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domingo, 14 de agosto de 2011

Doença de Pompe

Também chamada Glicogenose do tipo II, Deficiência de Alfa-Glicosidase Ácida, Deficiência de Maltase Ácida e Doença de Depósito de Glicogênio Tipo II.
Introdução
A doença de Pompe é uma doença de depósito lisossômico (DDL) causada pela atividade insuficiente da alfa-glicosidase-ácida.1 Esta enzima lisossômica é responsável pela degradação do glicogênio intra-lisossômico, que representa apenas uma pequena porcentagem (1-3%) do glicogênio celular total. A deficiência enzimática resulta no acúmulo do glicogênio nos lisossomos dentro dos vários tipos de células e tecidos. Eventualmente, isto leva a disfunções ou danos celulares, particularmente nos tecidos musculares cardíaco, respiratório e esquelético (Figura 1).1,2 A apresentação clínica da doença de Pompe é altamente variável; na faixa mais grave do espectro da doença, a morte ocorre dentro do primeiro ano de vida devido à insuficiência cardiorrespiratória em 80% dos bebês (que tipicamente apresentam envolvimento do músculo cardíaco, e também do esquelético). Nos pacientes com início tardio, a fraqueza muscular esquelética e respiratória é progressiva e implacável, levando à dependência de cadeira de rodas e/ou de respirador e, em última instância, à morte entre o início da infância e o meio da vida adulta.
A doença de Pompe também é conhecida como doença de depósito de glicogênio do tipo II, glicogenose do tipo II e deficiência de maltase ácida e é a forma mais grave das 12 doenças de depósito de glicogênio.
A doença de Pompe consiste em um distúrbio autossômico-recessivo de penetração variável. As estimativas atuais colocam a incidência geral da doença em 1 a cada 40.000 nascimentos vivos.3,4 A prevalência mundial encontra-se entre 5.000 e 10.000 casos, por extrapolação.
Manifestações clínicas
Historicamente, os pacientes têm sido classificados em vários subtipos diferentes: início clássico infantil, início não-clássico infantil, início infanto-juvenil e início adulto da doença de Pompe.1, 5 Esta classificação baseia-se na idade do surgimento dos sintomas, na extensão do envolvimento dos órgãos e na taxa de progressão para a morte, mas é arbitrária à medida em que o espectro da doença na verdade representa um contínuo com superposições entre os subtipos.1 Portanto, a doença pode ser mais bem caracterizada com base na idade do surgimento dos primeiros sintomas (antes ou depois dos 12 meses de vida) e pela presença ou ausência de cardiomiopatia. Isto resulta em duas classificações principais da doença, a saber: infantil ou tardia, respectivamente. Estima-se que aproximadamente um terço dos pacientes com a doença de Pompe apresentem a forma infantil, que é rapidamente fatal 3, enquanto a maior parte dos pacientes apresenta a forma tardia, cujo progresso é mais lento.
Figura 1. Micrografia eletrônica da célula muscular de um paciente com a doença de Pompe.
Tabela 1. Possíveis sinais e sintomas da forma infantil da Doença de Pompe
Sistema de Órgãos
Sinais / Sintomas
Músculo-esquelético Fraqueza muscular progressiva
Hipotonia profunda
Flacidez (bebê hipotônico)
Falta de firmeza no pescoço (“não segura a cabeça”)
Insuficiência para alcançar os marcos do desenvolvimento motor
Macroglossia
Arreflexia
Pulmões Fraqueza respiratória progressiva, insuficiência respiratória
Infecções respiratórias freqüentes
Morte devido à insuficiência cardiorrespiratória.
Coração Cardiomegalia (massiva)
Hipertrofia do ventrículo esquerdo
Visceral/
Gastrointestinal
Dificuldade de engolir, mamar e/ou alimentar-se
Falhas no desenvolvimento
Hepatomegalia
Tabela 2. Possíveis sinais e sintomas da forma tardia da Doença de Pompe
Sistema de Órgãos
Sinais / Sintomas
Músculo-esquelético Fraqueza muscular progressiva
Marcha instável, na ponta dos pés
Dores na parte inferior das costas
Reflexos profundos do tendão reduzidos
Dificuldades para subir escadas
Escápula alada
Sinal de Gowers (distrofia como resultado de fraqueza muscular extrema)
Atraso no desenvolvimento motor (crianças)
Lordose, escoliose
Pulmões Insuficiência respiratória
Ortopnéia
Apnéia do sono
Dispnéia por esforço, intolerância ao exercício
Infecções respiratórias
Visceral/
Gastrointestinal
Dificuldades na alimentação
Dificuldade para mastigar e engolir
Hepatomegalia
Miscelânea Dores de cabeça matinais
Sonolência diurna
Forma infantil da doença de Pompe
Embora os pacientes possam não exibir os sintomas óbvios no nascimento, o caminho da forma infantil da doença de Pompe tipicamente progride com rapidez nos primeiros meses de vida (Tabela 1). Há relatos de início com aproximadamente seis semanas de vida.6 O depósito massivo de glicogênio no coração e nos músculos esqueléticos resulta em cardiomiopatia progressiva, fraqueza muscular generalizada e hipotonia (aparência de “bebê de pano”, Figura 2)1, 2 Os movimentos espontâneos declinam à medida em que a deterioração muscular avança nos estágios iniciais, e o enfraquecimento do diafragma e dos outros músculos respiratórios, ajudado pelas secreções prejudicam a função respiratória. A dificuldade na alimentação e o baixo ganho de peso podem se manifestar bem cedo. Já o desenvolvimento motor geralmente é atrasado por completo, ou se os marcos no desenvolvimento motor chegarem a ser alcançados, são subseqüentemente perdidos. A investigação clínica geralmente revela hepatomegalia moderada e em alguns casos macroglossia. Contudo, a marca oficial é a cardiomegalia visível (Figura 3) com o espessamento do ventrículo esquerdo, que pode resultar na obstrução do caminho do fluxo.1 O desenvolvimento mental geralmente não é afetado. A morte por insuficiência cardiorrespiratória geralmente ocorre com um ano de idade.1, 5
Figura 2. Fotografia de um recém-nascido com a aparência
característica de “bebê hipotônico”.
Figura 3. Raio-X do tórax de uma criança com a doença
de Pompe apresentando cardiomegalia grave.
(De. B. Byrne, MD)
Forma tardia da doença de Pompe
A forma tardia pode aparecer a qualquer momento durante o início da infância até a vida adulta, com uma ordem difusa de manifestações (Tabela 2). Esta forma é clinicamente mais heterogênea, com maior variação na apresentação clínica e na progressão da doença.7 Ela se distingue da forma infantil pela ausência de envolvimento cardíaco grave. Nas crianças, a doença pode se apresentar através do atraso no desenvolvimento motor ou da perda da função muscular. Apesar disso, a inteligência geralmente se mostra normal. Em muitos casos, as primeiras observações podem ser a dificuldade para caminhar ou subir escadas, refletindo a progressão gradual da fraqueza muscular proximal. Tipicamente, a fraqueza muscular se mostra mais grave nas pernas do que nos braços. Subseqüentemente, os sinais do envolvimento dos músculos do tronco (escoliose, dor nas costas) e do músculo respiratório principal, o diafragma (falta de ar) podem estar presentes.1 Em outros casos, os sintomas respiratórios podem surgir antes de qualquer reconhecimento de fraqueza muscular. Como na forma infantil, geralmente há hipotonia e eventual angústia respiratória. Alguns pacientes apresentam marcha instável e, ocasionalmente, caminham nas pontas dos pés. Além disso, macroglossia e hepatomegalia podem estar presentes em alguns casos.1
Os adultos também apresentam miopatia progressiva, primeiramente no tronco e nos membros inferiores. Nem todas as áreas são afetadas da mesma maneira e há relatos de fraqueza no músculo distal e alamento escapular.8 Embora nem todos os pacientes desenvolvam sintomas nos músculos respiratórios, uma característica clínica fundamental que pode ajudar a distinguir a forma tardia da doença de Pompe de outros distúrbios neuromusculares é o envolvimento precoce dos músculos respiratórios. A fraqueza nos músculos respiratórios com restrição ventilatória se apresenta como o sintoma mais debilitante e letal. Na medida em que a insuficiência respiratória avança, os pacientes podem sentir dores de cabeça matinais, ortopnéia, dispnéia por esforço, hipopnéia ou apnéia do sono REM, sonolência e/ou intolerância ao exercício. A progressão da fraqueza no diafragma leva a uma capacidade vital baixa na posição deitada versus a posição em pé (diferença de mais de 10%), e isto também contribui para hipóxia durante o sono. A capacidade vital parece estar relacionada à função muscular respiratória.9 O sinal de Gowers pode estar presente (Figura 4).
Figura 4. Sinal de Gowers: procedimento no qual
um indivíduo ergue-se colocando as mãos nos joelhos
para manter as pernas estendidas, e então empurra
o tronco para cima fazendo as mãos “caminharem”
pelas coxas.
Como o curso da doença para a forma tardia da doença de Pompe varia imensamente, a morbidez e a expectativa de vida são difíceis de prever. Os pacientes podem exibir o inicio precoce (infância) ou tardio (vida adulta) dos sintomas, tipicamente seguidos de um caminho progressivo em 5 a 25 anos de vida. Alguns pacientes com sintomas menos graves permanecem funcionais, apenas com deficiências mínimas por anos a fio, mas geralmente os pacientes se tornam dependentes de cadeiras de rodas e muitos exigem ventilação invasiva ou não-invasiva.1, 8 Os que apresentam a doença ainda jovens geralmente vivem até a terceira década, enquanto os que apresentam a doença mais tarde podem demonstrar uma gama maior de resultados. A morte geralmente é causada por insuficiência respiratória.1 Um estudo realizado considerou a duração do início dos sintomas como sendo a melhor forma de prever o status funcional em vez da idade do início dos sintomas.11 Isto pode indicar que a variedade está mais no tempo anterior ao início dos sintomas do que na progressão da doença depois de tal início.
Qualidade de vida
A doença de Pompe tem um impacto devastador e profundo na qualidade de vida dos pacientes da forma infantil e de seus familiares, devido aos graves déficits funcionais e aos casos de morte prematura.1, 10 Também nos pacientes da forma tardia, os domínios da saúde física afetam enormemente a qualidade de vida.12 A saúde mental é preservada na maior parte dos pacientes, mesmo nos estágios mais avançados da doença. O apoio do respirador e da traqueostomia podem melhorar a qualidade de vida e o tempo de vida dos pacientes com danos respiratórios graves.
Tabela 3. Erros potenciais de diagnóstico da doença de Pompe (seleção)
Forma infantil da doença de Pompe
Doença de Werding-Hoffman aguda (atrofia muscular espinhal I)
Doença de Danon
Fibroelastose endocárdica
Doenças de depósito de glicogênio III, IV, VI
Cardiomiopatia hipertrófica idiopática
Distúrbios mitocondriais
Miocardite
Forma tardia da doença de Pompe
Distrofia muscular de Duchenne
Doenças de depósito de glicogênio III, V, VI
Distrofia muscular cintura-membros
Polimiosite
Síndrome da espinha rígida
Síndromes escapuloperoneais
Diagnóstico
Devido à raridade da doença, geralmente perde-se tempo precioso entre o início dos sintomas e o diagnóstico da forma infantil da doença de Pompe.2 Em geral os pacientes com progressão mais lenta da doença são mais difíceis de serem diagnosticados, pois os sintomas se apresentam mais sutis e atenuados.7 Os erros de diagnóstico iniciais mais comuns encontram-se descritos na Tabela 3. Entre os exames importantes para o diferencial entre a doença de Pompe e outras doenças estão os testes bioquímicos, eletromiografia, raios-X do tórax, ecocardiograma e ECG e o teste isquêmico do antebraço.
Avaliações bioquímicas
O diagnóstico da doença de Pompe é confirmado pela atividade baixa ou ausente da alfa-glicosidase ácida nos fibroblastos da pele cultivados, uma biópsia muscular dos linfócitos purificados.1 O exame da atividade das enzimas através do fibroblasto da pele cultivado é atualmente o padrão principal mas exige várias semanas, o que se configura como um desafio nos pacientes da forma infantil da doença. O uso de análise não-invasiva baseada na acarbose realizada em amostras secas de sangue encontra-se atualmente em investigação.
Os fenótipos geralmente se relacionam com a quantidade de atividade enzimática residual conforme medida nos fibroblastos de pele cultivados.13 A maior partes das crianças geralmente apresenta menos de 1% da atividade enzimática normal, enquanto jovens aparentam ter menos de 10% e adultos, menos de 40%. Uma biópsia muscular pode fornecer informações histopatológicas sobre o nível de depósitos de glicogênio, embora deva ser observado que o conteúdo de glicogênio pode variar dependendo do local da biópsia.2 Como um passo precoce, a creatina quinase (CK) pode ser testada como sendo um marcador bastante sensível (mas não específico) da doença de Pompe.14 A maior elevação pode ser encontrada nos pacientes da forma infantil (tão alta quanto 2.000 IU/L),15 enquanto, em alguns casos, os adultos podem apresentar níveis de CK dentro da faixa de referência normal.
Ao contrário de outras doenças de depósito de glicogênio, a doença de Pompe não causa hipoglicemia ou baixa produção de energia.
O diagnóstico pré-natal pode ser exigido no caso de gravidezes subseqüentes em famílias com uma criança afetada ou quando um dos pais tem a forma tardia da doença. O diagnóstico pré-natal pode ser feito com amniocentese ou, mais comumente, pela análise direta de enzimas das células vilosas coriônicas não cultivadas. A análise de DNA pode ser usada como método de apoio.16
Análise da mutação
A doença de Pompe é causada por mutações no gene da alfa-glicosidase ácida identificadas no braço longo do cromossomo 17 (17q).1 Mais de 120 mutações nestes gene que dão origem à Doença de Pompe foram identificados até o presente momento.2 O tipo de mutação geralmente se mostra como uma boa forma de prever o fenótipo clínico. Por exemplo, pelo menos metade de todos os pacientes caucasianos com a forma tardia da doença compartilham a mesma mutação. Contudo, há vários exemplos de discordância genótipo-fenótipo na literatura médica.1
REFERÊNCIAS
1. Hirschhorn R, Reuser A. Glycogen storage disease type II: Acid alpha-glucosidase (acid maltase) deficiency. In: Scriver CR 8A, Sly WS, Valle D (eds). The metabolic and molecular bases of inherited disease, 8th Ed. New York, New York: McGraw-Hill 2001:3389-420.
2. Kishnani PS, Howeli RR. Pompe disease in infants and children. J Pediatr. 2004;144(5):35-43.
3. Martiniuk F, Chen A, Mack A, et al. Carrier frequency for glycogen storage disease type II in New York and estimates of affected individuals born with the disease. Am J Med Genet 1998;79(1):69-72.
4. Ausems MG, Verbiest J, Hermans MP, et al. Frequency of glycogen storage disease type II in The Netherlands: implications for diagnosis and genetic counselling Eur J Hum Genet 1999;7(6):713-6.
5. Slonim AE, Bulone L, R Ritz S, et al. identification of two subtypes of infantile acid maltase deficiency. J Pediatr 2000;137(2):283-5.
6. van den Hout HM, Hop W, van Diggelen OP, et al. The natural course of infantile Pompe's disease: 20 original cases compared with 133 cases from the literature. Pediatrics 2003;112(2):332-40.
7. Hagemans ML, Winkel LP, Van Doom PA, et al. Clinical manifestation and natural course of late-onset Pompe's disease in 54 Dutch patients. Brain 2005;128:671-7.
8. Felice KJ, Alessi AG, Grunnet ML. Clinical variability in adult-onset acid maltase deficiency: report of affected sibs and review of the literature. Medicine 1995;74(3):131-5.
9. Meilies U, Ragette R, Schwake C, et al. Sleep-disordered breathing and respiratory failure in acid maltase deficiency. Neurology 2001;57(7):1290-5.
10. Haley SM, Fragala MA, Skrinar AM. Pompe disease and physical disability. Dev Med Child Neurol 2003;45(9):618-23.

11. Winkel LP, Hagemans ML, van Doorn PA, et al. The natural course of non-classic Pompe's disease; a review of 225 published cases. J Neurol. 2005;252{8):875-84

12. Hagemans ML, Janssens AC, Winkel LP, et al. Late-onset Pompe disease primarily affects quality of life in physical health domains. Neurology 2004;63(9):1688-92.

13. Van Meir N, De Smet L. Carpal tunnel syndrome in children. Acta Orthop Belg 2003;69 5):387-95.

14. Ausems MG, Lochman P, van Diggelen OP, et al. A diagnostic protocol for adult-onset glycogen storage disease type II. Neurology 1999;52(4):851-3.

15 King F. Acid maltase deficiency myopathy. eMedicine Specialties, available at: http://www.emedicine.com/pmr/toplc2.htm.

16 Kleijer WJ, van der Kraan M, Kroos MA, et al. Prenatal diagnosis of glycogen storage disease type II: enzyme assay or mutation analysis? Pediatr Res. 1995:38(1):103-6.

Fonte http://www.genzyme.com.br

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