No ano passado, três testes clínicos históricos mostraram que uma dose diária do medicamento antirretroviral Truvada pode impedir que os indivíduos se infectem com HIV – uma descoberta importante, em virtude do fracasso de todos os esforços dedicados até agora para desenvolver uma vacina contra o vírus.
Agora, pesquisadores em São Francisco e Miami estão planejando testar essa estratégia de prevenção, chamada profilaxia pré-exposição (PrEP), num estudo piloto apoiado pelos Institutos Nacionais de Saúde. Em breve, os pesquisadores recrutarão até 500 homens não infectados que fazem sexo com homens, principalmente aqueles que se considera estar em maior risco de infecção, como jovens gays e, em particular, afro-americanos.
O estudo pedirá que os homens tomem o Truvada diariamente e os pesquisadores vão monitorar se seguem o programa, seu comportamento sexual e estado de saúde. Contudo, o prospecto de drogas antirretrovirais serem usadas para prevenção e tratamento já está levantando questões complexas para pesquisadores e defensores.
Pessoas não infectadas saudáveis irão tomar de forma consistente uma droga cara e poderosa que pode causar diversos efeitos colaterais? É justo fornecer medicamentos para indivíduos sem o vírus se tantos infectados não têm acesso a eles? Será que quem receber a droga terá maior probabilidade de praticar sexo de risco por acreditar estar protegido – mesmo que nem sempre a tome como prescrito?
As questões são mais do que acadêmicas. Segundo relatórios, alguns médicos já estão prescrevendo os medicamentos para alguns pacientes sem HIV, disse o Dr. Kenneth Mayer, diretor do Instituto Fenway, centro de pesquisa e defesa da saúde de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros de Boston, que participou da pesquisa sobre a PrEP.
''Acho que isso vai aumentar, mas é muito incremental’', disse Mayer, que acredita que a PrEP é uma nova arma importante no arsenal de prevenção ao HIV. ''As pessoas têm muitas dúvidas’'. Em geral, defensores do programa expressaram otimismo em relação à estratégia que, se aplicada com cuidado, poderia ajudar a reduzir os cerca de 50 mil novos casos de infecção pelo HIV que acontecem anualmente nos Estados Unidos. Porém, um dos maiores fornecedores de serviços para pessoas com HIV, a AIDS Healthcare Foundation, de Los Angeles, iniciou uma campanha publicitária e na mídia levantando sérias preocupações.
O presidente da fundação, Michael Weinstein, comentou que os participantes da primeira rodada da pesquisa PrEP foram fortemente alertados sobre o fato de que não seguir o protocolo poderia reduzir qualquer efeito protetor e, mesmo assim, muitos não conseguiram tomar os remédios como prescrito. Para ele, a adesão ao sistema de administração deve ser ainda pior em condições do mundo real.
''Nós lidamos com dezenas de milhares de pacientes aqui que são positivos e uma alta porcentagem deles têm problemas em aderir’', disse Weinstein.
''Assim, a ideia de que rapazes gays que não têm a doença vão tomar isso rotineiramente é altamente questionável’'.
Weinstein está particularmente preocupado com o fato de que a FDA (órgão que regula alimentos e medicamentos nos Estados Unidos) poderia aprovar em breve o uso do Truvada na prevenção ao HIV e no tratamento, o que, sem sombra de dúvida, levaria a um maior uso da droga. A Gilead Sciences, empresa que produz a droga, anunciou ser provável que faça esse pedido a FDA no começo do ano que vem.
Assim que a FDA aprova uma droga para qualquer uso, os médicos podem prescrevê-la legalmente para outros usos que não o permitido. Entretanto, os fabricantes de remédios só podem promover seus produtos para as indicações aprovadas especificamente pela agência.
Num dos três primeiros testes clínicos, entre homens que fazem sexo com homens, a PrEP reduziu as novas infecções em 44 por cento no geral. Por sua vez, entre os homens que aderiram ao protocolo de uso conforme prescrito, a proteção contra a infecção foi superior a 90 por cento. Alguns pesquisadores se preocupam com o fato de que indivíduos sexualmente ativos que somente aderem esporadicamente ao sistema de administração da PrEP podem não perceber que ainda correm risco de infecção; ao mesmo tempo, sentindo-se ''protegidos’', podem ser menos vigilantes na hora de praticar sexo seguro e fazer testes regulares de HIV.
E o uso inconsistente de remédios entre aqueles que não sabem estar infectados pode incentivar novas formas de HIV resistentes à droga, temem alguns especialistas.
O Dr. Grant Colfax, diretor de pesquisa e prevenção ao HIV do Departamento de Saúde Pública de São Francisco, disse esperar que a nova pesquisa gere informações importantes sobre como usar melhor a estratégia emergente.
''A pergunta é se as pessoas conseguirão manter o sistema de uso’', afirmou Colfax, cujo organismo é um dos grandes parceiros do estudo. ''Quais são os riscos e benefícios além de um teste clínico aleatório? Eles vão querer tomar a pílula, haverá mudanças em seu comportamento de risco, eles voltarão a fazer testes de HIV bimestralmente?''
O Dr. Howard Jaffe, presidente da Fundação Gilead, reconheceu que a adesão foi um problema nos primeiros estudos, mas declarou que todos os participantes na futura pesquisa, ao contrário daqueles nos testes, saberão que estão recebendo a droga verdadeira, não um placebo, e que esta pode impedir a infecção se ingerida como prescrito. De acordo com ele, essa nova informação fundamental poderia ajudá-los a manter a tática prescrita.
Os três testes PrEP recentes se concentraram em populações diferentes: casais heterossexuais do leste africano em que uma pessoa era soropositiva e a outra, não; adultos jovens ativos de Botsuana; e homens que fazem sexo com homens nos Estados Unidos e cinco outros países. (Um quarto teste, entre mulheres africanas, foi interrompido antes porque se descobriu que a PrEP não estava funcionando.) -- PAGE BREAK -- O teste envolvendo casais do leste africano relatou que a taxa de infecção foi 73 por cento mais baixa no grupo que tomou o Truvada; no grupo de Botsuana, houve uma redução de 63 por cento.
''Agora que já se provou ser eficaz, a discussão é bem diferente do que quando se convoca pessoas para um teste controlado com placebo’', afirmou Jaffe, da Fundação Gilead.
O Truvada combina dois antirretrovirais, Viread e Emtriva, ambos também produzidos pela Gilead. Além do futuro estudo nos Estados Unidos, os resultados da pesquisa adicional sobre o emprego do Truvada para prevenção do HIV são esperados nos próximos anos.
Atualmente, a droga custa milhares de dólares por ano. Um editorial recente da revista médica Lancet Infectious Diseases levantou preocupações éticas sobre a nova estratégia, observando que muitas pessoas com HIV não têm acesso a esses medicamentos salvadores de vidas.
''Como essas drogas podem ser fornecidas como prevenção a essas populações de alto risco se as pessoas com a doença e que necessitam do tratamento continuam sem elas?'', perguntou o editorial. Em resposta, os defensores da PrEP disseram que seria antiético não explorar o novo método, dado seu potencial de reduzir as taxas de infecção, principalmente entre as populações vulneráveis cujos indivíduos costumam achar difícil praticar sexo seguro de forma consistente.
Fonte http://nytsyn.br.msn.com/cienciaetecnologia/d%c3%bavidas-sobre-t%c3%a1tica-anti-hiv
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