A OMS estima que campanhas de imunização evitam anualmente 2,5 milhões de mortes no mundo |
Eles não querem nem ouvir falar no assunto. Invocam o direito de escolha, citam casos trágicos dos quais tomaram conhecimento, criticam a indústria farmacêutica e acusam governos de se intrometerem na vida do cidadão. Para milhares de pais, a vacina é uma substância maléfica, associada a doenças e síndromes gravíssimas, como o autismo. Com as redes sociais, teorias conspiratórias contra as imunizações ganharam força — no Brasil, há diversos grupos que já se manifestam contrários à vacinação — e, aparentemente, nada do que se diga é capaz de convencê-los a proteger seus filhos contra males potencialmente incapacitantes e letais.
Embora sempre tenham havido vozes contrárias à imunização, mais recentemente elas ganharam força com a publicação de um artigo fraudulento, no fim da década de 1990, que associava a vacina a um risco aumentado de autismo. Uma investigação conduzida por um repórter da renomada revista The British Medical Journal (BMJ) descobriu, porém, que o autor manipulou os resultados e estava a serviço de um escritório de advocacia que queria ganhar dinheiro com pedidos de indenizações milionárias. Quando a farsa foi comprovada — e admitida —, era tarde. O autor perdeu o diploma de medicina, mas deixou um rastro de desconfiança sobre a importância da imunização em todo o mundo.
Agora, ao se debruçar sobre a recusa de vacinar as crianças, pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, constataram que dificilmente um cético se convencerá de que não existe qualquer respaldo científico nas campanhas antivacinação. Pelo contrário, essa afirmação só vai reforçar a crença equivocada, garantem, em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).
Em vez de apresentar os argumentos científicos, eles sugerem outra estratégia: mostrar, com palavras ou imagens, o motivo de as vacinas existirem. No estudo, os pesquisadores exploraram o ponto de vista de 315 participantes a respeito de diversos assuntos controversos, incluindo as atitudes em relação às vacinas e à intenção de imunizarem seus filhos.
Impacto
Os voluntários foram divididos aleatoriamente em três grupos: o primeiro recebeu material que contradizia os argumentos antivacina; o segundo leu o texto escrito por uma mãe sobre a infecção de sarampo sofrida pela filha, viu fotos de crianças com sarampo, caxumba e rubéola, e leu três curtos alertas sobre a importância de imunizar os pequenos; o terceiro, apenas de controle, recebeu um texto que não tinha qualquer relação com o assunto.
De acordo com o aluno de graduação da Universidade de Illinois que conduziu o estudo, Zachary Horne, a maior parte dos jovens pais que combatem as vacinas jamais havia se defrontado com um paciente real dessas doenças ao longo da vida, provavelmente devido à eficácia das imunizações. Depois de verem as consequências da não imunização, os participantes voltaram a responder a parte do questionário sobre suas atitudes em relação às vacinas, além de serem perguntados sobre o comportamento que tiveram no passado e a intenção de imunizar os filhos no futuro.
“Descobrimos que direcionar a atenção das pessoas para os riscos de não se vacinar, como pegar sarampo, caxumba ou rubéola, e as complicações associadas a essas doenças muda positivamente a atitude das pessoas em relação à vacinação, e isso ocorreu mesmo com os mais céticos participantes do estudo”, observou Horne. O infectologista Guido Carlos Levi, membro do Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde e integrante da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), resume o estudo: “Em vez de falar bem das vacinas, eles falaram mal das doenças”.
Zachary Horne ressaltou que o sucesso da abordagem está associado ao fato de que os pais que não queriam vacinar os filhos não o faziam por motivos religiosos ou filosóficos, mas por preocupação com a saúde das crianças. Ao verem casos reais do que poderia acontecer a elas se não fossem imunizadas, perceberam a necessidade de mudar de lado.
Campanha
O foco nas doenças combatidas pelas vacinas será o destaque de uma campanha educativa da Sbim, lançada durante a 17ª Jornada de Imunizações, em setembro. “Precisamos mostrar à população do que ela está se protegendo. Entendemos que é preciso divulgar o que as vacinas evitam, em vez de só ficar dizendo que são seguras”, observa Isabella Ballalai, presidente da associação médica. A infectologista ressalta que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 2,5 milhões de mortes por doenças infecciosas são evitadas anualmente graças à imunização. “E não é uma questão só de não morrer e não adoecer, é de não ter sequelas”, lembra.
Para Guido Carlos Levi, autor do livro Recusa de vacinas — causas e consequências, um problema grave é o desconhecimento histórico por parte não só de pais, mas de muitos médicos jovens, contrários à imunização. “Eles não sabem que a varíola matava 400 mil pessoas por ano na Europa, que o sarampo era a segunda doença que mais matava crianças no Brasil. Os médicos mais jovens nunca viram as enfermarias lotadas de crianças que morriam igual passarinho, nunca viram pessoas usando muletas por causa da pólio. E não viram por quê? Graças à vacina”, observa Levi. O infectologista teme, contudo, que essas cenas voltem a assombrar o país em consequência dos grupos anti-imunização.
O médico destaca, por exemplo, que casos de um tipo de encefalite causada pelo vírus do sarampo estão se tornando mais frequentes no Brasil. Em algumas cidades, adultos organizam as “pox parties”: “festinhas” nas quais juntam crianças sadias e com catapora para que todas peguem a doença e, assim, fiquem “naturalmente imunizadas”. Mas, embora essa enfermidade pareça menos grave, pode evoluir para encefalite, inflamação cardíaca, pneumonia e hepatite, entre outras complicações.
Outra preocupação é com o HPV. No ano passado, a televisão divulgou com destaque o caso de adolescentes de Bertioga (SP) que teriam sofrido problemas neurológicos após serem imunizadas. Mesmo constatado que se tratava de “reação psicogênica pós-vacinação”, uma condição caracterizada por estresse e ansiedade coletiva, o estrago estava feito. Na primeira fase de vacinação gratuita, voltada a pré-adolescentes, a adesão foi de 100%; na segunda, caiu para 60%, e, na terceira, apenas 40% do público-alvo foi imunizado. A consequência poderá ser medida em algumas décadas, com as estatísticas de câncer de colo de útero, causado principalmente pelas lesões consequentes do HPV.
Desinformação generalizada
O médico Moisés Chencinski, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca que a desinformação é o principal motor do movimento antivacinas. “Falta orientação, precisa haver uma divulgação com a participação de todos. Muitas das coisas que se diz não é verdade. Por exemplo, afirmar que homeopatas não recomendam a vacina não é real. A Associação Médica Homeopata Brasileira indica que todas as vacinas do calendário nacional sejam feitas”, ressalta. A falta de conhecimento científico sobre imunização é tão grande que algumas pessoas juram que ficam gripadas após tomar a vacina da gripe, sendo que ela é fabricada com o vírus morto e, portanto, inócuo.
Outro equívoco comum, segundo Chencinski, é acreditar que existem “doenças benignas”. “Se uma criança pegar rubéola, por exemplo, terá poucas reações. Mas, se ela transmitir o vírus para uma criança não vacinada, cuja mãe esteja no primeiro trimestre de gravidez, isso pode levar a deformações graves, cardíacas e mentais no feto. O melhor é não pegar doença”, reforça. “O Brasil tem um dos melhores calendários públicos de vacinação do mundo. Não existe razão para não oferecer a nossas crianças, a nossos filhos e a nossos netos a melhor condição de se protegerem e chegarem aos 100 anos com saúde”, afirma.
Embora sempre tenham havido vozes contrárias à imunização, mais recentemente elas ganharam força com a publicação de um artigo fraudulento, no fim da década de 1990, que associava a vacina a um risco aumentado de autismo. Uma investigação conduzida por um repórter da renomada revista The British Medical Journal (BMJ) descobriu, porém, que o autor manipulou os resultados e estava a serviço de um escritório de advocacia que queria ganhar dinheiro com pedidos de indenizações milionárias. Quando a farsa foi comprovada — e admitida —, era tarde. O autor perdeu o diploma de medicina, mas deixou um rastro de desconfiança sobre a importância da imunização em todo o mundo.
Agora, ao se debruçar sobre a recusa de vacinar as crianças, pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, constataram que dificilmente um cético se convencerá de que não existe qualquer respaldo científico nas campanhas antivacinação. Pelo contrário, essa afirmação só vai reforçar a crença equivocada, garantem, em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).
Em vez de apresentar os argumentos científicos, eles sugerem outra estratégia: mostrar, com palavras ou imagens, o motivo de as vacinas existirem. No estudo, os pesquisadores exploraram o ponto de vista de 315 participantes a respeito de diversos assuntos controversos, incluindo as atitudes em relação às vacinas e à intenção de imunizarem seus filhos.
Impacto
Os voluntários foram divididos aleatoriamente em três grupos: o primeiro recebeu material que contradizia os argumentos antivacina; o segundo leu o texto escrito por uma mãe sobre a infecção de sarampo sofrida pela filha, viu fotos de crianças com sarampo, caxumba e rubéola, e leu três curtos alertas sobre a importância de imunizar os pequenos; o terceiro, apenas de controle, recebeu um texto que não tinha qualquer relação com o assunto.
De acordo com o aluno de graduação da Universidade de Illinois que conduziu o estudo, Zachary Horne, a maior parte dos jovens pais que combatem as vacinas jamais havia se defrontado com um paciente real dessas doenças ao longo da vida, provavelmente devido à eficácia das imunizações. Depois de verem as consequências da não imunização, os participantes voltaram a responder a parte do questionário sobre suas atitudes em relação às vacinas, além de serem perguntados sobre o comportamento que tiveram no passado e a intenção de imunizar os filhos no futuro.
“Descobrimos que direcionar a atenção das pessoas para os riscos de não se vacinar, como pegar sarampo, caxumba ou rubéola, e as complicações associadas a essas doenças muda positivamente a atitude das pessoas em relação à vacinação, e isso ocorreu mesmo com os mais céticos participantes do estudo”, observou Horne. O infectologista Guido Carlos Levi, membro do Comitê Técnico Assessor do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde e integrante da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), resume o estudo: “Em vez de falar bem das vacinas, eles falaram mal das doenças”.
Zachary Horne ressaltou que o sucesso da abordagem está associado ao fato de que os pais que não queriam vacinar os filhos não o faziam por motivos religiosos ou filosóficos, mas por preocupação com a saúde das crianças. Ao verem casos reais do que poderia acontecer a elas se não fossem imunizadas, perceberam a necessidade de mudar de lado.
Campanha
O foco nas doenças combatidas pelas vacinas será o destaque de uma campanha educativa da Sbim, lançada durante a 17ª Jornada de Imunizações, em setembro. “Precisamos mostrar à população do que ela está se protegendo. Entendemos que é preciso divulgar o que as vacinas evitam, em vez de só ficar dizendo que são seguras”, observa Isabella Ballalai, presidente da associação médica. A infectologista ressalta que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 2,5 milhões de mortes por doenças infecciosas são evitadas anualmente graças à imunização. “E não é uma questão só de não morrer e não adoecer, é de não ter sequelas”, lembra.
Para Guido Carlos Levi, autor do livro Recusa de vacinas — causas e consequências, um problema grave é o desconhecimento histórico por parte não só de pais, mas de muitos médicos jovens, contrários à imunização. “Eles não sabem que a varíola matava 400 mil pessoas por ano na Europa, que o sarampo era a segunda doença que mais matava crianças no Brasil. Os médicos mais jovens nunca viram as enfermarias lotadas de crianças que morriam igual passarinho, nunca viram pessoas usando muletas por causa da pólio. E não viram por quê? Graças à vacina”, observa Levi. O infectologista teme, contudo, que essas cenas voltem a assombrar o país em consequência dos grupos anti-imunização.
O médico destaca, por exemplo, que casos de um tipo de encefalite causada pelo vírus do sarampo estão se tornando mais frequentes no Brasil. Em algumas cidades, adultos organizam as “pox parties”: “festinhas” nas quais juntam crianças sadias e com catapora para que todas peguem a doença e, assim, fiquem “naturalmente imunizadas”. Mas, embora essa enfermidade pareça menos grave, pode evoluir para encefalite, inflamação cardíaca, pneumonia e hepatite, entre outras complicações.
Outra preocupação é com o HPV. No ano passado, a televisão divulgou com destaque o caso de adolescentes de Bertioga (SP) que teriam sofrido problemas neurológicos após serem imunizadas. Mesmo constatado que se tratava de “reação psicogênica pós-vacinação”, uma condição caracterizada por estresse e ansiedade coletiva, o estrago estava feito. Na primeira fase de vacinação gratuita, voltada a pré-adolescentes, a adesão foi de 100%; na segunda, caiu para 60%, e, na terceira, apenas 40% do público-alvo foi imunizado. A consequência poderá ser medida em algumas décadas, com as estatísticas de câncer de colo de útero, causado principalmente pelas lesões consequentes do HPV.
Desinformação generalizada
O médico Moisés Chencinski, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca que a desinformação é o principal motor do movimento antivacinas. “Falta orientação, precisa haver uma divulgação com a participação de todos. Muitas das coisas que se diz não é verdade. Por exemplo, afirmar que homeopatas não recomendam a vacina não é real. A Associação Médica Homeopata Brasileira indica que todas as vacinas do calendário nacional sejam feitas”, ressalta. A falta de conhecimento científico sobre imunização é tão grande que algumas pessoas juram que ficam gripadas após tomar a vacina da gripe, sendo que ela é fabricada com o vírus morto e, portanto, inócuo.
Outro equívoco comum, segundo Chencinski, é acreditar que existem “doenças benignas”. “Se uma criança pegar rubéola, por exemplo, terá poucas reações. Mas, se ela transmitir o vírus para uma criança não vacinada, cuja mãe esteja no primeiro trimestre de gravidez, isso pode levar a deformações graves, cardíacas e mentais no feto. O melhor é não pegar doença”, reforça. “O Brasil tem um dos melhores calendários públicos de vacinação do mundo. Não existe razão para não oferecer a nossas crianças, a nossos filhos e a nossos netos a melhor condição de se protegerem e chegarem aos 100 anos com saúde”, afirma.
Saúde Plena
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