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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Transtorno Bipolar: extremos opostos

Pessoas bipolares têm episódios alternados de euforia e depressão, ambos perigosos
Surto de euforia ou depressão coloca metade dos portadores do transtorno em risco

Catarina estava eufórica. Queria tomar chuva e não teve medo de colocar metade do corpo para fora da janela do apartamento.

“A água parecia limpar a minha alma, tirando as coisas ruins. Eu poderia ter caído, mas na hora nem pensei nisso. A gente perde a noção do perigo”, relata a analista administrativa de operações, de 27 anos, que há quatro recebeu o diagnóstico de bipolaridade.

O dentista Welser Minucci Guimaraes injetou anestésicos na própria veia. Foi encontrado pela secretária, desacordado, e levado a um hospital. Anos depois, tomou diversos medicamentos. Desta vez foi a esposa que o salvou. “A angústia á tão grande que você não suporta mais aquele sentimento em você”, relata. Depois das crises, o diagnóstico: transtorno bipolar.

Bipolar assim como Catarina e Welser, Willian Hideo Katahira, após o término do casamento de oito anos, estava pronto para pular de uma ponte de São Paulo quando foi salvo por um homem de nome Severino que passava pelo local. Tempos depois, a família teve de interná-lo ao descobrir um caderno onde ele escrevia como pretendia se matar.

Pessoas bipolares têm episódios alternados de euforia e depressão, ambos perigosos. Estimativas da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) apontam que até 50% dos portadores da doença tentam o suicídio pelo menos uma vez na vida e 15% realmente se suicidam.

Evitar que eles cheguem a essas situações extremas é um dos grandes desafios dos psiquiatras. “Esses pacientes tentam o suicídio em momentos de muito sofrimento e angústia, que podem aparecer de uma hora para outra. Por isso, é importante educá-los para que eles mesmos possam identificar quando uma crise se aproxima”, avalia o psiquiatra Ricardo Moreno, presidente da ABTB e coordenador do núcleo de doenças afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Identificar a crise, no entanto, é mais complexo do que parece. “Essa é uma das partes mais difíceis depois de aceitar a doença: atingir o autoconhecimento. Queria muito ter um botão que me avisasse quando estou up ou down demais, mas não tenho. Eu percebo detalhes pequenos, mas quando já estou na crise, nunca quando ela está chegando.”

Sintomas
Há alguns meses, durante uma viagem, os amigos repararam que Catarina falava e gesticulava muito. “Nesse momento parei para me avaliar, para ver se estava só feliz ou entrando em euforia”, relata. Para Moreno, é comum que as alterações sejam percebidas pelos outros. “Os sinais são diferentes do que a pessoa é usualmente, não é tristeza, alegria, mal-estar. Os episódios são percebidos pelos outros como sendo algo novo e diferente do indivíduo e os sintomas de uma crise são bem definidos e duram de uma semana a mais.”

Em geral, na fase de euforia, a pessoa fica exageradamente bem-humorada, com elevada autoestima, agitada, fala demais, dorme de menos e parece estar descontrolada. “Tenho mais medo da euforia do que da depressão, é nela que eu faço estragos. Todas as coisas que tiveram mais consequências foram feitas na euforia, porque ela te dá muita coragem”, relata Welser.

Na fase da depressão, o portador da doença chora compulsivamente e sem motivo aparente, tende a querer ficar quieto, sem conversar, dorme bastante e não tem vontade de fazer nada. “Eu tive uma crise de depressão muito forte depois que perdi o meu emprego. Não tinha energia, não queria voltar ao trabalho de jeito nenhum, só chorava e tremia”, relata Willian.

De acordo com estimativas da ABTB, 15 milhões de brasileiros são portadores da doença em seus dois níveis. O tipo I é caracterizado pela alternância entre depressão e mania/euforia, e atinge cerca de 1% da população. No tipo II, que tem como característica a depressão e episódios mais leves de euforia, a prevalência pode chegar a até 8% da população.

Suporte familiar e preconceito
A doença traz sofrimento e prejuízos tanto para quem tem o problema quanto para os familiares. Por ser uma doença da mente, e ainda pouco compreendida pela sociedade, é comum bipolares enfrentarem o preconceito de família e amigos. “O bipolar é visto pelas pessoas de forma geral como um fresco, uma pessoa sem vontade. As pessoas não entendem que a oscilação de humor é forte e impede que ele faça as coisas. Eu já ouvi de amigos: ‘você não tem nada. Eu também um dia estou mais triste e outro mais feliz, a vida é assim.’”, descreve Willian.

Com Catarina e Welser não foi diferente. “Meu pai fala que eu tenho que me esforçar para pensar positivo e não desanimar, meus irmãos vivem em seus mundos, ignoram o assunto e falam que eu sou mimada. Minha mãe se faz de amiga, mas na primeira oportunidade, me critica e me julga, dizendo que tudo é culpa minha.”, diz ela. O psiquiatra que acompanha o tratamento de Welser foi indicado pelo irmão, que é cardiologista e ouviu falar no diagnóstico. Mas deixou claro até onde iria: “se eu me envolver, estou perdido”, disse o irmão. “É uma pena que haja tanta ignorância. A família não sabe como lidar e precisa ser educada para isso. Algumas atitudes podem piorar o quadro da pessoa ”, afirma Moreno.

Genética
Em muitos casos, os membros mais próximos da família não conseguem dar apoio justamente por que também sofrem da doença, mas desconhecem o fato. A bipolaridade tem uma forte característica genética: segundo dados da ABTB, 50% dos portadores da doença tem algum familiar afetado em maior ou menor grau. No Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do HC-SP, as pesquisas tentam definir marcadores para identificar quem tem predisposição à bipolaridade e consequentemente tratá-la precocemente.

“Não é só genética que levará um indivíduo a ter ou não a doença, mas os filhos têm 25% de chance de tê-la se um dos pais a tiver e de 50% a 75% se mãe e pai tiverem a bipolaridade”, afirma o psiquiatra.

Mas a probabilidade não fez com que Welser a desistisse de ter filhos. Pai de um adolescente e duas crianças, ele prefere não pensar na possibilidade deles desenvolverem a doença e opta por uma boa conversa. Para o psiquiatra, essa pode ser uma boa medida. “Assim como temos fatores de risco, temos fatores de proteção que podem impedir a manifestação da doença. Uma família estruturada, um ambiente protegido e saudável podem ser determinantes”, avalia.

Tratamentos
A bipolaridade não tem cura, mas tem tratamento – que deve ser feito durante toda a vida – e controle. “O transtorno é uma doença complexa e os medicamentos estabilizadores de humor são os principais tratamentos. Mas também é fundamental que a pessoa faça psicoterapia, tenha uma orientação nesse sentido”, recomenda Ricardo Moreno.

Para o psiquiatra, o principal problema com relação aos tratamentos é a adesão dos pacientes. Ao sair de uma crise, o bipolar tende a deixar de lado os medicamentos e achar que pode continuar sem tomá-los. Além dos remédios, o médico aponta que uma mudança no estilo de vida é essencial para que o tratamento seja realmente eficaz. “Tem de dormir bem, não deve ingerir álcool ou drogas de nenhum tipo, reduzir drasticamente o consumo de bebidas estimulantes como o café e aprender a lidar com os fatores de estresse do cotidiano”, recomenda.

“Você é taxado de louco por frequentar o psiquiatra, mas se vai ao cardiologista, você é doente. Pressão alta não tem cura, mas precisa ser controlada através de remédios. Com a bipolaridade não é diferente, as pessoas precisam entender isso”, afirma Catarina, que também encontrou na escrita uma forma de “tratamento”. Quase diariamente ela escreve em seu blog, A Bipolar. Assim como ela, Willian criou o blog Bipolar Brasil, que começou como um diário e hoje reúne informações sobre a doença.

Fonte iG

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