Aplicativos, carreira, concursos, downloads, enfermagem, farmácia hospitalar, farmácia pública, história, humor, legislação, logística, medicina, novos medicamentos, novas tecnologias na área da saúde e muito mais!



domingo, 28 de dezembro de 2014

Falta de legislação sobre doação de embriões congelados causa dilemas

Reprodução
Sobram questionamentos em torno do que um filho gerado dessa forma pode saber sobre seus pais genéticos
 
Chega um momento em que casais que mantêm embriões congelados precisam decidir o que fazer com eles: o descarte, a doação para a pesquisa científica ou para outras pessoas que desejam ter filhos.
 
A mulher que quer ser mãe e não tem óvulos viáveis também enfrenta um conflito: desistir do sonho, adotar uma criança ou receber o embrião de anônimos?
 
Os dois processos não dependem só das vontades das partes envolvidas, mas de uma série de questões jurídicas e regulatórias que, no caso da doação do material fecundado, formam um imbróglio legal.
 
A principal regulamentação para o tema surgiu com a Resolução Técnica do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2013, de 9 de maio de 2013, sem força de lei. Segundo o ginecologista e obstetra Adelino Amaral Silva, especializado em reprodução humana e membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do CFM, essa resolução introduziu o descarte de embriões, até então não permitido pela regulamentação médica.
 
As indefinições geraram, por exemplo, dezenas de milhares de embriões abandonados em clínicas de reprodução assistida de todo o país. “Os pais desapareceram, o casal se separou e os embriões estão lá, sem destino. Não podemos descartá-los sem autorização por escrito”, explica.

Somente na clínica do especialista, ele contabiliza 135 casais com pelo menos três ou quatro embriões cada um. “São quase quinhentos abandonados. É algo sério ainda não regulamentado. O que fazer se o casal não volta e pede os embriões?, questiona o médico.
 
Segundo Natan Monsores, professor do Núcleo de Bioética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), ajustes melhoraram a resolução brasileira. Se antigamente eram produzidos 20 ou 30 embriões, hoje esse número foi reduzido para algo em torno de três. “Todos aqueles sobressalentes e vulneráveis deixaram de existir.
 
Mas, e aqueles que foram gerados antes? Temos um depósito enorme, um acúmulo muito grande no Brasil”, confirma. O aprimoramento das técnicas e do manejo em laboratório também ajudou a limitar o número entre três e cinco, dependendo das condições de saúde da paciente.

Nos países em que as técnicas de reprodução assistida surgiram há mais tempo, alguns parâmetros legais foram traçados. Na Espanha, por exemplo, somente é permitido o congelamento de embriões durante cinco anos. Depois disso, a destruição dos embriões é obrigatória.
 
Na Dinamarca, aqueles que sobram são destruídos logo depois da fertilização, pois não há previsão da criopreservação. Portanto, os dinamarqueses nem consideram a adoção de embriões. Outros países definem que eles devem ser direcionados para fins de pesquisa, como a Bélgica e alguns estados dos Estados Unidos. A legislação alemã não permite que sejam gerados mais embriões do que aqueles que serão implantados.

“Então, não existe no mundo nada muito definido, mas há uma legislação ou um conjunto de sentenças judiciais que, na realidade, se dizem a favor da manutenção ou até da adoção. Porém, sempre vai depender do Judiciário de cada país”, afirma a advogada e especialista em direito de família e herança Ivone Zeger, autora do livro Família —perguntas e respostas.
 
Ela acredita que, no decorrer de toda a polêmica, a ciência se desenvolveu, mas o amparo legal ficou ausente. Não porque a questão deixou de ser tratada, mas por existirem uma série de lacunas e uma carência no sistema jurídico, que tem um andamento um pouco mais lento em relação a avanços científicos. Esse hiato legal é justamente o que preocupa outra advogada.
 
Dados biológicos
Flávia Cordeiro de Melo, 43 anos, adotou o embrião que gerou Pedro, hoje com 2 anos, sob esse clima de insegurança jurídica que ainda a faz questionar algumas situações que poderá viver.
 
“Tentei guardar as células embrionárias do cordão, mas não foi possível. Fico com receio de precisar de um doador para o meu filho se alguma coisa acontecer e não poder ter essa saída”, desabafa. Nesses casos — e somente neles — é possível encontrar instrumentos jurídicos para a obtenção de material genético do doador.
 
“Se houver a suspeita de algum tipo de doença ou alguma coisa que possa vir a prejudicar a vida desse indivíduo, por via judicial, obviamente, esse menor ou já maior de idade poderá solicitar daquele banco de esperma ou de gametas o dado necessário”, garante Zeger.

Porém, a advogada pondera que, muito pouco provavelmente, nos dias de hoje, a pessoa conseguirá informações de quem é a mãe ou o pai genético dele.
 
“O que é informado e está acontecendo é o fornecimento de dados biológicos do material fornecido. Nunca o nome das pessoas que doaram”, explica.
 
Se o filho quiser fazer uma busca sobre o seu passado genético, dificilmente terá os dados. Zeger conta que, no caso da adoção tradicional, é possível que a pessoa obtenha legalmente como veio ao mundo e quem são seus pais biológicos. Se existe essa possibilidade, ela é garantida pela lei. No caso de fertilização in vitro, porém, a questão tende a se complicar.

“Normalmente será alguém de um banco de gametas que não quer ter a identidade revelada. Existe uma doação e, por isso, um banco. Da mesma forma, o doador não pode rastrear o destino do material fornecido. Uma vez doado, doado está”, diz.
 
“A clínica que recebeu pode dar as informações sobre o que aconteceu, mas nada além disso. Deve haver, por parte desses locais, um contrato para que sejam resguardadas todas as partes envolvidas.”

Escolhas polêmicas
Ao ir a uma clínica de reprodução assistida buscar um sêmen, a mulher tem acesso a uma lista extensa de características dos doadores. O mesmo acontece com uma doação de óvulo, mas os detalhes tendem a ser muito menos explícitos quando a opção é pela implantação de um material já fecundado.
 
Uma das questões mais polêmicas em torno desse procedimento está justamente nas possibilidades de escolha. No Brasil é proibido fazer a opção pelo sexo do bebê, mas não há nada que fale a respeito das outras características genéticas.

"Entre os embriões doados, por exemplo, pode haver um com síndrome de Down, uma anomalia cromossômica muito incidente. O casal toparia adotar esse embrião? Do ponto de vista genético, categorizar um embrião como saudável é complicado", debate o professor de bioética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília Natan Monsores.
 
Ele explica que algumas doenças genéticas só vão aparecer na primeira infância ou mais tardiamente e, apesar de haver ferramentas modernas para a seleção de embriões, elas ainda são incompletas e pouco acessíveis. “Entramos em um campo muito nebuloso ao falar de escolha genética, de sexo, de tentar evitar doenças nesses embriões.”

Monsores afirma que a própria descristalização — uma das etapas da implantação dos embriões no útero — já pode gerar alterações agressivas. Ele considera que o critério de viabilidade do embrião também é muito controverso e envolto em uma longa discussão técnica na literatura para a sua definição ideal. “Alguns pesquisadores tendem para um lado, outros médicos para outro e não há consenso muito preciso.”
 
Saúde Plena

Nenhum comentário:

Postar um comentário