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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Veteranos de guerra e danos cerebrais

Autópsia realizada no cérebro de um ex-fuzileiro que lutou no Iraque e se suicidou revela doença que atinge boxeadores

Ele era um ex-fuzileiro naval de 27 anos, lutando para se ajustar à vida civil após dois períodos no Iraque. Tendo sido um bom aluno, ele se descobriu incapaz de recordar conversas, datas e rotinas da vida diária. Tornou-se irritadiço, gritava com os filhos e afastou-se da família. Ele e a mulher começaram os procedimentos para se divorciar.

Esse homem jovem passou a beber, e um acidente de carro quando estava bêbado custou-lhe a carta de motorista. O Departamento de Assuntos de Veteranos o diagnosticou com distúrbio de estresse pós-traumático, ou DEBT. Quando seus pais ficaram sem notícias dele por dois dias, pediram à polícia que o procurasse. Os policiais encontraram seu corpo; ele se havia enforcado com um cinto.

Essa história é lamentavelmente comum, mas a autópsia do cérebro desse jovem pode ter sido histórica. Ela revelou uma coisa chocante que pode lançar luz sobre a epidemia de suicídios e outros distúrbios experimentados por veteranos das guerras no Iraque e no Afeganistão.

Seu cérebro havia sido fisicamente alterado por uma doença chamada encefalopatia traumática crônica, ou ETC. Essa é uma condição degenerativa mais conhecida por afetar boxeadores, jogadores de futebol americano e outros atletas que recebem repetidas pancadas na cabeça.

Em pessoas com ETC, uma forma anormal de uma proteína se acumula e acaba destruindo células por todo o cérebro, incluindo nos lobos frontal e temporal. Essas são áreas que regulam o controle de impulsos, o juízo, a capacidade de realizar muitas tarefas simultaneamente, a memória e as emoções.

Esse fuzileiro naval foi o primeiro veterano do Iraque no qual se detectou o ETC, mas, depois disso, especialistas fizeram autópsias em uma dúzia ou mais de outros cérebros de veteranos e descobriram a presença repetida de ETC. As descobertas colocam uma questão crítica: as explosões de bombas ou granadas poderiam ter um impacto catastrófico semelhante aos de concussões repetidas nos esportes, e a onda de suicídios entre veteranos jovens poderia ser uma consequência disso? "O DEBT num contingente de alto risco como veteranos de guerra poderia ser, na verdade, uma doença física decorrente de um dano cerebral permanente, e não uma doença psicológica", disse Bennet Omalu, o neuropatologista que examinou o veterano. O dr. Omalu publicou um artigo sobre o veterano de 27 anos como um "caso sentinela" em Neurosurgical Focus, uma publicação médica com revisão por pares.

A descoberta de ETC em veteranos pode ser extremamente importante. Infelizmente, também poderia sugerir que o pior ainda está por vir, pois o ETC tipicamente se desenvolve no meio da vida, décadas após a exposição. Se estamos vendo ETC agora em veteranos de guerra, poderemos ver muito mais nos próximos anos.

Por enquanto, apenas este caso de um veterano com ETC foi publicado numa revista médica. Mas pelo menos três grupos de cientistas estão realizando atualmente autópsias de cérebros de veteranos, e eles descobriram muitas incidências de ETC. A publicação dessas pesquisas está em preparação.

A descoberta de ETC pode ajudar a decifrar um enigma. Os veteranos que retornaram do Vietnã não aumentaram acentuadamente as taxas de suicídios como ocorre hoje com os veteranos do Iraque e do Afeganistão.

Uma diferença evidente é que os veteranos do Afeganistão e do Iraque ficaram provavelmente muito mais expostos a explosões, cujas ondas de choque provocaram colisões dos cérebros contra os crânios.

"Imagine um material gelatinoso, esponjoso, rodeado por fluido, e depois rodeado por um crânio duro", explicou Robert A. Stern, um especialista em ETC na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston. "O cérebro vai se mover, vai sacolejar, no interior do crânio. De nada adianta um capacete nesse caso." O dr, Stern enfatizou que o estudo de ETC ainda está no início.

Degeneração. Mas disse que seu palpite é que o ETC é responsável por uma parte - ele não tem ideia de quanto - dos suicídios de veteranos. O ETC leva a uma perda degenerativa da memória e da capacidade de pensar e, eventualmente à demência. Há também, com frequência, um padrão de depressão, impulsividade e, com muita frequência, suicídio. Não existe hoje um tratamento, ou mesmo uma maneira de diagnosticar o ETC exceto examinando o cérebro após a morte.

Embora a indústria esportiva tenha sido lenta em responder à descoberta de ETC, e ainda não proteja adequadamente os atletas de concussões constantes, os militares têm sido muito mais proativos. O Departamento de Defesa formou a própria unidade para autopsiar cérebros e estudar se as explosões podem estar causando ETC.

Francamente, eu hesitei antes de escrever esta coluna. Alguns veteranos e suas famílias estão num beco sem saída. Se o problema em alguns casos é um distúrbio físico degenerativo, atualmente incurável e fadado a se agravar, será que eles gostariam de saber?

Telefonei para Cheryl DeBow, uma mãe sobre a qual escrevi recentemente. Ela enviou dois filhos fortes e saudáveis ao Iraque. Um cometeu suicídio e o outro está com problemas. DeBow disse que seria realmente confortador saber que poderia haver um distúrbio físico subjacente, mesmo que seja progressivo.

"A gente fica lidando com um fantasma quando se trata de DEBT", ela me disse dois dias atrás. "Muda tudo quando é uma coisa física. As pessoas são mais compreensivas. É um alívio para os veteranos e para a família. E, seja como for, nós queremos saber."

Fonte Estadão

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