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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Alguns bebês nascem com ambiguidade genital: entenda o que é e qual o protocolo recomendado

Unicamp traça panorama inédito do distúrbio da diferenciação do sexo no Brasil. Em 23 anos, o problema, considerado uma emergência médica, foi detectado em 408 crianças atendidas no hospital da instituição

Os órgãos sexuais não estão visualmente definidos ou têm anormalidades, provocando, inicialmente, nos pais uma dúvida sobre o sexo do filho. Trata-se da ambiguidade genital, considerada uma emergência médica e com indicação de cirurgia nas primeiras semanas de vida. O problema, porém, é pouco falado por pacientes e estudado por cientistas. O Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, começa a mudar esse cenário. A Faculdade de Medicina da instituição fez o maior estudo brasileiro sobre o tema. A equipe analisou dados de atendimentos feitos entre janeiro de 1989 e dezembro de 2011, levando em conta informações como frequência de diagnóstico, idade e definição final dos pacientes com distúrbio da diferenciação do sexo.

“Um estudo com essa casuística é pioneiro no mundo: são 408 casos estudados no período de 23 anos, em um único serviço, com a mesma conduta e os mesmos exames”, comemora o orientador do trabalho, Gil Guerra Júnior, que coordena o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo (Giedds) da Faculdade de Medicina da Unicamp. O cientista conta que o principal trabalho existente nessa área foi publicado no ano passado e envolveu 600 casos, mas relacionados a todos os países europeus. “Esse trabalho no Hospital das Clínicas é muito mais homogêneo e muito mais importante para analisar resultados a longo prazo”, compara.

Uma das autoras do estudo, Georgette de Paula conta que os casos recebidos pela instituição brasileira são de pacientes de todo o país. A tendência atual é fazer a correção cirúrgica precoce no intuito de amenizar e até eliminar os problemas psicológicos e sociais causados pela ambiguidade genital. “O desenvolvimento emocional, o cognitivo e a da imagem corporal da criança podem ser afetados profundamente tanto pela deformidade quanto pelas inúmeras cirurgias reconstrutivas. A American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria) preconiza que, do ponto de vista do desenvolvimento emocional, o período entre 6 semanas e 15 meses é o mais adequado para o tratamento cirúrgico”, complementa.

As crianças atendidas no hospital da Unicamp foram classificadas em dois grupos: com evidente alteração genital e que o pediatra não tinha condições de saber se era menino ou menina, encaminhando a criança ao centro de referência; e com alteração tão sutil que família e médico não a percebiam inicialmente. Nesse caso, geralmente a ajuda era procurada tardiamente. Por vezes, o problema era descoberto somente na puberdade.

Falha cromossômica
Georgette explica que o ser humano recebe 44 autossomos (22 cromossomos do pai e 22 da mãe), mais dois cromossomos sexuais: um X da mãe (que é XX) e um X ou um Y do pai (que é XY). A junção dos cromossomos resulta no cariótipo 46,XX ou no 46, XY, uma menina e um menino, respectivamente. Qualquer erro na passagem dos cromossomos do pai e da mãe implica linhagens diferentes e anomalias. De forma mais rara, de 10% a 15% dos casos são de aberrações cromossômicas, com crianças que têm as linhagens masculina e feminina associadas.

“Entre os 408 casos de ambiguidade genital atendidos na Unicamp, mais da metade dos diagnósticos foi de pacientes de cariótipo 46, XY, com 250 casos (61,3%); 124 pacientes eram 46,XX (30,4%); e 34 com aberração de cromossomos sexuais (8,3%)”, conta a pesquisadora. A predominância de meninos ocorre porque a formação genitália masculina, interna e externamente, é muito mais complexa, tanto do ponto de vista genético quanto do hormonal. Desse modo, qualquer erro na produção e na quantidade de hormônios resultará em alguma alteração. A formação da genitália feminina, por outro lado, é mais simples, pois decorre da ausência dos hormônios masculinos.

Em uma genitália aparentemente masculina, há três características mais importantes de anormalidade: o pênis pequeno, a hipospádia (abertura do canal da urina abaixo da ponta do órgão genital) e os testículos não aparentes. Quando a genitália é aparentemente feminina, as principais alterações são: clitóris aumentado; grandes lábios fechados, como se formassem uma bolsa escrotal; e excesso de massa na região inferior da virilha, o que pode gerar ambiguidade ao aparentar um testículo.

Diagnóstico
A investigação médica, explica o pediatra Gil Guerra Júnior, começa com a avaliação clínica e os exames hormonais e citogenético (cariótipo), que geralmente são suficientes para a definição do sexo de uma pessoa. “Se necessário, realizamos cirurgias diagnósticas para observar a genitália internamente: se há útero, ovário, um duto diferente, testículos etc. Mais raramente, recorremos a biópsias para análise histológica. Com esses exames, chegamos a um diagnóstico preciso em mais de 90% dos casos e, por vezes, confirmamos com outros exames mais sofisticados, como os moleculares”, detalha o coordenador do estudo.

Com a confirmação do sexo da criança, é o momento da cirurgia, um procedimento complexo, principalmente para os meninos.“A dificuldade está em refazer o canal da urina para levar a abertura até a posição correta, o que pode exigir duas ou mais cirurgias. Sem isso, o menino não conseguirá urinar em pé e, mais tarde, virá a questão da condução do esperma na relação sexual”, diz Gil. Quando o pênis é pequeno, realiza-se um tratamento com reposição hormonal na infância para que o órgão chegue ao tamanho normal na puberdade. “Para a menina, a complexidade está em ampliar a vagina a fim de assegurar uma relação sexual adequada no futuro. Por vezes, é necessária nova abordagem na puberdade”, complementa.

O pediatra conta que a ambiguidade genital ainda é considerada pelos médicos uma doença rara, e que a pesquisa coordenada por ele ajuda a mudar esse cenário. “Um aspecto importante desse trabalho é mostrar ao pediatra, primeiro médico da criança, que a ambiguidade genital não é tão rara, bem como suas implicações. O pediatra deve tranquilizar a família, assegurando que aquela criança tem um sexo. Nunca dizer que ela não tem sexo ou que tem dois. E que, assim como, para os problemas do coração, por exemplo, para a ambiguidade genital, também existem exames e tratamento”, defende.

Correio Braziliense

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