro contato sempre se dá na própria casa, com os amigos e familiares. Chamamos isto de batismo”, afirma Arthur Guerra.
 
O primeiro “pt” (sigla para perda total, quando uma pessoa bebe a ponto de passar mal) de Fernanda*, 19, de Santos, no litoral paulista, foi em uma festa em casa. “Minha mãe até tirou sarro quando eu estava vomitando”, lembra. A partir desse dia, ela começou a consumir álcool regularmente e a situação só se agravou, principalmente porque na mesma época ela perdeu o pai. “Calhou de eu começar a fazer amizade com uma galera mais ousada”, afirma.
 
Em vez de se restringirem aos fins de semana, as bebedeiras se tornaram frequentes. “Ficava de segunda a segunda no bar. Chegava em casa só para dormir para sair à noite”. Tendo a vida dividida entre o copo de cerveja e a cama, Fernanda* não conseguia mais assistir às aulas do ensino médio. “Larguei a escola para ir ao bar. Não consegui terminar o colégio”, lamenta.
 
Em um dado momento, o álcool não era mais o bastante para a jovem. “Comecei a ter blecautes”, conta. “Bebia muito, fazia coisas ruins durante à noite e, no dia seguinte, não lembrava de nada. Então comecei a usar cocaína pra cortar o efeito e beber mais”. Depois de três anos de abuso do álcool, as consequências apareceram em um exame de rotina para a psicológa. “Aos 18 anos, tive princípio de cirrose no fígado. Fiquei bastante assustada”.
 
O diagnóstico
De acordo com o Dr. Arthur Guerra, é difícil diagnosticar um adolescente como alcóolatra. “É preciso anos de consumo para causar dependência, abstinência”. Dra. Ana Cristina Fraia diz, ainda, que dar o diagnóstico pode fazer mais mal do que bem. “É muito cedo para rotularmos alguém com algo tão pesado.”
 
Apesar de não haver uma “rotulação”, alguns sinais esclarecem se o consumo de álcool de um adolescente é anormal. “Eles começam a ter perdas. Perde a namorada, os amigos, por causa da bebida”, diz Arthur Guerra. “Todo mundo bebe, mas ele mais do que os outros. Quando o álcool está sendo usado como uma muleta para superar dificuldades".
 
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Roberta* tinha medo de falar sobre o assunto, mas só depois de
procurar ajuda conseguiu aos poucos superar o problema
Roberta* teve um “insight” por volta dos 18 anos de que o “hábito”, como ela fala, tinha ido além. “Quando estava chegando no bar onde eu sempre ia e o atendente já estava abrindo uma cerveja na minha mesa de sempre”, admite. Mas ela só foi ter a real dimensão da situação três anos depois, na terapia. “Há pouquíssimo tempo comecei a falar sobre.”
 
Fernanda*, por sua vez, passou pelo susto no exame, porém a ficha só foi cair depois de responder um questionário para a terapeuta. “De 10 critérios, eu me identificava com 7 [para quem sofre com o alcoolismo]. Ela [a médica] me falava que eu poderia ser alcoólatra, mas eu não acreditava. Fiquei tão mal que, às 10h, saí do consultório, fui até o posto da esquina e comprei uma cerveja”, confessa a jovem.
 
O que os pais podem fazer?
Na casa de Roberta*, nunca se falou sobre o assunto. “Até poderia falar com a minha mãe, ela me dá muita abertura, mas isto é uma coisa muito minha. Tenho até um pouco de vergonha de estar nesta situação de vulnerabilidade”. Com Fernanda*, o caso foi oposto: “Contei para ela durante o almoço. Ela não ficou surpresa, ficou mais me consolando, mas ficou assustada. A gente não imagina que dá para ser alcoólatra com 18 anos.”
 
Ana Cristina Fraia aponta que a família é importante na hora de passar um exemplo do consumo consciente do álcool. “Bebida é coisa de adulto, não é de criança e nem de adolescente. Se vai beber na frente do filho, o faça de maneira controlada e em ocasiões sociais. Se o pai tiver um comportamento ruim, o filho vai imitar”, diz categoricamente.
 
A lei brasileira e os médicos defendem o consumo da substância apenas para maiores de 18 anos. “O cérebro do adolescente está em plena expansão e o álcool pode atrapalhar”, pontua Arthur Guerra. Mas são poucos os jovens que seguem à risca o regulamento, por isso, os parentes também têm o papel de conscientizar. “Se ele é orientado provavelmente não vai ter problema. É nocivo quando sai do controle. Precisa ensinar”, afirma Ana Cristina Fraia.
 
Recuperando o futuro
Passado o susto, as duas jovens optaram pelo mesmo caminho: deixar o hábito para trás. “Depois disso [o insight], não coloquei mais nenhuma gota de álcool na boca”, diz Roberta. “Fui parando aos poucos, então não senti abstinência. Desde o começo do ano não uso mais nenhuma substância”, se orgulha Fernanda.
 
Atualmente, a professora de São Paulo até consegue apreciar bebidas alcoólicas, principalmente cervejas importadas, as suas favoritas. “Mas sei que, se eu tivesse a predisposição, eu seria alcoólatra.
 
Beber é um hábito o qual você consolida. Não precisa ter uma compulsão”, diz. O seu principal aliado é o auto-controle: “Aprendi que tenho que beber quando estou feliz, não quando preciso escapar da realidade.”
 
Namorando há um ano e meio, Fernanda está em plena recuperação, do alcoolismo e do futuro. No dia em que falou com a reportagem, a jovem estava indo se inscrever no supletivo. “Gostaria me formar em Arquitetura ou Engenharia.”
 
*Os nomes foram alterados para resguardar a identidade das personagens
 
iG

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