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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Tecnologia à serviço da saúde e medicina

Por Nathalia Nunes

Entrevistamos Fábio Gandour, cientista-chefe da IBM, sobre a relação entre saúde e medicina, discussão base para a adoção de novas tecnologias e a criação de um ambiente propício à recepção de inovação

No palco do Hospital Innovation Show, Gandour foi convidado para falar sobre computação cognitiva, capaz de processar informações e de aprender com elas de forma muito semelhante ao cérebro humano. A IBM entrou nesta tendência com o Watson, um sistema de computação cognitiva que já é destaque em diferentes áreas do conhecimento humano.

Estamos vivendo em uma era de rápido desenvolvimento tecnológico, você vê este desenvolvimento servindo à saúde ou à medicina?
FG: Saúde, tecnologia e medicina… Existem medições muito bem feitas que mostram resultados extremamente curiosos. A área de saúde é uma das áreas que mais pode se beneficiar de novas tecnologias. É uma área que muito consome de tecnologia, mas também é muito resistente a aceitação de novas tecnologias. O gráfico da absorção de tecnologia no setor de saúde começa com um aspecto negativo, de rejeição. De repente, há um ponto de quebra e o que vinha sendo rejeitado passa a ser consumido – e consumido vorazmente. Por exemplo, o ultrassom, eu me lembro que, lá atrás, quando eu ainda praticava medicina, quando falaram de ultrassom, eu olhei para aquilo com ares de suspeita, comentei com alguns colegas e todo mundo se posicionou de uma maneira meio duvidosa, dizendo “Ah! Não sei, talvez isso possa fazer mal de médio a longo prazo”, então houve este sentimento inicial. De repente há um ponto de ruptura e essa nova tecnologia passa a ser consumida e hoje se pede ultrassom até para unha encravada. Esse é um comportamento peculiar e um pouco paradoxal do setor saúde em relação à tecnologia.


A tecnologia pode entregar mais saúde? Se sim, como?
FG: Eu não acredito que a tecnologia possa entregar mais saúde, eu acho que ela pode entregar mais medicina. Isso será objeto da nossa conversa no Hospital Innovation Summit, onde farei questão de deixar bastante clara a diferença de conceito entre saúde e medicina à luz da tecnologia. Essa conceituação já foi estudada por outras pessoas, já há muito tempo. O que acontece é que a tecnologia interfere muito nessa conceituação, no que é saúde e no que é medicina. Hoje quando as pessoas vão à procura de saúde, elas vão, na verdade, buscar medicina e, de preferência, a medicina que é provida com a tecnologia mais sofisticada. Essa influência da tecnologia na medicina terá uma consequência, que também precisa ser cuidada. Ela promove uma prestação de serviços médicos cada vez mais cara e a gente tem que tomar cuidado para que essa equação não saia mais do controle do que já saiu.

Com o avanço da tecnologia, as pessoas estão se responsabilizando mais por sua saúde? Isso se tornou mais fácil?
FG: Quando falamos de produtos de tecnologia, falamos de promoção de saúde individual e, ao promover a saúde individual, se ela puder ser distribuída de forma equânime, ela irá melhorar a saúde coletiva. A tecnologia melhora a prestação de serviços médicos individualmente, se ela puder ser distribuída de maneira equânime para uma boa parcela da população, ela terá um impacto na saúde como conceito coletivo.

Você acha que na indústria da Saúde é preciso escolher entre pessoas e lucros? Há essa dicotomia no setor?
FG: Quando se fala de indústria e sua tangente com o setor saúde, você precisa dividir essa tangência em três grupos diferentes: indústria voltada para educação médica, indústria voltada para equipamentos médicos e indústria farmacêutica. Eu acho que é possível uma convivência pacífica, sim, entre pessoas e lucros, principalmente se partirmos para definir com precisão qual a identidade do setor de saúde que queremos cuidar. Em algumas partes do mundo, como nos países nórdicos, a identidade do setor saúde é clara de bem-estar social, enquanto em outros países, como nos Estados Unidos, a identidade do setor é clara de negócios, apesar da Hillary Clinton ter tentado mudar e não ter conseguido. A identidade na América Latina e no Brasil, especificamente, é muito ambígua, é confusa. Ao definirmos o que a gente quer ser quando crescer, qual a identidade ou as identidades do setor de saúde que vamos adotar, a gente deixa esse modelo de relação entre o setor saúde e essas três tangências, educação, equipamentos e indústria farmacêutica muito mais fácil, muito mais possível. Portanto, sim, é possível uma convivência passiva, sinérgica, desde que a identidade do setor seja definida. Agora, quem vai definir essa identidade? O governo é um ente, mas o próprio setor de saúde, através dos prestadores de serviço, têm que participar e, uma vez definida, essa definição tem que ser implementada.

Falando dessa diferença entre serviços americanos e nórdicos, você acha que a definição do setor Saúde é o que leva os serviços europeus a melhores indicadores?
FG: Eu acho que o grande influenciador no resultado dessa equação está em um elemento mais precoce na equação que é a educação em saúde. E, não tem jeito, eu saí da medicina para me entregar aos encantos da “computaria”, mas a medicina não saiu de mim. E eu estou ficando mais velho, fatalmente vou precisar de atendimento médico e fico imaginando que o médico que vai me atender, possivelmente, estudou nos 140 caracteres do Twitter. Não dá um frio na espinha? Para melhorar o indicador no setor saúde, temos que melhorar a educação lá atrás.

Com todas as peculiaridades e características do setor, você acha que o setor está maduro para a incorporação de novas tecnologias?
FG: No que diz respeito à medicina, o Brasil ocupa uma posição bastante de destaque no cenário mundial. O setor de Saúde no Brasil se diferenciou no segmento médico, a gente tem algumas lideranças médicas incontestáveis na área de cirurgia plástica, como o Ivo Pitanguy, temos várias pessoas na área de doenças infecciosas e parasitárias e temos uma população médica que já contribuiu bastante a nível mundial, mas, por outro lado, sobre saúde como conceito coletivo, acredito que o País ainda precisa avançar muito. Nós vamos conversar sobre saúde, mas principalmente sobre medicina como elemento de prestação de serviços de saúde. A ação da saúde é uma ação médica. O Brasil está equipado para fazer isso? Claro que sim. Como vamos fazer isso? Devemos fazer isso buscando premissas que ultimamente andam meio esquecidas, como premissas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para finalizar, sim, o Brasil pode; sim, o Brasil consegue. E como consegue? Vamos continuar conversando que a gente descobre.


*Esta reportagem está na edição de outubro-novembro-dezembro da revista Saúde Business

Saúde Business

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