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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Sociedade alerta para epidemia mundial de esteatose, doença silenciosa que pode levar ao câncer

Pesquisa recente sugere que 30% dos adultos tenham a doença hepática mais prevalente em todo o mundo. Estateose se caracteriza pelo acúmulo de gordura no interior das células do fígado
 
Maior órgão maciço do organismo, o fígado é a “central elétrica do corpo”. Entre suas mais de 500 funções, está a importante tarefa de receber nutrientes do intestino e devolver ao sangue o que é produzido pelas células. Glicose e glicogênio, que dão origem à produção de energia necessária à vida, são um exemplo. A rica vascularização do órgão e seu tamanho fizeram com que, nos primórdios da medicina, ele chegasse a ser confundido com o coração. Tamanha importância também faz do fígado um órgão sensível. São várias as doenças relacionadas, agudas ou crônicas. O álcool é, sim, a mais conhecida e principal causa de lesões hepáticas, que evoluem para cirroses e, dessas, para a necessidade de transplante. Mas, para quem pensa que esse é o único vilão do fígado, vai o alerta: é preciso ter atenção com a hepatite e com doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA).

Pesquisa recente sugere que 30% dos adultos tenham esteatose, doença hepática mais prevalente em todo o mundo. “O número é tão alarmante, que a Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) acaba de definir um consenso nacional sobre a doença. Trata-se de uma epidemia mundial. Precisamos chamar atenção, porque é uma doença silenciosa, que não causa sintomas”, alerta Edison Roberto Parise, presidente da SBH.

Ela se caracteriza pelo acúmulo de gordura no interior das células do fígado e pode ser causada por vários fatores, como hepatites, abuso de álcool e uso de medicamentos, mas a causa mais importante é um problema pouco conhecido: a doença hepática gordurosa não alcoólica. A maioria das pessoas com esteatose tem apenas o acúmulo de gordura nas células, mas até 30% dos casos podem evoluir para esteatoepatite não alcoólica, cirrose e câncer de fígado.
 
Obesidade visceral, pré-diabetes, diabetes, baixa do bom colesterol, alta do triglicérides, pressão alta, aumento da circunferência da cintura e síndrome metabólica podem denunciar o problema. Segundo o hepatologista e gastroenterologista João Galizzi Filho, testes de função hepática, em exames de sangue, são inespecíficos, mas o ultrassom é capaz de mostrar se existe uma esteatose significativa ou não. A doença tem causa genética e é agravada pelo estilo de vida sedentário e má alimentação, com a grande ingestão de carboidratos e gorduras saturadas. Obesidade e diabetes são os principais fatores associados. Nessas populações, a esteatose pode atingir 70% dos indivíduos. Ela também é mais frequente em pessoas na faixa dos 40 a 50 anos, mas vem crescendo entre os adolescentes, em função do estilo de vida sedentário e por causa do abuso de anabolizantes nas academias.

Mas, corrigindo as causas, é potencialmente reversível. “É preciso modificar hábitos alimentares, perder peso e fazer atividade física regular e moderada, principalmente as aeróbicas”, ensina Galizzi. Seguindo essas recomendações, além de reverter a esteatose, o paciente ganha em qualidade de vida, já que muitos sofrem de apneia do sono, além de reduzir o risco cardiovascular e o de progressão para diabetes. Quanto maior a adesão ao novo comportamento, melhor o resultado na diminuição da gordura depositada no fígado. Já em fase avançada, é possível recorrer aos sensibilizadores de insulina e medicamentos citoprotetores e antioxidantes para proteger o fígado. Para os obesos mórbidos, a cirurgia bariátrica é opção. “De 80% a 90% da população adulta com obesidade mórbida tem esteatose”, explica Edison Parise. Casos mais avançados podem exigir transplante.

De mãos dadas
Novos tratamentos estão sendo desenvolvidos no combate à doença, mas, segundo Parise, apesar de ser um problema sério de saúde pública, ainda não são destinados recursos financeiros necessários para sua divulgação e cuidados. Descoberta a esteatose, o presidente da SBH ressalta a importância de se investir na prevenção do diabetes e das doenças cardiovasculares. Segundo João Galizzi Filho, diabéticos têm cerca de 65% a 80% de chances de ter também a esteatose, que pode evoluir para câncer de fígado. Nos EUA, a doença gordurosa já é a primeira causa de cirrose e a terceira de transplante de fígado. No Brasil, dados da Central de Transplantes da Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo mostram que, entre 2010 e 2014, quase 3% das indicações de transplante de fígado foram motivadas por cirrose causada por DHGNA. Em 2015, o número subiu para 5% na lista de espera.

Hepatites não tratadas podem levar ao câncerA cirrose hepática é o principal fator de risco para o câncer do fígado, quinto tipo mais frequente no mundo e terceira causa de óbito por câncer. Entre as causas do hepatocarcinoma, como é chamado, estão as hepatites virais, especialmente as do tipo B e C.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há no mundo cerca de 520 milhões de pessoas com os vírus das hepatites B e C. Por serem silenciosas e não apresentarem sintomas até se tornarem graves, grande parte dos casos de hepatites virais não é diagnosticada precocemente, razão pela qual podem se cronificar. Isso ocorre em 70% a 80% das infecções, e, em média, 20% delas podem evoluir para cirrose e de 1% a 5%, para câncer do fígado.

Conforme Rogério Alves, hepatologista do A.C Camargo Cancer Center, a cirrose hepática está na origem de metade dos casos de hepatocarcinoma, por sua vez associado ao alcoolismo ou à hepatite crônica. “Para não desenvolver cirrose hepática, é preciso controlar a quantidade de álcool ingerida, nunca ultrapassando duas doses por dia. Já a transmissão do vírus da hepatite B pode ser prevenida pela vacinação. Para a hepatite C, não há vacina, porém existe tratamento”, afirma.

Contaminados sem saber
O problema é que milhões brasileiros têm o vírus sem saber: isso aumenta o perigo para o avanço da cirrose e predispõe o risco de desenvolvimento do tumor. Embora a cirrose esteja presente, na maioria das vezes, entre as pessoas com câncer de fígado decorrente da hepatite C, o mesmo não ocorre nos portadores da hepatite B. Estes, caso piorem, podem ter tumor de fígado mesmo sem cirrose.

Os tumores de fígado podem ser câncer primário (com origem no próprio órgão) e secundário ou metastático (originado em outro órgão e que atinge também o fígado). O mais frequente, que ocorre em até 80% dos casos, é o hepatocarcinoma ou carcinoma hepatocelular, agressivo e com curto tempo de evolução.

Os sintomas do hepatocarcinoma são dor abdominal, massa abdominal, distensão, perda de peso inexplicada, falta de apetite, mal-estar, tonalidade amarelada na pele e nos olhos e acúmulo de líquido no abdômen.

Estado de Minas

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