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quinta-feira, 10 de maio de 2012

África: Uma droga alucinógena pode curar vícios?

Você talvez já tenha ouvido falar sobre isso. Nas rodas de conversa desde os anos 1960, alguns cientistas e ex-viciados em drogas defendem um tratamento radical para o vício: um alucinógeno chamado ibogaína, derivado de uma planta africana, que em alguns casos parece diminuir ou acabar com os sintomas de abstinência da heroína, cocaína e álcool.

Mas, se faz esse milagre todo, por que não é amplamente utilizado?

Histórias de sucesso
Por quase 15 anos, a vida de Thillen Naidoo foi governada pela cocaína. Ele cresceu em Chatsworth, um município nos arredores de Durban na África do Sul, cercado por drogas. Depois de uma infância conturbada e da morte de seu pai, ele virou-se para a cocaína.

Frequentemente discutia com sua esposa Saloshna, e às vezes até mesmo a abusava fisicamente. Até o momento em que conheceu
o Dr. Anwar Jeewa, em um centro de reabilitação em Chatsworth, Naidoo havia tentado parar de se drogar várias vezes e falhado.

Jeewa ofereceu-lhe uma solução radical: uma droga alucinógena utilizada em cerimônias tribais da África Central que acaba com o desejo de drogas. Naidoo estava ansioso. “Eu não sabia o que era ibogaína, nunca esperei que funcionasse”, disse.

Depois de vários exames médicos, ele recebeu uma pílula. Em pouco tempo, começou a alucinar. Ele viu enxames de peixes voadores sobre sua cabeça, sentiu a sala em torno dele se mover e um zumbido constante tocava em seus ouvidos. Cenas de sua infância piscaram brevemente diante de seus olhos.

Cada vez que alguém se aproximava para verificar se ele estava bem, ele sentia uma onda de medo.

O efeito alucinógeno foi passando durante a noite, mas nos próximos dias, Naidoo se sentiu estranho. Quando voltou para casa uma semana depois, percebeu que já não ansiava cocaína. Seis meses depois, ele ainda está sóbrio.

Ele frequenta um grupo de terapia de dois dias por semana, onde aprende as habilidades necessárias para manter um estilo de vida sem drogas. “Minha mente mudou. Eu nem posso olhar para trás e lidar com essas questões sem chorar e sentir pena de mim mesmo”, conta.

A história do alucinógeno
Jeewa estima que já tratou cerca de 1.000 pessoas com ibogaína. Entretanto, a substância permanece em grande parte não reconhecida pela maioria da classe médica.

A droga, derivada da raiz de uma planta chamada iboga, é usada há séculos pelos povos Bwiti do Gabão e Camarões, como parte de uma cerimônia de iniciação tribal.

Mas não foi até 1962, quando um jovem viciado em heroína chamado Howard Lotsof se deparou com a ibogaína, que seu valor como um tratamento da dependência foi descoberto.

Lotsof percebeu, após usar a planta, que não tinha mais compulsão por heroína. Ele se convenceu de que tinha encontrado a solução para o vício e dedicou boa parte de sua vida à promoção da ibogaína como um tratamento.

O que a ciência tem a dizer
Na visão dos cientistas, a ibogaína afeta o cérebro de duas maneiras distintas. A primeira é metabólica. Ela cria uma proteína que bloqueia os receptores no cérebro que despertam desejo, parando os sintomas da abstinência.

“A ibogaína tende a acabar com a abstinência imediatamente, trazendo as pessoas de volta ao seu estágio de pré-dependência”, diz Jeewa. Na desintoxicação normal, este processo pode levar meses.

Seu segundo efeito é muito menos entendido. Ela parece inspirar um estado de sonho que é intensamente introspectivo, permitindo que os viciados pensem sobre problemas em sua vida que eles usam o álcool ou as drogas para suprimir.

Mesmo assim, a ibogaína teve pouco sucesso e foi proibida nos EUA, junto com a psilocibina (cogumelos) e LSD, em 1967. Na maioria dos outros países, a substância continua não regulamentada e não licenciada.

Lotsof montou uma clínica privada na Holanda na década de 1980 para tratar com a substância, e desde então clínicas semelhantes surgiram no Canadá, México e África do Sul. Essas clínicas operam em uma “área confusa”, legalmente falando.

Estudos e resultados
Um pequeno grupo de cientistas ainda está trabalhando para tornar a ibogaína um tratamento padrão.

No início de 1990, Deborah Mash, neurocientista e especialista em dependência da Universidade de Miami, EUA, descobriu o trabalho do Dr. Stanley Glick, um cientista que havia pesquisado o efeito da ibogaína em ratos.

Glick viciou os ratos em morfina, um analgésico opiáceo, permitindo-lhes que a tomassem através de um tubo. Ele então deu-lhes ibogaína, e descobriu que eles voluntariamente pararam de tomar morfina.

Ao mesmo tempo, Howard Lotsof entrou em contato com Mash e eles começaram a trabalhar juntos. Em 1995, conseguiram aprovação para investigar o seu potencial em seres humanos.

Mas estes testes custam milhões de dólares, e eles não conseguiram subsídio para a pesquisa. Normalmente, esse dinheiro viria de grandes empresas farmacêuticas, mas drogas como a ibogaína oferecem pouco potencial de lucro.

Ela só precisa ser tomada uma vez, ao contrário de tratamentos convencionais para o vício em heroína como a metadona, que é um substituto e viciante em si. Também, as empresas farmacêuticas ganham dinheiro patenteando produtos químicos novos, mas a ibogaína é uma substância que ocorre naturalmente e é difícil obter uma patente sobre isso.

Histórias de horror
A ibogaína também vem com alguns riscos. Ela retarda o ritmo cardíaco e, quando administrada a ratos em doses muito elevadas, danificou o cerebelo, uma parte do cérebro associada com a função motora.
Há 10 mortes sabidamente associadas com a droga. Seu uso desregulado também levou a algumas histórias de terror.

Fóruns online estão repletos de contos onde a ibogaína foi administrada em quartos de hotel ou na casa do paciente, sem apoio médico. Um alcoólatra diz que pagou US$ 10.000 (cerca de R$ 18.300) e ela não funcionou. Sua respiração não foi monitorada e ele não fez nenhum exame ou check-up antes de tomá-la.

A ibogaína também tem um problema de imagem. “Tem muita bagagem política, e muita gente já não acredita em seu potencial”, diz Glick.

Experiência prática
Depois de não conseguir obter financiamento para sua pesquisa, Mash abriu um centro de pesquisa clínica privada na ilha de St. Kitts, no Caribe, em 1996. Lá, ela coletou dados em 300 viciados desintoxicados através da ibogaína.

Ela diz que todos os pacientes apresentaram algum efeito sobre seu vício. 70% entraram em remissão por vários meses e muitos anos. Os dois primeiros pacientes da clínica ainda estão sóbrios, 16 anos depois.

“O vício em cocaína é terrível. Conseguir que as pessoas larguem o crack? Boa sorte. Mas nós fizemos isso, nós conseguimos romper viciados intratáveis”, conta.

Decidida a levar o tratamento a mais pessoas, Mash está agora trabalhando com o setor privado para criar uma versão da droga que será mais atraente para as empresas farmacêuticas.

Ela está trabalhando para isolar a noribogaína, uma substância criada a partir da ibogaína no fígado, que ela acredita ser responsável por inibir desejos, mas sem o efeito alucinógeno.

Porque não estudá-la?
Os cientistas têm poucas esperanças de que a droga seja aprovada nos EUA e lamentam que pesquisa significativa sobre a ibogaína nunca tenha sido feita.

De acordo com um psiquiatra e especialista em dependência, o Dr. Ben Sessa, o momento para esta pesquisa poderia finalmente ser agora. Nos últimos dois anos, ocorreu os primeiros estudos científicos publicados sobre o uso de MDMA (ecstasy) em vítimas de trauma, e psilocibina na psicoterapia, e um estudo semelhante sobre LSD está previsto para este ano.

O que é necessário, diz ele, é um único estudo, em que um grupo de viciados tome uma dose padronizada da droga e outro grupo tome um placebo, ambos acompanhados de um plano completo de tratamento de 12 passos de desintoxicação.

Os médicos dizem que, apesar do potencial da ibogaína, as pessoas precisam entender os limites da droga.

“Quando você tem um paciente que está finalmente livre de drogas e cujo cérebro está de volta ao seu pleno potencial, então você pode ajudá-lo a mudar seu estilo de vida”, diz Jeewa. “Mas a ibogaína apenas ajuda a interromper o vício, não é uma cura mágica. Tem que ser tomada no ambiente certo, e seguida por tratamento e atenção psicossocial”, finaliza

Fonte Hypescience

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