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terça-feira, 23 de junho de 2015

Câncer de pulmão é o que mais mata no mundo, mas verba para pesquisa é insuficiente

Segundo pesquisa, estigma que liga tumor ao cigarro prejudica investimentos em novas terapias

Rio - O engenheiro Paulo Eduardo Pires voltava de um congresso nos EUA quando, em meio aos alertas de gripe suína no aeroporto, começou a ter sintomas parecidos com os do mal. Um mês depois, o incômodo persistia, o que o levou a fazer exames como raio-X e tomografia. Era 2009 quando ele recebeu a notícia de que não tinha uma gripe e, sim, um câncer de pulmão. Paulo não entendeu:

— Fui surpreendido porque nunca tinha colocado um cigarro na boca — lembra, comentando que mantinha um estilo de vida sem excessos e era daqueles que até faziam campanhas antitabaco em sua empresa; e o que ele, seus familiares e colegas sabiam era que este câncer acometia fumantes.

A relação entre tabaco e câncer de pulmão é bem estabelecida. Por isso, estatísticas e campanhas costumam destacar que 85% dos pacientes são ou foram fumantes. Só que 15% deles jamais fumaram. Faltam números conclusivos, mas há uma percepção de que este grupo vem crescendo, especialmente no caso das mulheres. O avanço de terapias para esses casos está a pleno vapor, embora continuem a intrigar cientistas: as causas ainda não estão claras, são pessoas mais jovens, com hábitos saudáveis e difíceis de serem diagnosticadas.

O câncer de pulmão é o que mais provoca mortes no mundo. São mais de 1,59 milhão por ano — mais do que cólon, mama e próstata juntos, que somam 1,52 milhão. No Brasil, em 2012 (último dado disponível do Instituto Nacional do Câncer), a doença matou 22.426 pessoas. Mas, apesar do impacto, recebe menos atenção e é cercado de estigma por conta da forte ligação com o tabaco, segundo uma pesquisa apresentada pela Fundação Bonnie J. Addario para Câncer de Pulmão, dos EUA. Realizado com dez mil pessoas em dez países, o estudo mostrou que 85% sabem pouco ou nada sobre este tipo de câncer e 80% dos diagnosticados acreditam ter culpa pela doença.

— Ouço muitas histórias de pessoas que se sentem envergonhadas, tenham elas fumado ou não — comenta Danielle Hicks, da fundação, que integra a campanha “Qualquer um. Qualquer pulmão”, para conscientizar que a doença é mais abrangente do que se imagina. — Foca-se demais em como ela ocorreu, em vez de em como diagnosticá-la e tratá-la precocemente

Para se ter uma ideia, dados compilados de órgãos do governo americano — como o Instituto Nacional do Câncer (NCI) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças — mostram que para o câncer de mama foram investidos US$ 17,8 mil por indivíduo em 2012, e para o de pulmão, apenas US$ 1,3 mil. Além disso, foram investidos, entre 2008 e 2010, US$ 1,8 bilhão em pesquisas para o câncer de mama, contra US$ 776 milhões para o de pulmão.

Perfil diferente em doentes não-fumantes
O fumo é um fator de risco para todos os tipos de câncer, não apenas o de pulmão. Mas quem não fuma dificilmente crê estar sujeito ao problema.

— Um câncer que aflige a todos igualmente é mais facilmente alvo de campanhas, pois todos se sentem como potenciais vítimas, entre aspas, como por exemplo os de próstata e mama — justifica Ricardo Sales dos Santos, cirurgião torácico do Hospital Albert Einstein, concordando que o estigma existe também no Brasil.

No caso dos doentes que nunca fumaram, alterações genéticas, poluição do ar e exposição a agentes químicos seriam possíveis causas. A idade mediana para câncer de pulmão é de 65 anos. Para não fumantes, 40 anos. Em ambos os casos, a doença se confunde com infecções, asma e pneumonia etc
 
— O sistema de vigilância americano já separa os cânceres de pulmão entre fumante e não fumante, porque entende que são doenças diferentes do ponto de vista epidemiológico, molecular, terapêutico e de prognóstico. Além de afetar pacientes jovens, de vida saudável e em idade produtiva — explica o oncologista Carlos Gil, especialista em câncer de pulmão do Grupo Oncologia D’Or. — Apesar dos avanços, ainda é uma doença muito grave, que precisa de atenção especial.
 
Paulo é um dos que estão mudando a cara deste câncer. Há seis anos convive com ele, provando que as chances de sobrevivência são mais animadoras do que mostram as estatísticas. Não foi fácil. Nesse período, fez cirurgias, ficou mais de um mês internado em estado grave, reconstruiu os dedos após complicações da doença, sentiu dores fortes, perdeu os movimentos temporariamente. Hoje, aos 61 anos, trabalha, caminha e exibe no tom de voz um ânimo de quem tem qualidade de vida.
 
— Os médicos não acreditavam que eu conseguiria, mas fui vencendo uma batalha a cada dia. Minha família conta que, enquanto estava internado, falava que queria conhecer meu neto. Ele nasceu há 20 dias — orgulha-se Paulo, que conseguiu obter um medicamento importado de difícil acesso para se tratar. — Tenho que controlar a doença e tomar o remédio para estender a sobrevida o máximo possível. Meu pacto com Deus é de 30 anos.
 
A incidência mundial é de 1,8 milhão de novos casos de câncer de pulmão por ano. No Brasil, são 16,4 mil entre os homens e 10,9 mil entre as mulheres. As políticas antitabagistas já tiveram efeito na redução dos tumores em homens (nos EUA, foi de um quarto). Mas o foco em diagnóstico precoce é ainda uma demanda de ativistas.
 
— Os investimentos, se existem, estão focados em campanhas de prevenção de maneira geral, com especial enfoque no tabagismo. Claro que isso é muito importante. Mas não temos campanhas de detecção precoce do câncer de pulmão — cobra Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, que planeja lançar campanha em defesa do rastreamento, como existe para o câncer de mama.
 
O Ministério da Saúde admite que a doença é geralmente detectada em estágio avançado, mas acredita que “não há estudos que comprovem a eficácia” do rastreamento para o pulmão.
 
O tema gera debate. Em 2011, o NCI financiou um estudo com 25 mil pessoas que indicou queda de 20% na mortalidade devido ao rastreamento por tomografia. Por isso, em 2013, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA, um painel independente de especialistas, passou a recomendar o rastreamento anual em adultos entre 55 e 80 anos fumantes ou ex-fumantes (há até 15 anos).
 
— As sociedades médicas brasileiras ainda não despertaram para essa importância, e muitos colegas duvidam que seja possível realizar o rastreamento no Brasil. Mas é possível e seguro — diz Sales dos Santos, que realizou o projeto “Propulmão”, com 790 participantes, seguindo os critérios do estudo americano.
 
Finalizado ano passado, dos indivíduos rastreados, 10% tinham nódulos suspeitos, 3% foram submetidos a exames mais invasivos e 1,4% foram diagnosticados com tumores malignos.
Por meio desse rastreamento, Wagner Alves, de 69 anos, foi diagnosticado em estágio inicial. Descobriu o projeto pela TV e decidiu se inscrever porque fumara dos 14 aos 54 anos.
 
— No meu caso, funcionou 100% — comemora. — Tinha seis nódulos malignos. Fiz a cirurgia ano passado. Tive uma recuperação rápida e tenho uma cicatriz mínima. Ainda faço consultas periódicas.
 
Com 71 anos, Maria do Carmo Meneses fumou por 50 anos e, mesmo tendo parado há cerca de uma década, tinha uma tosse persistente. Também descobriu o câncer em estágio inicial pelo rastreamento e foi submetida à cirurgia.

— Confesso que senti um pouco de culpa por ter fumado, embora não soubesse do risco quando jovem. Mas pelo menos a família me deu todo o apoio, sem me julgar — comenta.

O Globo

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