Por que, em pleno século 21, as mulheres temem mais a gestação que as
doenças sexualmente transmissíveis
No que depender do (des)conhecimento popular, a gravidez é muito mais complexa do que uma simples relação desprotegida.
Não saber o que é período fértil e quais as reais chances de gerar uma criança, talvez seja um dos menores males da ignorância feminina em relação à própria saúde sexual. aids, HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, além de pouco entendidas, não encabeçam a lista dos temores das mulheres após o sexo sem camisinha.
Segundo Priscila de Paula Giacon, chefe do departamente de ginecologia do Hospital Pérola Byington, a preocupação em relação a tais doenças só é vista em mulheres violentadas. Nesse grupo, o receio da contaminação é o mesmo de uma possível gestação indesejada.
“Nosso foco não é no atendimento de base, mesmo assim recebemos diariamente pacientes querendo fazer teste de gravidez ou tirar dúvidas sobre corrimento e infecção urinária. A preocupação só muda quando atendemos vítimas de abuso sexual.”
Presente na maioria dos consultórios ginecológicos, a pergunta reflete dois problemas crônicos no País: saúde e educação. Ana Carolina Carvalho Ambrogini, ginecologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revela que cansou de explicar às pacientes que gravidez não se dá por geração espontânea.
“Sempre há uma história exagerada que alimenta e potencializa a dúvida. A falta de informação, o apelo a conhecimentos rasos e crendices faz com que o problema se arraste, e independa de idade ou classe social."
Em 2005, Carolina fez parte do projeto Amar Bem, feito pelo psicanalista Moacir Costa – um serviço de 0800 para que a população pudesse tirar dúvidas sobre temas relacionados à sexualidade. A médica revela que nas três horas semanais como plantonista, 80% das perguntas eram relacionadas à gravidez.
"São questionamentos básicos que mostram o receio exagerado de quem não usou camisinha e se descuidou nos métodos anticoncepcionais. Entre público adolescente, a confusão e desorientação é ainda mais gritante."
Indispensável
De fato, o conhecimento popular pouco tem a contribuir para que as mulheres entendam que a pílula, o DIU, os hormônios injetáveis e os demais métodos de barreira não excluem o uso do preservativo. Na visão de Carolina, a demora no atendimento público dá margem para que as dúvidas sejam resolvidas com fontes alternativas e pouco confiáveis.
“O questionamento é presente, mas o atendimento nos postos de saúde é a longo prazo. Esse sistema moroso faz com que as pessoas busquem respostas na conversa com uma amiga, vizinha ou na internet.”
Tatiana Mandia, médica generalista do Programa de Saúde da Família (PSF), se deparou com as teorias caseiras anti-gravidez durante o atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. Uma mulher, grávida do terceiro filho, contou que tinha sido ensinada pela vizinha a urinar após a relação sexual. Dessa forma, garantia a vizinha, ela não engravidaria.
“Ela acreditava que a receita era contraceptiva. Revelou que usou tal método durante nove meses, e só engravidou quando deixou de usá-lo.”
Embora o público do posto onde Tatiana trabalha seja majoritariamente idoso, em média, 10 mulheres por dia buscam a unidade para fazer teste de gravidez.
Mitos e crenças
Segundo os especialistas, a maioria das mulheres admite o descuido em relação ao preservativo, mas não acha necessário investir na proteção quando está em um relacionamento. O mito do parceiro "limpinho" também faz com que um filho não programado seja o único risco de uma relação sem camisinha. A publicitária R.M. admite que seu temor número 1, em uma etapa de vida dedicada a trabalho e lazer, é uma gravidez inesperada.
"Já namoro há mais de dois anos. Os relacionamentos longos realmente desprezam a camisinha, vejo isso acontecer com muitas amigas. Tomo a pílula todos os dias e confio no meu parceiro. É exatamente por isso que não temo contrair nenhuma DST. Quando esqueço de tomar o anticoncepcional, fico com receio.”
A postura de R., de acordo com os médicos, não é isolada. Espelha o comportamento de uma geração de mulheres que se vê distante das doenças sexualmente transmissíveis, mesmo dispondo de acesso à informação, e atendimento médico eficiente.
“É um problema que atinge múltiplas esferas. Além dos déficits na educação, a sensível relação entre médicos e pacientes, o tempo limitado da consulta, a postura individual e o destemor comprometem a redução dos índices de HPV e de outras doenças no País”, concluem as profissionais.
Fonte Delas
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