Foto: Reprodução |
O cheiro de cigarro impregnado na roupa do filho era o que faltava
para André Luís Rech da Rocha, 25 anos, romper com o vício. O
funcionário público brigou com o tabaco durante três anos. Há 10 meses,
nasceu Leonardo e a culpa por fumar aumentou. Com ajuda do serviço
público de saúde, conseguiu abandonar a nicotina, passou de sedentário a
semialerta, perdeu 12 quilos e ainda poupa quase R$ 400 mensais sem a
compra de maços.
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Viradas de vida como esta vêm sendo conquistadas, ainda que timidamente, pelo Programa de Cessação de Tabagismo do Sistema Único de Saúde (SUS). Para testar a sua efetividade, uma pesquisa lançada recentemente mostrou que são necessários R$ 1.433 para ajudar alguém a parar de fumar, enquanto que o tratamento mínimo para um câncer, como o de pulmão, teria um custo para os cofres públicos de R$ 29 mil.
O estudo ocorreu de 2011 a 2013 e foi realizado pelo Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS), com sede no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Para se chegar aos valores, foi dissecado o programa aplicado em Goiânia (Goiás), um dos primeiros a ser implantado no país e considerado modelo, mas, segundo os pesquisadores, os dados podem ser replicados para o restante do Brasil, já que segue um modelo estabelecido pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) para todos os Estados. Dos 803 pacientes atendidos pelo SUS na capital goiana em 2010, o índice de sucesso foi de 37,2% após seis meses de acompanhamento dos integrantes. Levantamentos internacionais demonstram que a taxa média de cessação varia entre 13,3% e 19,7%.
Estratégias mais agressivas em Porto Alegre
André encontrou o auxílio em Porto Alegre. Frequentou o grupo por um ano e desistiu por três vezes. Usou o adesivo de nicotina em todas as oportunidades em que retornou. Em primeiro lugar, foi a vontade de mudar que o ajudou, mas a terapia em grupo o manteve motivado.
— Se eu continuasse naquele ritmo, fumando duas carteiras por dia, não conseguiria ver meu filho se formar. Hoje, caminho três vezes na semana e jogo futebol todos os finais de semana — disse André, que está entrando no terceiro mês de abstinência.
Andréa Mendes, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, que fez da pesquisa sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que o diferencial brasileiro está na terapia cognitivo-comportamental em grupo por período prolongado.
— Só o medicamento não resolve. Essa configuração de ter a terapia como obrigatória pode ser um diferencial para conseguirmos taxas mais elevadas, além do tempo de acompanhamento dos pacientes mais prolongado — explicou Andréa.
O programa é preconizado pelo Ministério da Saúde, já implantado em todos os Estados. No Rio Grande do Sul, onde está o maior índice de fumantes, existem 326 serviços públicos desse tipo. A cardiologista Carisi Anne Polanczyk, coordenadora-adjunta do IATS, conta que a chance de um médico convencer um paciente a deixar de fumar só expondo os riscos é de 3% a 6%, enquanto programas como estes têm se mostrado efetivos. Ela aposta que apesar de termos o mais alto índice do país — 16,5% da população é fumante —, o atendimento ainda é muito restrito em Porto Alegre:
— Deveríamos ser mais agressivos nas nossas estratégias para tentar reduzir esse número. Não podemos seguir o resto do país, já que temos os piores resultados, temos de fazer mais coisas.
Mesmo em Goiânia, são atendidos só 2,2% daqueles que estariam motivados a parar de fumar. Fabiana Reis Ninov, bióloga e coordenadora do Programa Municipal de Controle do Tabagismo, afirma que todos os postos de saúde de Porto Alegre são obrigados a ter o serviço, mas devido à falta na remessa do Ministério da Saúde de antidepressivos e adesivos de nicotina, desde o ano passado, a metade das unidades teve de suspender o atendimento. Ela estima que, de todos os que desejam parar de fumar, só 3% conseguem efetivamente:
— É uma droga legalizada e silenciosa, mais devastadora e que mata muito mais do que todas as outras. Quem usa não faz ideia de que é um drogado. A nicotina ativa neurotransmissores cerebrais que nunca mais são desativados.
"A terapia é o meu dia de festa"
Logo que decidiu parar de fumar, Severiano de Oliveira Heberle teve cada faniquito. Até vulto baforando fumaça ao lado da cama ele viu. Chegou a sentir o gosto relaxante do cigarro nos lábios, mas perseverou. Hoje, oito meses sem nenhuma tragada, o aposentado de 63 anos, que teve o cigarro como companheiro por meio século, orgulha-se de proferir a frase mais saborosa da sua vida: sou ex-fumante.
Diagnosticado com problemas cardíacos em 2006, Severiano chegou a jogar carteira cheia e isqueiro no lixo. Não dava duas horas e ele se rendia, humilhado, à nicotina.
— Os médicos diziam que não iam mais me tratar se eu continuasse fumando. Eu morria de vergonha, mas sozinho não conseguia parar — condenou-se Severiano.
Naquela mesma época, procurou um posto de saúde em Porto Alegre para se inserir em algum programa.
— Me mandavam aguardar. Sentia até uma má vontade. Eles esquecem que somos viciados, como um outro drogado qualquer — sustenta Severiano.
A vontade e o desespero para largar o vício também o levaram ao Disque Parar de Fumar, programa do governo federal. Nada surtia efeito. Foi em setembro de 2013 que conseguiu ingressar no programa, participar dos grupos de apoio e dar início ao tratamento com adesivo de nicotina, que usou por dois meses, e antidepressivo por 20 dias. Foi reduzindo de duas carteiras por dia para 10 cigarros até a meta de largar de vez. Certeza confirmada por um susto no final do ano passado, quando uma dor no peito o levou ao hospital. Passou por duas pontes de safena. Foram dois meses de recuperação. Quando teve alta para dirigir, a primeira visita que fez foi ao grupo de apoio.
— A terapia era o que mais me interessava. É o meu dia de festa. Lá ninguém te cobra nada, não te magoa e vibra contigo a cada conquista, mesmo que você tenha conseguido só diminuir e não parar totalmente — proferiu Severiano.
As cicatrizes no peito servem de terapia de choque aos que estão ingressando no grupo. Ele segue frequentando as reuniões semanalmente e, quando convidado a dar o testemunho, não se furta em abrir a camisa e exibir as marcas.
— Isto foi o que o cigarro me deu — declara.
Comemora ter se livrado do constrangimento social. Trabalha como representante comercial e quando chegava em um cliente notava que eles abriam a janela, sabia do mal cheiro que exalava. Difícil é segurar uma vontade que chega do nada, que leva a mão no automático até o bolso atrás de alívio.
Como procurar ajuda
O que motiva um paciente a parar de fumar é a consciência da necessidade de largar o vício, dos riscos e das consequências do tabagismo. Para quem chegou neste estágio e pretende buscar ajuda. Saiba onde encontrar:
— Disque parar de fumar: pelo Disque-Saúde, das 7h às 22h, de domingo a domingo, o interessado em se livrar do cigarro pode tirar dúvidas pelo 0800-61- 1997.
— Consulte o posto de saúde da sua região para saber se ele oferece o programa. Em Porto Alegre, para saber a qual posto você pertence, ligue para o 156 dando o seu endereço. Caso não tenha cadastro no posto, é só fazê-lo e aguardar ser chamado pelo programa.
O programa em Goiânia
— O programa segue o método preconizado pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer. Ele foi implantado em 2004, mas ganhou força em 2009. Existe em todos os Estados Brasileiros. No Rio Grande do Sul, 326 unidades de saúde oferecem o recurso para quem quer parar de fumar. Mas o serviço de Goiânia é considerado exemplo no país.
— O diferencial do programa nacional está no emprego da terapia cognitivo-comportamental. São palestras e trocas de experiência, que auxiliam a tratar a dependência psicológica. Em Goiânia, a média era de 18 pacientes por reunião.
— Também são empregados medicamentos antidepressivos, além de terapia de reposição de nicotina com adesivos, goma de mascar e pastilhas, que atacam a dependência química.
— Os remédios, quando necessários, auxiliam a controlar os sintomas da abstinência, como ansiedade, irritabilidade, sonolência, apetite aumentado para doces e desejo intenso de fumar. Eles são usados por três meses. Dos, 299 que deixaram de fumar, 87,3% fez uso de apoio medicamentoso.
— Até o terceiro mês do programa, as reuniões para a terapia cognitivo-comportamental, são semanais. Daí, até o sexto mês, passam a ser quinzenais. Passado este período, caso o paciente deseje, pode participar de reuniões mensais até completar um ano para evitar a recaída.
Zero Hora
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Viradas de vida como esta vêm sendo conquistadas, ainda que timidamente, pelo Programa de Cessação de Tabagismo do Sistema Único de Saúde (SUS). Para testar a sua efetividade, uma pesquisa lançada recentemente mostrou que são necessários R$ 1.433 para ajudar alguém a parar de fumar, enquanto que o tratamento mínimo para um câncer, como o de pulmão, teria um custo para os cofres públicos de R$ 29 mil.
O estudo ocorreu de 2011 a 2013 e foi realizado pelo Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS), com sede no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Para se chegar aos valores, foi dissecado o programa aplicado em Goiânia (Goiás), um dos primeiros a ser implantado no país e considerado modelo, mas, segundo os pesquisadores, os dados podem ser replicados para o restante do Brasil, já que segue um modelo estabelecido pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) para todos os Estados. Dos 803 pacientes atendidos pelo SUS na capital goiana em 2010, o índice de sucesso foi de 37,2% após seis meses de acompanhamento dos integrantes. Levantamentos internacionais demonstram que a taxa média de cessação varia entre 13,3% e 19,7%.
Estratégias mais agressivas em Porto Alegre
André encontrou o auxílio em Porto Alegre. Frequentou o grupo por um ano e desistiu por três vezes. Usou o adesivo de nicotina em todas as oportunidades em que retornou. Em primeiro lugar, foi a vontade de mudar que o ajudou, mas a terapia em grupo o manteve motivado.
— Se eu continuasse naquele ritmo, fumando duas carteiras por dia, não conseguiria ver meu filho se formar. Hoje, caminho três vezes na semana e jogo futebol todos os finais de semana — disse André, que está entrando no terceiro mês de abstinência.
Andréa Mendes, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, que fez da pesquisa sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que o diferencial brasileiro está na terapia cognitivo-comportamental em grupo por período prolongado.
— Só o medicamento não resolve. Essa configuração de ter a terapia como obrigatória pode ser um diferencial para conseguirmos taxas mais elevadas, além do tempo de acompanhamento dos pacientes mais prolongado — explicou Andréa.
O programa é preconizado pelo Ministério da Saúde, já implantado em todos os Estados. No Rio Grande do Sul, onde está o maior índice de fumantes, existem 326 serviços públicos desse tipo. A cardiologista Carisi Anne Polanczyk, coordenadora-adjunta do IATS, conta que a chance de um médico convencer um paciente a deixar de fumar só expondo os riscos é de 3% a 6%, enquanto programas como estes têm se mostrado efetivos. Ela aposta que apesar de termos o mais alto índice do país — 16,5% da população é fumante —, o atendimento ainda é muito restrito em Porto Alegre:
— Deveríamos ser mais agressivos nas nossas estratégias para tentar reduzir esse número. Não podemos seguir o resto do país, já que temos os piores resultados, temos de fazer mais coisas.
Mesmo em Goiânia, são atendidos só 2,2% daqueles que estariam motivados a parar de fumar. Fabiana Reis Ninov, bióloga e coordenadora do Programa Municipal de Controle do Tabagismo, afirma que todos os postos de saúde de Porto Alegre são obrigados a ter o serviço, mas devido à falta na remessa do Ministério da Saúde de antidepressivos e adesivos de nicotina, desde o ano passado, a metade das unidades teve de suspender o atendimento. Ela estima que, de todos os que desejam parar de fumar, só 3% conseguem efetivamente:
— É uma droga legalizada e silenciosa, mais devastadora e que mata muito mais do que todas as outras. Quem usa não faz ideia de que é um drogado. A nicotina ativa neurotransmissores cerebrais que nunca mais são desativados.
"A terapia é o meu dia de festa"
Logo que decidiu parar de fumar, Severiano de Oliveira Heberle teve cada faniquito. Até vulto baforando fumaça ao lado da cama ele viu. Chegou a sentir o gosto relaxante do cigarro nos lábios, mas perseverou. Hoje, oito meses sem nenhuma tragada, o aposentado de 63 anos, que teve o cigarro como companheiro por meio século, orgulha-se de proferir a frase mais saborosa da sua vida: sou ex-fumante.
Diagnosticado com problemas cardíacos em 2006, Severiano chegou a jogar carteira cheia e isqueiro no lixo. Não dava duas horas e ele se rendia, humilhado, à nicotina.
— Os médicos diziam que não iam mais me tratar se eu continuasse fumando. Eu morria de vergonha, mas sozinho não conseguia parar — condenou-se Severiano.
Naquela mesma época, procurou um posto de saúde em Porto Alegre para se inserir em algum programa.
— Me mandavam aguardar. Sentia até uma má vontade. Eles esquecem que somos viciados, como um outro drogado qualquer — sustenta Severiano.
A vontade e o desespero para largar o vício também o levaram ao Disque Parar de Fumar, programa do governo federal. Nada surtia efeito. Foi em setembro de 2013 que conseguiu ingressar no programa, participar dos grupos de apoio e dar início ao tratamento com adesivo de nicotina, que usou por dois meses, e antidepressivo por 20 dias. Foi reduzindo de duas carteiras por dia para 10 cigarros até a meta de largar de vez. Certeza confirmada por um susto no final do ano passado, quando uma dor no peito o levou ao hospital. Passou por duas pontes de safena. Foram dois meses de recuperação. Quando teve alta para dirigir, a primeira visita que fez foi ao grupo de apoio.
— A terapia era o que mais me interessava. É o meu dia de festa. Lá ninguém te cobra nada, não te magoa e vibra contigo a cada conquista, mesmo que você tenha conseguido só diminuir e não parar totalmente — proferiu Severiano.
As cicatrizes no peito servem de terapia de choque aos que estão ingressando no grupo. Ele segue frequentando as reuniões semanalmente e, quando convidado a dar o testemunho, não se furta em abrir a camisa e exibir as marcas.
— Isto foi o que o cigarro me deu — declara.
Comemora ter se livrado do constrangimento social. Trabalha como representante comercial e quando chegava em um cliente notava que eles abriam a janela, sabia do mal cheiro que exalava. Difícil é segurar uma vontade que chega do nada, que leva a mão no automático até o bolso atrás de alívio.
Como procurar ajuda
O que motiva um paciente a parar de fumar é a consciência da necessidade de largar o vício, dos riscos e das consequências do tabagismo. Para quem chegou neste estágio e pretende buscar ajuda. Saiba onde encontrar:
— Disque parar de fumar: pelo Disque-Saúde, das 7h às 22h, de domingo a domingo, o interessado em se livrar do cigarro pode tirar dúvidas pelo 0800-61- 1997.
— Consulte o posto de saúde da sua região para saber se ele oferece o programa. Em Porto Alegre, para saber a qual posto você pertence, ligue para o 156 dando o seu endereço. Caso não tenha cadastro no posto, é só fazê-lo e aguardar ser chamado pelo programa.
O programa em Goiânia
— O programa segue o método preconizado pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer. Ele foi implantado em 2004, mas ganhou força em 2009. Existe em todos os Estados Brasileiros. No Rio Grande do Sul, 326 unidades de saúde oferecem o recurso para quem quer parar de fumar. Mas o serviço de Goiânia é considerado exemplo no país.
— O diferencial do programa nacional está no emprego da terapia cognitivo-comportamental. São palestras e trocas de experiência, que auxiliam a tratar a dependência psicológica. Em Goiânia, a média era de 18 pacientes por reunião.
— Também são empregados medicamentos antidepressivos, além de terapia de reposição de nicotina com adesivos, goma de mascar e pastilhas, que atacam a dependência química.
— Os remédios, quando necessários, auxiliam a controlar os sintomas da abstinência, como ansiedade, irritabilidade, sonolência, apetite aumentado para doces e desejo intenso de fumar. Eles são usados por três meses. Dos, 299 que deixaram de fumar, 87,3% fez uso de apoio medicamentoso.
— Até o terceiro mês do programa, as reuniões para a terapia cognitivo-comportamental, são semanais. Daí, até o sexto mês, passam a ser quinzenais. Passado este período, caso o paciente deseje, pode participar de reuniões mensais até completar um ano para evitar a recaída.
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