Getty Images: Predisposição revelada em teste genético, no entanto, não é sentença de
morte. É um
a mais, mas não significa que a pessoa
obrigatoriamente desenvolverá a patologia', diz geneticista
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Além de doenças, genes indicam como metabolismo vai reagir a cada tipo de remédio, o que pode individualizar tratamento
E o que está escrito nos genes está cada vez mais sendo decifrado. Um
teste genético, já disponível em algumas clínicas e hospitais, é capaz
de prever se a pessoa tem mais propensão a desenvolver doenças crônicas
ou até mesmo se tornar obeso ou vítima de morte súbita no futuro.
Funciona
assim: a partir do mapeamento – feito por um exame de sangue ou saliva
com custo de R$ 800 a R$ 1.200 – são identificados genes ligados a
várias doenças. Há um determinado gene, por exemplo, que, se encontrado,
sinaliza que aquela pessoa tem até oito vezes mais chance de ser obesa
no futuro, o que justificaria uma atenção maior com o peso.
O
mesmo acontece em relação ao infarto e ao enfisema pulmonar. A
avaliação consegue identificar mutações genéticas que levariam uma
pessoa a ter uma predisposição maior a sofrer dessas doenças. Isso
explica porque o cigarro é tão mais fatal em alguns casos. E, como as
mutações genéticas não são necessariamente hereditárias, ter um avô que
fumou até os 90 não deve abrir jurisprudência para os descendentes.
A
predisposição a doenças reveladas em um teste genético, no entanto, não
é uma sentença de morte. “É um risco a mais, mas não significa que a
pessoa obrigatoriamente desenvolverá a patologia”, afirma Milton Ozório
Moraes, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), ligado à Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
Até mesmo por isso, os especialistas não indicam que seja feito em larga escala ou incluso em medidas de saúde pública.
É preciso cautela
O
geneticista Salmo Raskin, um dos brasileiros envolvidos no projeto
Genoma, pondera que ainda são poucos os genes conhecidos capazes de
dimensionar um risco elevado de determinadas doenças.
"Em
um futuro breve, em três ou quatro anos, esse teste vai se tornar uma
coisa muito interessante. O que está acontecendo nesse momento não pode
se dizer que é uma antecipação, mas sim uma precipitação. É uma ideia
ótima, que certamente vai se tornar uma realidade logo" explica o
geneticista, que atua no laboratório Genétika.
Raskin
exemplifica: no teste de diabetes, por exemplo, existem três ou quatro
genes conhecidos que identificam a propensão à doença, o que ainda é
pouco para afirmar que a patologia se desenvolveria no futuro. Daqui a
poucos anos, diz ele, provavelmente já terão sido identificados muito
mais genes envolvidos com o aparecimento da doença, fazendo que o
prognóstico seja mais preciso.
Que remédio eu tomo?
Além
de “prever” doenças, os genes também indicam como o metabolismo vai
reagir a cada tipo de remédio. É o que se chama de farmacogenética. “Em
20% das pessoas que tomam medicamentos psiquiátricos, o remédio não faz
efeito, porque não são metabolizados pelo indivíduo”, detalha Moraes, do
IOC.
Ao se identificar as mutações específicas nos genes que
impedem que uma droga seja metabolizada corretamente, é possível
individualizar o tratamento, ajustando as doses do remédio ou até mesmo
trocando a substância.
“Isso
já tem sido aplicado quando a pessoa não responde a um determinado
medicamento no tratamento do câncer”, explica o geneticista Ciro
Martinhago, membro do departamento de genética do Hospital Albert
Einstein e diretor da Chromosome Medicina Genômica.
Hereditariedade
Os
testes genéticos, segundo Moraes, da Fiocruz, também são de grande
valia quando se tratam de questões transmitidas de pais para filhos. “Se
uma pessoa tem histórico familiar de câncer de mama hereditário, por
exemplo, e o médico avaliar que pode existir o risco, o teste é
necessário”, explica.
Martinhago
pondera que, apesar de o teste genético identificar propensão maior a
desenvolver um câncer, o procedimento esbarra em questões éticas, quando
se fala da infância. O médico afirma que, apesar de o exame identificar
se a pessoa tem propensão a ter câncer, o geneticista evita fazê-lo em
crianças. “O câncer é um mundo à parte. Apenas 5% a 10% deles são
hereditários. Só se faz um teste desses se a criança já tem histórico na
família. Mesmo assim, é de extrema importância saber qual o benefício
que essa notícia vai trazer.”
Segundo
ele, discute-se também até onde os pais têm o direito de ter a
informação. “A mãe terá de assinar um termo de consentimento, mas ela
precisa saber o impacto emocional que o resultado de um exame poderá
causar”, afirma. Em sua clínica, sem um consulta prévia para todos esses
esclarecimentos, o teste não é feito.
Veja doenças que um teste genético já consegue identificar:
Colesterol genético: se
a pessoa não abusa de alimentos gordurosos e mesmo assim tem o
colesterol nas alturas, pode ser genético. O teste mostra se há um risco
aumentado para a doença, mas não consegue estimar a porcentagem a mais.
Obesidade:
uns comem bastante e continuam magros. Outros comem uma migalha e
parece que, só de sentir cheiro de comida, engordam. A resposta, mais
uma vez, está na genética, já que de 40% a 70% da obesidade é por culpa
dos genes (o restante é por questões ambientais, como hábitos de vida).
O
teste consegue identificar quem tem maior predisposição a ficar obeso,
bem como quem tem tendência a recuperar o peso perdido. É possível
identificar a reação que a pessoa terá com carboidratos ou gorduras. Com
isso em mãos, um nutricionista conseguiria adaptar uma dieta saudável
desde muito cedo.
Problemas no coração: hábitos de vida
influenciam mais no risco cardíaco do que a genética. No entanto, é
possível identificar, por meio de marcadores genéticos, quem tem mais
predisposição a sofrer um infarto.
Algumas pessoas,
porém, têm um risco genético maior ao usar uma terapia específica para
dissolver trombos que causaram um infarto, por exemplo. Se o indivíduo
tem essa sensibilidade e o médico já sabe, usa outro tratamento. Uma
escolha que poderia poupar vidas.
Diabetes tipo 2:
mais de 370 milhões de pessoas no mundo são diabéticas, sendo que 90%
delas sofrem do tipo 2 da doença. Um dos fatores ambientais de risco
para a doença é o excesso de peso. Mas, mesmo em magros, o diabetes pode
se instalar. A genética já consegue prever a probabilidade de se ter a
doença ou não.
Atletismo: muitos treinam, treinam
em não atingem o resultado que querem. O teste genético identifica se a
criança tem tendência no esporte de explosão ou resistência, ou seja,
se a pessoa que fizer natação será melhor nos 50 ou 200 metros, assim
não frustra ninguém”, completa.
Plano de saúde oferece cobertura para alguns testes, mas com limitações
O teste genético para 29 doenças
pode ser feito com cobertura dos planos de saúde, conforme
regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em
janeiro deste ano. Segundo o geneticista criador do primeiro ambulatório
de genética clínica do Brasil e professor da Unicamp, Walter Pinto
Junior, o plano só autoriza quando há um objetivo real para tratamento,
como no caso do câncer de mama.
A questão principal está em
convênio ser obrigado a autorizar um teste genético apenas quando ele
for pedido por um médico geneticista. Mas a genética médica é a menor
especialidade do Brasil: para cerca de 50 milhões de pacientes afiliados
em planos de saúde no Brasil, há apenas 240 geneticistas, sendo que 80%
deles estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
“Não é
possível montar um teste para a população brasileira sem que tenha uma
infraestrutura, tem que ter geneticista para avaliar. Seria a mesma
coisa que fazer um raio-x mas não ter ninguém para interpretar”,
conclui Pinto Junior.
iG
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