Algumas vezes aqui no blog comentei que a única utilidade da lei 8.666 é padronizar os processos de contratação, e que não tem utilidade alguma para proteger as empresas públicas contra corrupção
Por Enio Salu
Por Enio Salu
E outras vezes comentei que o governo tem dinheiro de sobra para sustentar o SUS – mas este dinheiro não chega onde deve. No Livro Modelo GFACH (download gratuito no site do modelo) e nas aulas demonstro isso com números.
Se alguém não acredita basta atentar ao conteúdo das delações que estão vindo à público – são os atores da propina que provam por A + B que as duas afirmações acima são verdadeiras.
Muito bem, diversos corruptores declaram “sem a menor cerimônia” que ofereceram milhões para serem favorecidos em “concorrências”. É óbvio que isso não é verdade, porque evidentemente neste caso o que não há é justamente “concorrência”.
A concorrência pública supõe que concorrentes em igualdade de condições disputam o direito de fornecer ao governo – por isso a concorrência é também chamada de “certame”, pois supõe uma “disputa”, “briga”, “combate” ou outra coisa que signifique que interessados em fornecer ao governo vão se sacrificar para isso.
É lógico pensar que se uma empresa oferece benefício a um governante evidentemente vai ter vantagem, caso contrário, por que ofereceria?
Se notarem 100 % de todas as obras para portos, refinarias, estradas, transposições de rios, hidroelétricas, ou coisa que o valha, e construções de navios, aviões, foguetes, ou coisa que o valha 100 % de tudo que o governo contratou e que está relacionado às delações, foi de acordo com as regras da lei 8.666, senão não haveria necessidade de delator – a irregularidade seria facilmente formalizada.
O que presenciamos é que tudo está perfeitamente de acordo com a lei, não havendo indícios de não conformidades (tudo “compliance”, como diria um amigo do bairro em que nasci). O que nos faz concluir que se eu quiser roubar, “propinar”, “corruptar”, ou fazer qualquer outro tipo de “esculacho” com o tesouro público, a lei 8.666 só serve evitar que eu cometa algum deslize básico. Se ela servisse para proteger o tesouro, como tudo foi feito “como está escrito no caderninho” não estaríamos vendo delatores dizendo com a “maior cara de pau” que davam dinheiro “pra Deus e todo mundo”, porque sem isso não teriam conseguido os contratos com o governo.
Bom, a lei já está detonada, então vamos falar de quem realmente sofre com a propina, corrupção e superfaturamento em obras públicas: a saúde e a previdência, mas principalmente a saúde!
E também é lógico pensar que a empresa não vai oferecer ao governante algum benefício se não puder ser ressarcido, afinal, ainda está para nascer o cidadão que doaria R$ 1,00 para um político corrupto se o dinheiro saísse do seu próprio bolso, não é verdade?
Não conheço uma única pessoa que emprestaria R$ 0,01 para qualquer desses políticos que estão sendo denunciados, porque pior que não receber o dinheiro de volta, é saber que ele se acha no direito de se apropriar do nosso dinheiro como sendo uma coisa normal, uma definição divina, ou algo do tipo segundo a sua concepção de sociedade.
Nesta lógica, todas as exorbitantes quantias que foram declaradas como propinas dadas aos políticos acabou sendo incorporada no preço da contratação, ou seja, se o preço justo (de mercado) era 1 para fazer a obra, mas a construtora teve que dar 1 de propina, cobrou 3: 1 pela obra, mais 1 pela propina, e mais 1 por todo o trabalho que dá esconder a sujeira toda, porque roubar custa caro, ainda mais quando muita gente sabe que existe esquema de corrupção e quem são os evolvidos!
Somando bilhão aqui, bilhão ali, estamos tendo provas de alguns trilhões em “doações” declaradas e não declaradas em campanhas – isso só de quem está delatando: não queremos nem pensar em fazer a conta do quanto está envolvido tudo que não está sendo declarado … de tudo que não foi e não vai ser descoberto.
O déficit da previdência é “dinheiro de pinga” perto do que foi desviado dos cofres públicos. Em nenhum país do mundo a previdência é autossustentável – os cidadãos contribuem com uma parte e o governo, através da captação de outros tributos, complementa. Como esta “dinheirama” toda deixou de ser captada pelo governo, ele passou a ter menos dinheiro para fazer a complementação, então quer aumentar a contribuição. As delações provam que se o esquema de corrupção não tivesse sido tão predatório a previdência não estaria tão prejudicada.
Mas vamos deixar a previdência de lado e falar da principal prejudicada nesta história sinistra: a saúde.
Se os governos gastaram 3 vezes mais com obras públicas como os estádios da copa, o parque olímpico, a transposição do rio, as refinarias, o porto em Cuba, as obras do Metrô, a construção da estrada, a hidroelétrica … enfim … se ele gastou muito mais do que devia em coisas menos importantes do que é a saúde, é evidente que faltou dinheiro para construir hospitais, pagar salário digno para médicos e profissionais multidisciplinares e aumentar a produtividade, comprar medicamentos que faltam em todos os serviços de saúde públicos, produzir vacinas para todos ao invés de ficar “racionando” vacina contra a gripe, montar uma rede integrada de saúde que faça a fila do SUS andar … gostaria de escrever mais, mas acho que o servidor aqui “não vai aguentar”.
Parte do dinheiro que falta na saúde é fruto do gasto em coisas menos importantes – com todo o respeito, se a reforma do Maracanã para a copa é mais importante do que reduzir a fila de cirurgias de catarata do SUS me avise … vou jogar meu diploma da pós graduação da Faculdade de Saúde Pública da USP no lixo e começar a vender sinalizadores para as torcidas organizadas!
Como sou um “otimista sem conserto”, só espero que esta fase que estamos passando sirva para 2 coisas:
Passou da hora de jogar a 8.666 fora – tem que ser reformada – da forma como está só serve para burocratizar e encarecer a administração pública.
A burocracia é necessária, mas a que prejudica o tesouro deve ser banida o mais rapidamente possível.
Tolerância zero contra corruptos: tanto os agentes ativos como os passivos – tanto quem dá como quem recebe. Desde a infância aprendi que “quem rouba 1, rouba 1 milhão” e que o “ladrão não nasce roubando milhões, começa roubando coisas pequenas … é uma carreira como outra qualquer”.
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