Largar o vício do tabagismo é uma batalha longa, que exige enorme força de vontade. E, embora a indústria farmacêutica ofereça mecanismos para ajudar nesse trajeto, como adesivos, chicletes e sprays nasais que contêm nicotina, tais ferramentas não são tão eficazes quanto se imaginava.
Uma pesquisa desenvolvida na Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, revelou que cerca de um terço das pessoas que usam repositores de nicotina sofrem recaídas a longo prazo e voltam a fumar. O índice é o mesmo entre os que buscam enfrentar o tabagismo por conta própria, sem o uso de recursos adicionais.
No estudo, publicado recentemente na edição on-line da revista Tobacco Control, os cientistas acompanharam 787 adultos — entre 18 e 30 anos — que moram no estado de Massachusetts e haviam parado fumar entre 1999 e 2001. Desse grupo, 193 haviam tentado abandonar o cigarro com a ajuda de terapias de reposição de nicotina. Todos os voluntários foram acompanhados nos períodos de 2001 a 2002, 2003 a 2004 e 2005 a 2006 para que se pudesse avaliar a taxa de recaída entre os ex-fumantes.
Segundo a pesquisadora Lois Biener, da Universidade de Massachusetts Boston e uma das autoras do trabalho, os resultados obtidos foram muito curiosos. “As pessoas que usaram repositores não se saíram melhor em se manter longe do cigarro dois anos após largar o vício, se compararmos com indivíduos que não dispuseram desse recurso. Entre os que mascaram chicletes, usaram adesivos e afins por seis semanas ou mais, a taxa de recaída foi semelhante à dos que pararam por conta própria”, compara, em entrevista ao Correio.
Lois destaca que, de acordo com o Centro de Controle de Doenças dos EUA, 54,4% de todos os 46 milhões de fumantes do país quiseram deixar de fumar no ano anterior à Pesquisa e Entrevista de Saúde Nacional, feita em 2010. Desses, só 6% realmente foram bem-sucedidos. Com base nas descobertas, o principal autor da análise, Hillel Alpert, cientista do Centro para Controle Global do Tabaco, em Harvard, conclui: “Os repositores não são mais efetivos em ajudar as pessoas a deixar o cigarro a longo prazo do que o empenho em largar por conta própria”.
Ele explica que o estudo mostra a necessidade de que a FDA, agência norte-americana reguladora de medicamentos e alimentos, aprove apenas remédios que sejam eficazes em ajudar os fumantes a acabar com o vício a longo prazo e a reduzir a nicotina para diminuir a dependência do cigarro. “É importante ressaltar que há outras medidas que notoriamente funcionam no combate ao tabaco, como campanhas, a promoção de políticas contra o fumo e o aumento do preço dos cigarros”, cita.
A técnica da divisão de tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (Inca) Vera Colombo defende, entretanto, a validade das terapias de reposição de nicotina para ajudar as pessoas a largarem o cigarro — tanto que o Ministério da Saúde fornece esses materiais a postos que oferecem o tratamento, diz. “É comprovado que o adesivo e a goma fazem com que o indivíduo tenha menos vontade de fumar, pois liberam uma determinada concentração de nicotina no organismo. A pessoa começa usando o repositor que tem maior concentração da substância e, gradativamente, ele passa a utilizar os que têm menos nicotina”, explica.
Ela, contudo, concorda que só remédios não são suficientes para acabar com o tabagismo. “Para ficar livre da dependência, é preciso um acompanhamento cognitivo-comportamental, de modo que o fumante compreenda como resistir ao desejo de voltar ao cigarro.” Vera pontua que, com cada vez mais campanhas de conscientização sobre os malefícios do tabagismo, a população brasileira tem recorrido mais intensamente às mais de mil unidades de saúde que oferecem assistência aos futuros ex-fumantes.
“Não substitui”
Os irmãos Ana Elize, 24 anos, e Luiz Gustavo Ferrari, 21, são prova de que os repositores de nicotina nem sempre são eficientes para largar o cigarro. A dupla tentou parar de fumar mascando chicletes de nicotina durante pouco mais de um mês. “Decidimos fazer isso juntos para um dar força para o outro”, comenta Ana Elize. Segundo a universitária, que fuma há 10 anos, a ação, infelizmente, não surtiu efeito. “Quando passei a fumar duas a três carteiras de cigarro por dia, achei que era o momento de parar. Tentei usar tanto o chiclete quanto o cigarro eletrônico, mas não adiantou. A goma é muito forte, muito ruim, e não substituiu a sensação de relaxamento que tenho quando fumo”, afirma. Ao longo do tempo, a jovem reduziu a quantidade de cigarros para cerca de 18 por dia. “Ainda tenho vontade de parar, mas, realmente, é muito difícil”, destaca.
Para Gustavo, mascar o repositor de nicotina era parecido com mascar um chiclete comum. “A ânsia de fumar era menor, tanto que passei esse tempo todo sem cigarro, mas, mesmo assim, não deu certo”, lamenta. O estudante fuma desde os 17 anos e alerta que, para acabar com o vício, é necessário ter muita força de vontade. “Quero largar o cigarro e vou tentar ainda em 2012. É uma daquelas resoluções que a gente sempre faz no começo do ano”, reconhece o jovem.
Se as chances de recaída entre quem recorre aos repositores e quem tenta deixar o cigarro sem o apoio de outros procedimentos são as mesmas, a dificuldade para ambos é intensa. Que o diga a professora Clélia Rabelo, 51 anos, que fuma desde os 15 e já buscou abrir mão do vício duas vezes. “Pouco antes de completar 40 anos, fiquei dois meses sem fumar. Fiz isso por conta própria, na raça”, recorda. “Na primeira vez que deixei o cigarro, larguei também o café e a cerveja. Foi um impacto forte. Fiquei muito triste, numa espécie de depressão, como se a vida só fizesse sentido por causa do cigarro”, descreve. Para se sentir feliz novamente, Clélia voltou a fumar, ação que considera uma “muleta psicológica”.
Na segunda tentativa, aos 46 anos, a professora passou um ano longe do tabaco, mas, além de ter engordado muito, passou por situações de estresse que a induziam a retomar o hábito. “Além disso, minha família é toda de fumantes, o que me deixava angustiada por ficar em um ambiente com cigarro e não fumar”, pontua. Em 2012, Clélia entrou em um programa antitabagismo, no qual inclusive usa remédios para abandonar de vez o vício. “Sinto muita culpa por fumar, porque, como professora, o que não falta é acesso a informações sobre os malefícios do cigarro. Tenho que fumar escondido no ambiente de trabalho, para não influenciar meus alunos”, admite. Desta vez, ela acredita que será bem-sucedida nessa luta constante.
Vitória pessoal
Apesar disso, há pessoas que, com a ajuda de repositores de nicotina, conseguem deixar o vício, como o ator e servidor público Magno Assis, 45 anos. Após diversas tentativas de acabar com os 20 anos de dependência do cigarro, Assis conseguiu parar de fumar em outubro do ano passado, quando começou a usar na pele adesivos com nicotina e fazer ioga para controlar a ansiedade. “Nos primeiros dias, o repositor funcionou como um substituto do cigarro. Por mais que eu tivesse vontade de fumar, esse recurso me deixava tranquilo, a nicotina que havia nele aliviava muito minha ansiedade”, relata. Um dia, passado de um mês e meio usando todos os dias o adesivo, ele se esqueceu de colocá-lo e só foi sentir falta durante a tarde. Desde então, não o utiliza mais — nem chega perto do tabaco.
Outro caso de vitória é o da auxiliar administrativa Tânia Maria Cavalcante, 51 anos, dos quais 33 com o cigarro na mão. “Parei por causa da pressão da família. Além disso, não estava me sentindo muito bem, ficava cansada facilmente”, assume. Tânia foi a um posto de saúde, onde integrou um grupo de pessoas que não queriam mais fumar. Passou a usar adesivos de nicotina e, na segunda semana de tratamento, já estava longe do cigarro. “Tem que ter muita força de vontade, senão não para. Ainda sinto falta, mas não quero fumar nunca mais”, determina.
Palavra de especialista
Liberação de endorfina
“A principal droga responsável pelo vício em cigarro é a nicotina, que entra no corpo humano e se une a receptores no estriado, que liberam endorfina no sangue, substância responsável pela sensação de prazer. Quando a taxa de endorfina diminui, a pessoa precisa de nicotina novamente, o que causa a compulsão. Com adesivos, chicletes e sprays, a pessoa repõe a nicotina no corpo e diminui a compulsão pelo cigarro. Dependendo do nível de adição do paciente, entretanto, mesmo com esses recursos é muito difícil deixar de fumar. O que mais ajuda, realmente, é a pessoa ter a vontade de se livrar do vício.”
Elizabeth Oliveira Rosa e Silva, pneumologista da Clínica do Tórax, no Hospital Santa Lúcia
Fonte Correio Braziliense
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