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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Brasil se transformou em disseminador do zika vírus pelas Américas

Viajantes que passaram pelo país levaram o vírus para 13 nações com condições favoráveis à propagação do mosquito Aedes

O primeiro caso de transmissão local (autóctone) do zika vírus no Brasil foi confirmado em maio passado. Era o início do que, em novembro, o Ministério da Saúde reconheceria como um surto provocado pelo arbovírus até então restrito à África, à Ásia e ao Pacífico. Pelo tamanho geográfico e pelos atrativos turísticos, o país acabou se transformando em um disseminador de zika, alertam pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá. Segundo um artigo divulgado por eles, na revista The Lancet, viajantes infectados aqui introduziram a doença em pelo menos 13 nações que reúnem condições ambientais favoráveis para a proliferação do Aedes aegypti e do Aedes albopictus, os dois tipos de mosquito que perpetuam a transmissão local da doença, além da chikungunya, da dengue e da febre amarela.

“Os Jogos Olímpicos no Brasil, em agosto de 2016, aumentam a necessidade de consciência sobre esse vírus emergente”, destacaram os autores no artigo publicado. Soma-se ao quadro de preocupação a possível relação do micro-organismo com o aumento de casos de microcefalia — a presença de RNA de zika no fluido amniótico embasa a tese. Até o último sábado, foram notificados 3.893 casos suspeitos de microcefalia no país, distribuídos em 764 cidades de 21 unidades da Federação.

Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, ressalta que de 70% a 80% dos infectados são assintomáticos, não apresentam os sintomas de zika. “Inclusive as grávidas. A maioria delas só fica sabendo que teve a doença quando é constatada microcefalia relacionada ao vírus. Como nem todo mundo apresenta sintomas, muitas infecções passam despercebidas”, diz.

As notificadas, porém, trazem um cenário de expansão da doença que demanda cuidado. No início desta semana, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) confirmou que a previsão dos especialistas canadenses foi, pelo menos em parte, concretizada: o zika vírus se alastrou por praticamente toda a América Latina e o Caribe, diz a entidade.

Os cientistas de Toronto criaram um modelo global de propagação de zika a partir da adaptação de outra fórmula sazonal para a dengue. Ambos incluem dados sobre condições climáticas e nichos ecológicos dos mosquitos. Com dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo, a equipe mapeou os destinos finais de viajantes internacionais que partiram de aeroportos localizados em regiões propícias à transmissão constante de zika durante o ano. As viagens ocorreram entre setembro de 2014 e agosto de 2015.

O LandScan — conjunto de dados sobre a população global — também foi utilizado para que os pesquisadores conseguissem estimar a quantidade de pessoas habitando regiões fora do Brasil que oferecem risco potencial para a transmissão autóctone do vírus. Segundo as estimativas, 9,9 milhões de viajantes partiram dos aeroportos brasileiros próximos a regiões com zika. Desses, 65% foram para as américas; 27%, para a Europa; e 5%, para a Ásia.

O volume de passageiros foi maior para Estados Unidos (2.767.337), Argentina (1.314.694), Chile (614.687), Itália (419.955), Portugal (411.407) e França (404.525). China e Angola receberam a maior quantidade de pessoas que voaram para a Ásia (84.332) e a África (82.838).

Argentina, Itália e EUA têm mais de 60% de populações residindo em áreas propícias à zika sazonal. México, Colômbia e EUA têm aproximadamente 30,5 milhões; 23,2 milhões e 22,7 milhões de pessoas, respectivamente, em áreas propícias à transmissão durante todo o ano. Nesta semana, a Bolívia confirmou um caso autóctone de zika e a Colômbia registrou mais de 11 mil casos da febre. Há uma semana, os Estados Unidos recomendaram às grávidas evitarem viagens para as regiões em que há surto da doença.

Foco no vetor
Os especialistas da Opas acreditam que o vírus da zika pode ter vindo de ilhas do Pacífico em 2014. Sylvain Aldighieri, chefe do Departamento de Doenças Transmissíveis da entidade, diz que o risco e a preocupação devem ser os mesmos para todos os países da América. “O mosquito está presente em todos eles e, portanto, gera os mesmos desafios que a epidemia de dengue”, diz Aldighieri, afirmando que a “prioridade absoluta” é a luta contra o vetor. “Isso inclui médicos bem preparados, enfermeiros bem treinados e grupos capacitados para identificar áreas em que o mosquito está presente e atuando para sua eliminação”, lista.

O combate ao inseto também é o que defende Jason Tetro, pesquisador em microbiologia e autor dos livros The germ files (O arquivo dos germes, em tradução livre) e The germ code (O código dos germes, em tradução livre). “Podemos ver o vírus em viajantes, mas a forma mais comum de disseminação é o mosquito. Claro, ele não tem nacionalidade nem passaporte. Então, não podemos colocar a culpa sobre o Brasil ou sobre qualquer outro país ou seus cidadãos. Além disso, o zika só era encontrado na África e no Sudeste Asiático. Ele chegou ao Brasil por algum lugar.”

Tetro alerta para o risco de a doença se transformar em um problema global. “Eu não acredito que o Brasil está sozinho nesse caso, mas, sim, que foi apenas o primeiro a olhar para o problema que, em breve, pode se transformar em uma epidemia, já que outros países estão tendo contato com o vírus”, explica. O Ministério da Saúde informou que não tem medidas específicas para o combate da doença em aeroportos.

Como vacinas e terapias antivirais contra o zika vírus ainda não existem, os pesquisadores da Universidade de Toronto também fazem um alerta, especialmente para as grávidas, sobre a necessidade de usar repelente e evitar horários em que o mosquito está mais ativo. Embora a doença tenha baixa mortalidade, os sintomas podem incomodar mais do que os da dengue e os da chikungunya. Pacientes apresentam dor no corpo, coceiras e conjuntivite, em alguns casos.

Transmissão no útero é confirmada
Pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Católica do Paraná confirmaram que o zika vírus pode ser transmitido no útero. A conclusão é baseada em análises da placenta de uma mulher com sintomas da infecção e que sofreu um aborto no primeiro trimestre da gestação. Virologista e integrante da equipe de pesquisa, Claudia dos Santos diz que, embora não seja possível relacionar a descoberta aos casos de microcefalia e outras alterações congênitas, o resultado confirma a transmissão intrauterina do zika vírus. A Fiocruz anunciou uma parceria com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino para uma pesquisa com minicérebros infectados pelo patógeno. A meta é descobrir como o vírus provoca a microcefalia.

Combate genético
Isolado, pela primeira vez, em abril de 1947 na Uganda, o zika vírus alastrou-se: o primeiro surto ocorreu em 2007 na Ilha Yap, na micronésia; e, entre 2013 e 2014, o micro-organismo chegou à Polinésia Francesa, de onde se espalhou pelo Pacífico. Nesse cenário de superação de limites geográficos, especialistas tentam encontrar formas de combater o inimigo pela genética.

Uma das iniciativas é do Instituto Pasteur da Guiana, na Guiana Francesa. “Poucos genomas completos estão disponíveis para o zika vírus e, até essa análise, nenhuma para o tipo circulante nas Américas”, conta Dominique Rousset, uma das autoras da pesquisa, publicada na revista The Lancet. As cepas encontradas no Suriname pertencem ao genótipo asiático e parecem ser a mais estreitamente relacionadas com a estirpe que circulou na Polinésia Francesa, com a qual compartilham mais de 99,7% e 99,9% da identidade de nucleótidos e de aminoácidos.

O Brasil tem iniciativas semelhantes, sendo uma delas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Lá, os cientistas mapeiam em quais regiões do estado há maior circulação viral. “A parte de pesquisa básica é justamente investigar a origem do vírus, se é africana ou asiática. Os bancos de dados mundiais têm pouca informação sobre o zika, e os pesquisadores estão justamente trabalhando para descrevê-lo com mais precisão”, diz Josélio Maria Galvão de Araújo, integrante do estudo, ressaltando, em seguida, a importância do esforço para a prevenção da doença.

“As ações de profilaxia são as únicas alternativas para nos ajudar a compreender onde o vírus está e a qual linhagem viral pertence. Assim, podemos sequenciá-la e saber se alguma delas é mais virulenta e agressiva que as outras”, explica.

Foto: Reprodução

Correio Braziliense

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