Foto: Reprodução Uso errado de colírio pode provocar glaucoma |
Em um ano, a visão do adolescente Alefe Nogueira passou de perfeita para quase
inexistente. Aos 13 anos, ele está praticamente cego. Só enxerga feixes de luz.
A causa do problema não foi uma doença hereditária nem um acidente. O uso
contínuo de um colírio, vendido sem receita em qualquer farmácia, foi o causador
da perda de visão.
Alefe é um dos muitos jovens que ficaram cegos ou com baixa visão após
desenvolver um tipo de glaucoma causado pelo uso inadequado de produtos
oftalmológicos com corticoide. Esta segunda-feira, 26, é o dia nacional de
combate à doença.
A falta de controle sobre a comercialização desse tipo de produto é alvo de
críticas de entidades médicas. No mês passado, a Sociedade Brasileira de
Glaucoma editou um consenso classificando esse tipo de glaucoma como o mais
comum entre aqueles de causa conhecida e, portanto, o mais evitável.
“O uso do colírio com corticoide pode ser benéfico em muitas situações, mas
seu uso crônico, sem indicação médica, é o que traz problema. Quando usado por
anos, o corticoide provoca danos na estrutura do olho que levam ao aumento da
pressão ocular, o que pode causar cegueira”, diz Augusto Paranhos Jr., professor
livre-docente da Escola Paulista de Medicina e coordenador do consenso.
Foi o que aconteceu com Alefe. “Em 2008, ele teve uma conjuntivite alérgica e
o médico nos receitou um colírio com corticoide. Depois, todas as vezes que ele
voltou a ter essa mesma alergia nem voltei ao médico, já passava na farmácia e
comprava. O médico não nos alertou do perigo. Se a farmácia exigisse receita,
com certeza isso não teria acontecido”, conta o comerciante Alexandre da Silva
Nogueira, de 36 anos, pai de Alefe.
O adolescente fez uso contínuo do colírio por quase quatro anos, até começar
a apresentar problemas de visão. “Achei que ele precisasse de óculos. Só depois
descobrimos o problema e já estava grave”, conta Nogueira.
Segundo Paranhos Jr., a falta de sintomas torna a situação ainda mais
perigosa. “A pressão do olho vai subindo aos poucos, mas sem que o paciente
sinta nada. Quando o problema é descoberto, costuma estar num estágio
irreversível”, diz.
Regulação
Presidente da Sociedade Brasileira de
Glaucoma, Francisco Eduardo Lopes Lima diz que a entidade já protocolou, sem
sucesso, duas solicitações de regulação da venda desses produtos à Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A sociedade defende que a retenção da
receita médica seja obrigatória.
“A primeira solicitação foi feita em 2011 e ficou sem retorno. A segunda foi
protocolada em 2013 e recebeu como resposta uma explicação sobre outro assunto.
A impressão é que eles nem leram nosso pedido. É um total descaso”, diz ele.
Em nota, a Anvisa afirmou ao Estado que “todas as demandas
referentes ao controle de medicamentos estão sendo tratadas em um grupo
coordenado pela agência que avalia formas para fazer com que, no Brasil, a
prescrição médica seja, de fato, respeitada”. A agência diz que “não adianta
tratar cada medicamento de forma individual”, mas garantir que a receita seja
exigida pelas farmácias.
Para Lima, alguns medicamentos com efeitos colaterais graves devem ser
tratados de maneira individual. “Assim como passaram a exigir retenção de
receita para antibióticos, o mesmo deveria ocorrer com os colírios com
corticoide.”
Estadão
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