A dor é um sintoma prevalente em pacientes oncológicos e, apesar da alta incidência – em torno de 80% -, ainda é subdiagnosticada e tratada como um aspecto secundário da doença. Por se tratar de uma experiência física e emocional desagradável, tem alto impacto na qualidade de vida do indivíduo e, muitas vezes, prejudica adesão ao tratamento, afetando os índices de sobrevida. A dor normalmente é provocada pelo próprio tumor e seu avanço no organismo, mas também pode ser decorrente das terapias antineoplásicas.
A publicação do Consenso Brasileiro sobre Manejo da Dor Relacionada ao Câncer, ocorrida no último ano, foi um passo importante para incentivar a discussão do tema. No entanto, é pouco efetivo trabalhar a conscientização dos médicos e demais profissionais de saúde se o acesso aos tratamentos para dor ainda é restrito a uma pequena parcela da população.
Em 2013, os pacientes com câncer foram beneficiados com a aprovação da lei 12.880, que garantiu o acesso ao tratamento domiciliar e por via oral contra os efeitos colaterais da terapia oncológica oferecidos pelos planos de saúde. A Diretriz de Utilização Terapêutica aprovada pela ANS, entretanto, prevê em seu texto que o tratamento seja oferecido apenas aos pacientes que sofrem com dores oncológicas neuropáticas. Aqueles que apresentam outros tipos de dores, e que representam quase 30% do total, não foram contemplados com a medida. Como a maioria dos pacientes não pode arcar com os altos custos dos tratamentos particulares, acabam recorrendo ao tratamento hospitalar, mais invasivo e custoso.
Impactos econômicos
Nos Estados Unidos, uma análise recente dos registros hospitalares mostrou que 26% das internações não programadas foram associadas à dor não controlada, resultando em um custo total aproximado de US$ 5 milhões em um período de um ano, custo que poderia ter sido evitado com tratamentos paliativos e de controle da dor.
Nos Estados Unidos, uma análise recente dos registros hospitalares mostrou que 26% das internações não programadas foram associadas à dor não controlada, resultando em um custo total aproximado de US$ 5 milhões em um período de um ano, custo que poderia ter sido evitado com tratamentos paliativos e de controle da dor.
No Brasil, a situação não é diferente. Um estudo publicado em abril no Jornal Brasileiro de Economia em Saúde (JBES) avaliou os custos de medicamentos e hospitalizações em pacientes submetidos ao tratamento domiciliar, utilizando com oxicodona de liberação prolongada, em comparação ao tratamento hospitalar, sob as perspectivas dos sistemas de saúde público e privado no Brasil.
No sistema público, a adição do tratamento domiciliar reduziu o tempo de hospitalização, apresentando uma economia de até R$ 143 por paciente, o que representa uma redução de 12% no custo total da internação; já no sistema de saúde privado, a economia chegou a R$392 por paciente, reduzindo em até 14% o valor total do tratamento durante a hospitalização. Isso significa que, além da influência na qualidade de vida do paciente, agora é possível medir, de maneira concreta, o impacto econômico que o manejo adequado da dor representa na saúde pública e privada.
A cada dois anos, a Resolução Normativa que define o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é atualizada. Qualquer indivíduo, seja médico, paciente ou interessado no assunto, pode contribuir com seu ponto de vista por meio da Consulta Pública organizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Neste momento, um dos pontos de atenção são as diretrizes de utilização do tratamento domiciliar oral contra os efeitos colaterais das terapias antineoplásicas.
Retirar a palavra ‘neuropática’ do texto atual irá permitir que mais pacientes com dor de câncer de qualquer diagnóstico etiológico sejam tratados de forma igualitária e passem a ter amplo acesso ao tratamento domiciliar. Desse modo, os pacientes não precisarão mais se deslocar a um hospital em busca do alívio para suas dores, resultando em uma diminuição dos gastos com atendimentos, internações e medicamentos desnecessários – mudança que também significa mais comodidade, qualidade de vida e maior adesão ao tratamento. Quem sabe, em um futuro próximo, irá também possibilitar que o câncer seja encarado como sinônimo de vida, e não de dor.
*Dr. Durval Campos Kraychete é presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) e um dos maiores especialistas em tratamento da dor no Brasil.
Para participar da Consulta Pública, basta acessar www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/consultas-publicas/consulta-publica-n-59 e contribuir com sua opinião até o dia 19 de julho.
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