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domingo, 9 de outubro de 2011

Artigo reacende o debate sobre manipulação genética para fins terapêuticos

A polêmica questão das pesquisas com células-tronco ganhou mais combustível esta semana. Em um artigo publicado na revista Nature, cientistas anunciaram a descoberta de um novo método de manipulação genética, que pode criar células-tronco embrionárias.

Por meio da fusão entre ovócitos (óvulos que ainda não amadureceram) e células comuns, eles afirmaram ser possível voltar ao mesmo estágio das células pluripotentes, capazes de se transformar nos mais variados tecidos. Isso seria uma grande vantagem para amenizar a controvérsia mais recente, porque não se dependeria mais do uso de embriões reais. Por outro lado, ressuscita outro tema de enorme sensibilidade: a clonagem para fins terapêuticos. O problema é que a técnica — semelhante à utilizada para a criação da ovelha Dolly — gera uma estrutura com uma quantidade de cromossomos acima do normal. E os pesquisadores ainda não sabem como ultrapassar esse obstáculo.

Não é a primeira vez que os cientistas tentam gerar células-tronco humanas a partir de ovócitos doados por mulheres. Na teoria, o ovo serviria como uma espécie de orientador, pois reprogramaria o genoma de uma célula adulta para que ela voltasse a ser pluripotente. “Essa foi a grande contribuição da Dolly: ela mostrou que uma célula diferenciada poderia voltar ao estágio embrionário”, lembra a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano. No caso da ovelha, a experiência gerou um clone, embora esse não seja o objetivo das pesquisas que usam material humano.

“Em modelos animais com doenças como o diabetes e o mal de Parkinson, tal reprogramação celular funcionou bem. Se técnica semelhante puder ser criada para células humanas, isso trará ótimas possibilidades terapêuticas para tratar patologias debilitantes”, aposta Dieter Egli, pesquisador do The New York Stem Cell Foundation Laboratory e um dos autores do estudo. A ideia de Egli e seus colegas era determinar se o ovócito humano teria a capacidade de transformar células adultas em células-tronco, tal qual ocorreu com o ovócito da ovelha. “Isso era uma grande questão, porque muitos grupos que tentaram fazer isso antes falharam”, conta o cientista.

A equipe, então, resolveu mudar um pouco o método (veja infografia). Com material de animais, os pesquisadores inserem a célula adulta no ovócito e, pouco depois, retiram o genoma. Isso é feito porque a célula especializada já tem todos os cromossomos necessários a uma célula normal. Se eles mantivessem o DNA do ovócito, haveria material genético “sobrando”. Como isso não deu certo com células humanas, a alternativa foi manter o genoma do ovócito. “Conseguimos provar que, sim, um ovócito humano é capaz de transformar células especializadas em células-tronco”, comemorou Dieter Egli.

A fusão deu origem ao blastocisto, um conjunto de células que antecede a formação do embrião. No processo natural da gestação, o blastocisco surge em torno de 16 dias após a fecundação. A estrutura é composta por três camadas: a externa, que forma neurônios; a do meio, que origina células musculares; e a interna, que se transforma em órgãos, como os rins. “O maior achado dessa pesquisa foi que eles conseguiram mostrar a necessidade de interação entre o núcleo do ovócito com o da célula adulta para o desenvolvimento do organismo”, comenta a pesquisadora brasileira Mayana Zatz.

O sucesso da experiência, porém, não garante a viabilidade do método. “Ainda há muito trabalho a ser feito no ovócito humano para chegar a uma célula pluripotente que contenha apenas o genoma da célula especializada”, reconhece Dieter Egli. O pesquisador acredita que isso é possível, porque há um momento em que os núcleos das duas estruturas não se misturam. “O objetivo é criar uma tecnologia para remover o genoma do óvulo nos estágios iniciais, porque, quando os núcleos se misturam, eles não podem mais ser separados”, diz Egli.

Entrave ético
E esse não é o único desafio que Egli e seus colegas precisam vencer. O maior problema é conseguir óvulos humanos para esse tipo de pesquisa. No estudo, os cientistas norte-americanos utilizaram 270 ovócitos de 16 mulheres. Ao entregar seu material biológico para um clínica de reprodução assistida, elas tinham a opção de destiná-lo para casais inférteis ou para a realização de estudos com célula-tronco. “A discussão sobre as preocupações éticas levantadas por esse trabalho estavam calmas, e o grupo de pesquisa por trás do mais recente estudo tratou uma das questões éticas mais dúbias — a obtenção de óvulos humanos de doadoras — de forma transparente”, escreveu a Nature em seu editorial.

A ideia dos pesquisadores norte-americanos é que a técnica possa, no futuro, substituir a atual forma de desenvolvimento de células-tronco in vitro. Batizada de IPS (do inglês induced pluripotent stem cells, ou células pluripotentes induzidas), ela utiliza células adultas e vírus, que ativam genes presentes na formação do embrião. O método, contudo, já apresenta falhas. “Foi reportado que células IPS podem causar mutações em genes responsáveis pelo câncer e isso poderia ser transplantado para o paciente”, explica Scott Noggle, outro cientista que participou da pesquisa.

De qualquer forma, pesquisadores e médicos reforçam a necessidade de manter os estudos com as células-tronco. “Nós geramos células pluripotentes a partir do material biológico de cada paciente. Com isso, podemos testar diferentes estratégias para corrigir defeitos genéticos, caso a caso”, aponta Mayana Zatz. Por isso, ressalta a geneticista, é importante continuar utilizando embriões nesse tipo de investigação. “Com os embriões congelados, você observa o caminho natural da evolução e, assim, pode comparar com as células pluripotentes geradas em laboratório”, defende.

Peças da vida
Óvulos e espermatozoides são as únicas células que contêm apenas 23 cromossomos cada. Isso porque, quando elas se unem, formam a primeira célula do embrião, com 46 cromossomos, número que define a espécie humana. No caso da pesquisa norte-americana, a célula tem 69 cromossomos: os 23 do ovócito e os 46 da célula adulta.


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