Pílula de flibanserina, que já foi rejeitada duas vezes pela FDA: campanha pede liberação para "Viagra" feminino |
Essas perguntas estão sendo levantadas em uma campanha que está pressionando a Food and Drug Administration (FDA, agência reguladora de fármacos e alimentos dos Estados Unidos) a aprovar uma pílula que visa devolver a libido perdida nas mulheres. A campanha, apoiada pelo laboratório que desenvolveu a droga e alguns grupos de direitos da mulher, acusa a FDA de preconceito, por ter aprovado o Viagra e 25 outras drogas para ajudarem os homens a terem relações sexuais, mas nenhuma para as mulheres.
"As mulheres aguardaram tempo demais", diz o esforço, conhecido como "Even the Score" (ou "Igualando o Placar"), em uma petição online que já conta com mais de 40 mil assinaturas. "Em 2015, a igualdade de gênero deve ser o padrão quando se trata de acesso a tratamentos para disfunção sexual."
A droga, a flibanserina, já foi rejeitada duas vezes pela FDA devido à sua eficácia muito modesta ser desproporcional aos efeitos colaterais, que incluem sonolência, tontura e náusea. A primeira rejeição, em 2010, ocorreu após a decisão de um comitê de conselheiros externos da agência, que por unanimidade foram contrários à aprovação.
Na quinta-feira (4), os conselheiros da FDA considerarão novamente se a flibanserina deve ser aprovada.
A Sprout Pharmaceuticals, que agora é proprietária da droga, apresentou novos dados, incluindo um estudo para demonstrar que o comprimido não impede uma pessoa de dirigir. Mesmo assim, a aprovação pode depender de se a FDA concordará em interpretar os dados antigos de uma nova forma e se a política em relação a essas drogas mudou.
A "Even the Score" é apoiada, entre outros, pelas Organizações do Conselho Nacional da Mulher, pela Imperativo de Saúde da Mulher Negra, Conselho Internacional de Mulheres Judias e alguns grupos médicos, como a Associação dos Profissionais de Saúde Reprodutiva. Ela persuadiu alguns membros do Congresso a escreverem à FDA e também criou uma paródia de um comercial do Viagra.
Uma porta-voz da FDA disse que a agência "rejeita veementemente qualquer preconceito". Ela disse que a agência apontou em 2012 a disfunção sexual feminina como sendo uma prioridade e realizou em outubro um workshop público de dois dias a respeito do desenvolvimento de drogas para a condição.
Mas o caminho para uma droga para disfunção sexual feminina tem sido difícil. A Pfizer desistiu de testar o Viagra para mulheres em 2004, o mesmo ano em que o comitê consultivo da FDA votou contra um adesivo cutâneo de testosterona para as mulheres, desenvolvido pela Procter & Gamble. Um gel de testosterona para mulheres que está sendo desenvolvido pela BioSante fracassou nos testes clínicos em 2011.
Alguns outros grupos de direitos da mulher, incluindo a Rede Nacional de Saúde da Mulher e o Nossos Corpos, Nós Mesmas, dizem que a Even the Score está zombando do processo de aprovação de medicamentos sob o disfarce dos direitos da mulher.
"Não acho que haja algo sexista ao negar aprovação para drogas que não apresentam uma relação risco/benefício adequada", disse Thea Cacchioni, uma professora assistente de estudos da mulher da Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica, Canadá, que está escrevendo um livro sobre o assunto intitulado "Big Pharma, Women and the Labor of Love".
Alguns outros grupos de direitos da mulher, incluindo a Rede Nacional de Saúde da Mulher e o Nossos Corpos, Nós Mesmas, dizem que a Even the Score está zombando do processo de aprovação de medicamentos sob o disfarce dos direitos da mulher.
"Não acho que haja algo sexista ao negar aprovação para drogas que não apresentam uma relação risco/benefício adequada", disse Thea Cacchioni, uma professora assistente de estudos da mulher da Universidade de Victoria, na Colúmbia Britânica, Canadá, que está escrevendo um livro sobre o assunto intitulado "Big Pharma, Women and the Labor of Love".
Leonore Tiefer, uma psicóloga da Escola de Medicina da Universidade de Nova York, disse que a Sprout e seus aliados estão tentando transformar falta de desejo em um problema médico tratável por drogas, quando "a maioria desses problemas é psicológica ou de relacionamento".
A falta de desejo espontâneo, ela disse, não é necessariamente um problema. A Associação Psiquiátrica Americana não mais lista transtorno de desejo sexual hipoativo (ou frigidez), a condição que a flibanserina busca tratar, em seu manual de transtornos de saúde mental. Falta de desejo agora foi combinada à falta de excitação em um diagnóstico mais amplo, baseado no fato de algumas mulheres não sentirem desejo até serem excitadas.
A "Even the Score" exagera um pouco. A maioria das 26 drogas para homens são fórmulas diferentes para a mesma substância, a testosterona. E nenhuma é aprovada para o tratamento de baixo desejo sexual, apesar disso poder ser um sintoma de deficiência de testosterona. O Viagra melhora o fluxo sanguíneo para o pênis, necessário para uma ereção. Para as mulheres, o estrogênio e uma droga chamada ospemifeno são aprovados para o tratamento de dor durante a relação sexual, que pode ocorrer após a menopausa.
Mesmo assim, até mesmo os membros do comitê consultivo da FDA que rejeitaram a flibanserina em 2010 reconheceram que a falta de desejo era uma condição genuína e que drogas deveriam ser desenvolvidas para ela.
Alguns especialistas em medicina sexual dizem que a condição causa perturbação emocional e interfere nos relacionamentos.
"Nossa paciente habitual é alguém que teme perder um relacionamento que já dura anos", disse o dr. Irwin Goldstein, diretor de medicina sexual do Alvarado Hospital, em San Diego, e consultor de muitas empresas farmacêuticas. "É uma tragédia atrás da outra."
Uma de suas pacientes, Jodi Cole, 33, de Porter, Oklahoma, disse que sua falta de desejo "costuma nublar meus pensamentos de tudo relacionado ao meu marido". Ela disse que "substituir o medo que tenho de intimidade por desejo mudaria minha vida".
Cerca de 10% das mulheres americanas sofrem de uma falta de desejo que causa angústia, segundo uma pesquisa realizada por um pesquisador acadêmico e financiada pela Boehringer Ingelheim, a desenvolvedora original da flibanserina. A droga, tomada diariamente, seria para mulheres na fase pré-menopausa cuja perda de desejo não se deve a uma doença ou efeito colateral de algum medicamento.
Goldstein disse ser preconceito caracterizar a disfunção sexual masculina como um problema simplesmente físico e a das mulheres como complexa, psicológica e intratável com drogas. Ele notou que antidepressivos que aumentam o nível de serotonina no cérebro podem ter o efeito colateral de reduzir a libido. A flibanserina faz o oposto –reduzindo temporariamente a serotonina enquanto eleva os níveis de dois outros neurotransmissores, a dopamina e a norepinefrina.
Susan Scanlan, presidente da "Even the Score", disse que os efeitos colaterais da flibanserina, como sonolência e tontura, não são sérios. Em comparação, ela disse, o Viagra e algumas outras drogas para homens podem causar cegueira, fratura peniana e outros efeitos colaterais sérios.
"A implicação é que se pode confiar que os homens podem tomar uma decisão racional de risco em comparação à recompensa e que as mulheres não podem", ela disse.
Scanlan disse que a "Even the Score" foi formada por Audrey Sheppard, que já comandou o escritório de saúde da mulher na FDA e que permanece como consultora da Sprout.
Sheppard disse que apresentou Cindy Whitehead, a cofundadora da Sprout e agora presidente-executiva da empresa, às ativistas de direitos da mulher em Washington em 2013, quando parecia que a droga seria aprovada. Após a segunda rejeição e uma reunião com a FDA terem irritado as ativistas, a campanha começou "mais ou menos como uma combustão espontânea".
Julgar quão eficaz é uma droga pode ser difícil. Em um teste clínico, as mulheres relataram que tiveram em média 4,4 "experiências sexuais satisfatórias" por mês, em comparação a 3,7 entre as mulheres que tomaram um placebo e 2,7 antes do início do estudo. Apesar da diferença entre a droga e o placebo de pouco menos de um evento por mês ser estatisticamente relevante, em 2010 ocorreu um debate sobre se era significativa.
Mas a droga não se mostrou significativamente melhor que o placebo no aumento do desejo, como registrado em um diário.
Mesmo assim, mais mulheres tomando a droga em vez do placebo disseram ter experimentado menos angústia e uma mudança significativa. E algumas mulheres disseram que a droga fez um grande efeito.
"Era eu quem estava iniciando o sexo, para surpresa do meu marido", disse Barbara Gattuso, de San Diego, no workshop da FDA em outubro. Gattuso, que disse que sofreu de falta de desejo por 25 anos, disse ter ficado "devastada" quando o teste clínico chegou ao fim.
The New York Times / UOL
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