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terça-feira, 27 de outubro de 2015

Rivotril, um dos remédios mais vendidos do Brasil e que é uma febre entre executivos

rivotril1Mais vendido do que o analgésico paracetamol ou a pomada Hipoglós, Rivotril se tornou o remédio da moda. Mas, como um medicamento tarja preta, vendido apenas com retenção de receita, conseguiu estar entre os mais vendidos do Brasil?

Lançado no Brasil em 1973 para amenizar os efeitos da epilepsia, o Rivotril passou a ser usado como tranquilizante por apresentar muitos benefícios em relação aos medicamentos usados na época. Em pouco tempo virou o queridinho das farmácias e já esteve em segundo lugar na lista dos remédios mais vendidos do país. Entre agosto de 2011 e agosto de 2012, o medicamento foi o 8º mais consumido em todo o Brasil. No ano seguinte, o seu consumo ultrapassou os 13,8 milhões de caixas.
 
Não é por acaso que o medicamento virou febre entre executivos. Com uma vida agitada, é preciso esquecer os problemas de alguma maneira – e o Rivotril promete a paz em forma de pílulas ou gotas. Afinal, a droga faz parte da classe dos benzodiazepínicos: são medicamentos que afetam a mente e o humor de quem os consome, deixando essas pessoas mais calmas.
 
Por essa qualidade, os “benzos” costumam ser indicados em casos de síndrome do pânico, ansiedade ou distúrbios do sono. Mas os médicos vão além: uma busca rápida na internet mostra que até mesmo dentistas e ginecologistas estão receitando o fármaco, que deveria ser de uso controlado. Em alguns casos os próprios farmacêuticos encontram uma maneira de vender o medicamento para pacientes que não possuem a receita.
 
Foi o que aconteceu com *Luísa, que começou a tomar Rivotril por orientação médica. “Depois que ele diminuiu a dosagem, eu conseguia com o farmacêutico mais caixas e pegava mais receitas com a secretária (do médico). Teve épocas que tomava 2 ou até 4 (comprimidos) de 2 mg por dia. Não percebi que era dependência, pois fazia tudo normal. E não tinha sono como todos têm, pelo contrário, ficava ligada… Era como um propulsor”, diz ela, que tomou o medicamento por mais de 3 anos.
 
A dependência é justamente o maior risco do uso contínuo do remédio. A própria bula do medicamento alerta para esse fato, informando que “o uso de benzodiazepínicos pode levar ao desenvolvimento de dependência física e psíquica. O risco de dependência aumenta com a dose, tratamentos prolongados e em pacientes com história de abuso de álcool ou drogas”. Ou seja, a dependência pode ocorrer mesmo em pacientes que utilizam o remédio sob orientação médica e costuma ser acompanhada de crises de abstinência que podem se tornar verdadeiros pesadelos, incluindo psicoses, distúrbios do sono e ansiedade extrema. Parece irônico que as pessoas recorram a um remédio justamente para evitar este tipo de sintoma e vejam seus problemas agravados ao deixar o medicamento. Especialistas concordam que não há doses seguras contra a dependência.
 
Comecei a tomar o Rivotril por indicação médica, inicialmente contra crises de pânico, fobia social e insônia aliado ao uso de fluoxetina contra depressão. No início foi ótimo, como tinha dificuldade de fazer provas e ir à faculdade, o medicamento me tranquilizava. O que era para ser de maneira esporádica passou a ser frequente, passei a tomar o Rivotril para insônia antes mesmo de tentar dormir. Após o uso excessivo e diante de uma crise no final de um semestre acabei sendo internado em uma clínica por uma semana. Lembro-me de ver um médico recém internado em crise de abstinência ingerir quase o triplo da quantidade que tomava para dormir e continuar de pé!”, conta *Alexandre, que acrescenta que teve acompanhamento psiquiátrico durante todo o tempo e, após a internação, encontrou na terapia cognitiva um aliado contra as crises de pânico e a insônia.
 
As histórias se repetem e acendem um sinal vermelho em relação aos riscos de dependência de benzodiazepínicos. No caso do Rivotril, especialistas indicam que há risco de dependência após três meses de uso. Por sorte, não foi o que aconteceu *Rafaela, que começou a tomar o medicamento por indicação médica ao descobrir que estava com depressão: “No começo, eu tinha que tomar para dormir, depois 0,5 mm não adiantava mais. Aí ele começou a servir para me acalmar também quando eu tenho crises. Se eu fico muito nervosa ou muito triste…. Diariamente eu tomo pelo menos 1 mm, às vezes 2 – o que já é bem alto para ansiolíticos”. Para evitar o aumento gradativo da dose, ela trabalha, com acompanhamento médico, aumento, corte e diminuição da dosagem.
 
Atitudes como essa previnem Rafaela de aumentar as estatísticas que apontam que os medicamentos figuram entre as principais causas de intoxicação no Brasil, sendo responsáveis por mais de 31 mil casos apenas em 2012, segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). Nos Estados Unidos o problema é igual: uma pesquisa da Drug Abuse Warning Network (DAWN) indica que em 2009 mais de 300.00 pessoas foram parar na emergência dos hospitais do país por abuso de benzodiazepínicos. Isso ocorre em grande parte graças ao crescente número pessoas que tomam o medicamento sem acompanhamento médico.
 
São executivos, trabalhadores, donas de casa e estudantes que parecem estar felizes e tranquilos com suas vidas, mas no fundo não conseguem lidar com seus problemas pessoais e recorrem ao fármaco como uma forma de libertação dos problemas do dia-a-dia. O Rivotril acaba virando um grande amigo, responsável por diminuir os momentos de estresse e a pressão social enfrentada por estas pessoas.
 
Mas o que faz com que o remédio tenha se tornado tão popular no Brasil? Afinal, por se tratar de um medicamento com venda controlada, a Anvisa proíbe que sua imagem seja veiculada ou seja alvo de promoções voltadas ao público leigo. Entretanto, essa proibição não vale para os médicos, que são a porta de entrada para este tipo de fármaco. Em Minas Gerais, o assunto estourou no ano passado e deu início a uma investigação do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG) e das secretarias municipal e estadual de Saúde. Diversos profissionais que receitam o medicamento estão sendo investigados no estado e, caso seja constatado que houve conduta inapropriada, podem até mesmo ter seus diplomas cassados.
 
Uma reportagem da Superinteressante aponta que o Brasil é o maior consumidor do mundo de clonazepan, o princípio ativo do Rivotril. Mas isso não quer dizer que nosso consumo de benzodiazepínicos seja maior que o de outros países. Pelo contrário: neste quesito, nós ainda nos encontramos na 51ª colocação. Como explicar a diferença? É simples, ao pensarmos que uma caixinha com 30 comprimidos responsáveis pela tranquilidade em drágeas custa menos de R$ 10 nas farmácias.
 
“O sucesso do Rivotril é decorrência do aumento dos casos de transtornos psiquiátricos e do perfil único do nosso produto: ele é seguro, eficaz e muito barato”, conta Carlos Simões, gerente da área de produtos de neurociência e dermatologia da Roche, laboratório responsável pela produção do fármaco, em entrevista à Revista Época. Talvez por isso o remédio tenha figurado no topo do ranking dos medicamentos mais prescritos entre fevereiro de 2013 e fevereiro de 2014.
 
Será que não somos realmente capazes de lidar com nossos problemas de outra maneira e precisamos consumir a felicidade em formato de pílulas? É claro que não se podem ignorar as estatísticas: um em cada três moradores de regiões metropolitanas apresenta distúrbios decorrentes de ansiedade, enquanto cerca de 15% a 27% da população adulta apresenta problemas de sono (Fonte: Veja Rio).
 
O Rivotril pode ser a solução em casos mais extremos, mas um medicamento que apresenta altos índices de dependência e efeitos colaterais que incluem depressão, alucinações, amnésia, tentativas de suicídio e dificuldades para articular a fala, não deveria ser a primeira opção nestes casos. Com a popularização, o remédio hoje é usado como um elixir capaz de curar qualquer problema do dia-a-dia, mas não é o que deveria ocorrer. Quem sabe não aprenderíamos a lidar melhor com nossas próprias angústias caso precisássemos resolvê-las de outras maneiras? Ou isso, ou nos acostumamos a conviver com os efeitos colaterais de uma sociedade incapaz de resolver seus próprios dilemas. É isso, afinal, que queremos?
 

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