Endocrinologistas questionam comparação entre estudos sobre consumo de carne
A comparação entre dois recentes estudos sobre o consumo de carne foi questionada pelos endocrinologistas Rafael Selbach Scheffel, Mateus Dornelles Severo e Beatriz Schaan. Eles entraram em contato com Zero Hora, mencionando matéria publicada na edição impressa de 15 de março sobre pesquisa da da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na qual a carne vermelha produzida no Estado seria absolvida para o consumo, contrariando pesquisa da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Segundo os médicos, "o estudo gaúcho foi realizado em 74 indivíduos saudáveis e com uma técnica chamada de cruzamento (na qual os indivíduos receberam carne de gado alimentado de duas maneiras em momentos diferentes do estudo). Seis meses após alimentação com cada tipo de carne, foram avaliados os níveis de colesterol de cada grupo. Por sua vez, o estudo americano acompanhou cerca de 120 mil pessoas por até 28 anos e avaliou a ocorrência de mortes por doença cardiovascular e câncer. O que essas pessoas costumavam ingerir foi avaliado no início do estudo e a cada dois anos, através de questionários sobre sua alimentação. A comparação dos estudos mostra claramente a superioridade do estudo americano sobre o estudo gaúcho, já que aquele estudou número de pessoas muito maior, seguiu-as por período muito mais longo e, principalmente, mediu o que de fato interessa, a mortalidade, enquanto que o estudo gaúcho avaliou apenas os níveis de colesterol".
Medicina baseada em evidências é um conceito com o qual profissionais da área têm trabalhado para lidar com os resultados de estudos clínicos feitos ao redor do mundo — muitas vezes divergentes entre si. Tipo de estudo, tamanho da amostra, tempo de acompanhamento, metodologia da pesquisa e tipo de desfecho do trabalho são alguns itens levados em conta para que uma pesquisa tenha maior ou menor relevância no campo científico.
Quem explica é o professor Luciano Passamani Diogo, da faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Segundo ele, as pesquisas são planejadas para responderem a uma pergunta específica e, em cima disso, são feitas projeções com base em pressupostos revelados pelo próprio modelo e em outros testados anteriormente.
— O principal fator de controvérsia entre estudos clínicos é a extrapolação dos resultados da pesquisa, que acaba levando a conjeturas equivocadas — comenta Possamani.
Em artigos científicos, essas conjeturas aparecem quando os pesquisadores apresentam uma discussão dos resultados obtidos em confrontamento com conclusões apontadas por outros estudos. Virou jargão da área dizer que "outros estudos precisam ser feitos", como se vê em muitos desses textos. Mas é isso que move os cientistas.
— Refutar resultados anteriores faz parte da evolução da ciência — destaca o professor.
Evidências geram consensos médicos e políticas públicas
Conforme Possamani, faz parte do método científico atual o ranquamento dos estudos e evidências para aplicação clínica.
Até os anos 1970, estudos clínicos eram vistos com estranhamento pela classe médica. As evidências tinham como base a experiência de médicos que tinham atendido muitos pacientes, mas depois se viu que isso tinha pouco valor como ciência, conta o professor. Atualmente, indícios revelados por pesquisas inspiram consensos médicos e até mesmo políticas públicas de saúde.
Para ser validado na área, o estudo deve passar pelo crivo de periódicos científicos. Antes de ser publicado, o artigo é submetido à avaliação de dois ou três especialistas. Uma das preocupações é que, cada vez mais, esses resultados chegam ao conhecimento de não especialistas.
— Uma polêmica entre profissionais da área afeta de forma diferente a população em geral. Resultados não podem ser tomados como verdade, são conjeturas — salienta Possamani.
Fonte Zero Hora
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