Após sofrer um corte aparentemente banal enquanto abria uma lata para cozinhar, a advogada paulistana Regiane Tedesco descobriu que havia perdido toda a sensibilidade em um dedo da mão ao ter um importante nervo cortado.
Ela procurou a ajuda de médicos brasileiros e acabou se tornando uma das primeiras pessoas do mundo a ser submetida a uma microcirurgia de nervo realizada por meio de um robô.
A pesquisa médica que possibilitou sua cirurgia foi realizada por um grupo de cirurgiões brasileiros, franceses e americanos. Eles formam a Sociedade Ramses (sigla em inglês da Sociedade de Microcirurgia e Endoscopia Assistidas por Robôs), criada há dois anos para estudar o assunto.
A técnica é nova e pode abrir as portas para a realização de cirurgias robóticas complexas em praticamente todos os nervos do corpo, até mesmo no cérebro. Outra possível utilização é para o reimplante de membros amputados.
O acidente de Tedesco ocorreu no segundo semestre de 2012. Ela cozinhava em casa para o marido, quando pegou uma lata defeituosa de alcachofras.
"Eu tentei abrir a lata, mas estava difícil e eu cortei meu dedo na lâmina. Imediatamente parei de sentir o dedo. Estava sangrando muito, eu enrolei minha mão em uma toalha e corri para o hospital", disse.
No primeiro atendimento, ela teve o corte suturado, mas a sensibilidade não voltava e o dedo ficava cada vez pior.
O problema era que o nervo lesionado não havia sido reconectado. Ela foi então encaminhada para um grupo de especialistas e concordou em ser submetida a uma nova técnica de microcirurgia para religar o nervo.
A diferença de um procedimento tradicional é que seria realizada por meio de um robô.
Robôs na medicina
A ideia de usar robôs médicos em cirurgias surgiu pela primeira vez na década de 1990. Os primeiros protótipos surgiram no exterior com o objetivo de operar, de forma remota, astronautas em missões no espaço ou militares no campo de batalha.
Entretanto, imperfeições na transmissão de dados entre a estação onde estava o médico e a sala de cirurgia com o robô --por vezes distantes centenas de quilômetros-- tornaram a ideia inviável.
Porém, os pesquisadores perceberam que, se médico e robô estivessem no mesmo ambiente, não haveria problemas de transmissão de dados, segundo o cirurgião Gustavo Mantovani, co-fundador da Ramses e médico no hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo.
Embora fosse perdida a vantagem do tratamento remoto, os robôs se revelam capazes de aumentar a destreza e a precisão do cirurgião em até cinco vezes.
"Controlando os braços robóticos você tem uma filtragem do tremor fisiológico do ser humano. Isso aumenta também a qualidade da sua sutura, do seu procedimento", disse Mantovani.
O médico afirmou ainda que o robô possui um sistema computadorizado para permitir que suas pinças façam movimentos milimétricos --que o cirurgião consegue visualizar por meio de uma câmera que funciona como um microscópio tridimensional.
Todo o sistema é controlado pelo médico, que fica sentado em um console equipado com visor e controles. Diferente do que acontece em uma cirurgia tradicional, quando o cirurgião tem que operar em uma posição desconfortável, o equipamento facilita procedimentos longos.
"A cirurgia começa a avançar e a partir de duas a três horas você começa a ficar muito cansado. O robô evita isso porque você está em uma posição muito mais ergonômica de se trabalhar e muito menos cansativa", afirmou o cirurgião ortopedista Leonardo Mendonça, que também participa da pesquisa.
Pesquisa
Esses robôs já são usados rotineiramente desde os anos 2000 em alguns tipos de cirurgia, especialmente as urológicas.
Médicos de diversas especialidades se esforçam agora para criar novas técnicas para integrar os robôs aos mais diversos tipos de procedimentos.
A inovação criada pelo grupo de ortopedistas associados a Mantovani é adaptar o uso do robô a cirurgias de nervo.
Algumas operações usando a nova técnica já foram realizadas na França e no Brasil desde o ano passado. Tedesco foi a primeira paciente brasileira a passar por uma microcirurgia robótica de mão.
A cirurgia robótica ainda é uma procedimento limitado e caro no Brasil. Mas a pesquisa desses cirurgiões deve contribuir para popularizá-la e possibilitar, no futuro, cirurgias complexas no sistema nervoso central, especialmente no cérebro.
"O robô é uma forma de ampliar as habilidades do cirurgião. Eu vejo no futuro eles sendo usados em cirurgias minimamente invasivas com alta qualidade. Poderemos fazer procedimentos que nem imaginamos serem possíveis hoje", disse Mantovani.
Fonte Folhaonline
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