EUA testarão medicamento para impedir o desenvolvimento da doença em colombianos com forma hereditária de Alzheimer
No dia 15 de maio, autoridades dos Estados Unidos anunciaram que um ensaio clínico que pode levar a novos tratamentos para prevenir o Alzheimer em pessoas com propensão genética para desenvolvê-lo – mas que ainda não têm quaisquer sintomas – testará pela primeira vez um medicamento destinado a impedir o aparecimento da doença.
Os especialistas dizem que o estudo será um dos poucos já realizados para testar tratamentos de prevenção de doenças geneticamente predestinadas. No caso da doença de Alzheimer, o estudo é inédito, "o primeiro a se concentrar em pessoas que estão cognitivamente normais, mas que têm um risco muito elevado de desenvolver a doença ", disse o médico e pesquisador Francis S. Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde.
A maioria dos participantes virá da família que tem mais membros com Alzheimer do que qualquer outra do mundo, um clã de cinco mil pessoas que vivem em Medellín, na Colômbia, e em aldeias montanhosas remotas fora da cidade.
Os membros da família que têm uma mutação genética específica começam a demostrar comprometimento cognitivo aproximadamente aos 45 anos, e demência completa em torno de 51. Isso os debilita nos principais anos em que estariam profissionalmente ativos, à medida que suas lembranças desaparecem e a doença começa a afetar rapidamente a capacidade de andar, comer, falar e se comunicar.
Trezentos membros da família vão participar do ensaio inicial. Os que têm a mutação estarão a anos de distância de apresentar sintomas, alguns ainda com cerca de 30 anos.
"Por causa desse estudo, não nos sentimos tão sozinhos", disse Gladys Betancur, de 39 anos, membro da família. A mãe de Gladys morreu de Alzheimer, três de seus irmãos já têm sintomas e ela se submeteu a uma histerectomia por medo de ter a mutação e passá-la para seus filhos.
"Às vezes achamos que a vida está chegando ao fim, mas agora sentimos que as pessoas estão tentando nos ajudar."
O estudo, com financiamento de 100 milhões de dólares, terá duração de cinco anos, mas em dois anos, testes sofisticados poderão indicar se o medicamento ajuda a conter o declínio da memória ou as alterações no cérebro, disse Eric M. Reiman, diretor executivo do Instituto Banner de Alzheimer, em Phoenix, e líder do estudo.
Para especialistas em Alzheimer que não estão envolvidos com o estudo, embora apenas uma pequena porcentagem de pessoas com Alzheimer tenha a forma genética de início precoce que afeta a família colombiana, a expectativa é de que o teste produza informações que possam ser aplicadas a milhões de pessoas que irão desenvolver o Alzheimer de modo mais convencional ao redor do mundo.
"Isso traz uma oportunidade extraordinária de responder a um grande número de perguntas, enquanto que ao mesmo tempo oferecemos a essas pessoas alguma ajuda clínica significativa que de outra forma elas nunca teriam tido", disse Steven T. DeKosky, pesquisador do Alzheimer e vice-presidente e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Virginia. DeKosky fez parte de um grande grupo consultado no início do estudo, mas não tem envolvimento com ele.
Cerca de 5,4 milhões de americanos têm Alzheimer, e os números estão crescendo bastante, à medida que a chamada geração "baby boom" envelhece. A equipe de Reiman está planejando realizar um teste semelhante com pessoas que demonstram um risco elevado de desenvolver Alzheimer tardiamente, de modo convencional, nos Estados Unidos. O estudo anunciado neste mês incluirá um pequeno número de norte-americanos com mutações genéticas que indicam um início precoce de Alzheimer.
O teste do medicamento faz parte do primeiro plano do governo federal nacional para tratar a doença de Alzheimer, anunciado em 15 de maio por Kathleen Sebelius, secretária de saúde e serviços humanos.
O governo surpreendeu ao destinar 50 milhões de dólares do orçamento de 2012 dos Institutos Nacionais de Saúde para pesquisas consideradas promissoras demais para serem adiadas, incluindo o teste a ser conduzido na Colômbia e um estudo para saber se a insulina inalada pode amenizar transtornos cognitivos leves, disse Collins.
Houve a proposta de destinar outros 100 milhões de dólares principalmente para pesquisas em 2013, mas também para a educação, o apoio a cuidadores e a coleta de dados.
O sucesso do teste que será realizado na Colômbia, claro, não é algo certo. Muitos ensaios falham, e as pesquisas destinadas ao Alzheimer, até agora, não encontraram nenhum tratamento cuja eficácia dure mais do que meses. Porém, especialistas dizem que testar os medicamentos anos antes que os sintomas apareçam pode ter um potencial maior, já que o cérebro ainda não estaria devastado pela doença.
O experimento será financiado com 16 milhões de dólares dos Institutos Nacionais de Saúde, 15 milhões de dólares de doadores privados por meio do Instituto Banner e cerca de 65 milhões de dólares da Genentech, fabricante norte-americana do medicamento.
O medicamento é o Crenezumab, que ataca as placas amiloides no cérebro. Se ele mostrar que pode evitar problemas de memória ou cognitivos, os cientistas saberão que a prevenção ou o retardo são possíveis por meio de uma intervenção no amiloide anos antes da demência se desenvolver. Muitos dos pesquisadores do Alzheimer acreditam que o amiloide é uma causa subjacente da doença de Alzheimer.
Em 2010, o New York Times publicou uma reportagem sobre a prevalência de demência nessa grande família colombiana e as esperanças dos cientistas quanto à realização de testes de medicamentos preventivos. Mas convencer as empresas farmacêuticas a investirem levou meses.
Há questões científicas e éticas implicadas em dar medicamentos a pessoas que estão saudáveis e pessoas que vivem em um país em desenvolvimento, algumas das quais têm pouca instrução, renda baixa e superstições antigas sobre a doença que eles chamam de "la bobera" – a loucura.
"A primeira coisa que fiz foi perguntar a mim mesmo: 'Será que estamos nos aproveitando dessas pessoas?'", disse Richard H. Scheller, vice-presidente executivo de pesquisa e desenvolvimento inicial da Genentech. "A resposta, claramente, foi não."
Os riscos, segundo ele, são equilibrados pelo fato de que, se nada for feito, "eles com certeza vão desenvolver essa doença absolutamente terrível".
Os poucos testes de tratamentos preventivos – que envolvem a ginkgo biloba, o tratamento de reposição hormonal em mulheres e os anti-inflamatórios – envolveram pessoas que talvez não desenvolvessem a doença. Essas terapias falharam ou causaram efeitos colaterais adversos.
Testar medicamentos nesse tipo de população demanda "muitos voluntários saudáveis, muito dinheiro e muitos anos", disse Reiman.
A população colombiana é ideal porque ela é grande o suficiente para fornecer resultados sólidos, e facilita identificar quem a doença vai afetar e quando.
O Crenezumab foi escolhido para o teste a ser realizado na Colômbia em parte porque não parece ter efeitos colaterais negativos, ao contrário de outras drogas destinadas à remoção das placas amiloides do cérebro, disse Francisco Lopera, neurologista colombiano que já trabalhou com a família há décadas e é líder do estudo. Outros tratamentos contra o amiloide causaram edema nos vasos sanguíneos, um desequilíbrio de fluidos que pode ter consequências graves.
O Crenezumab está sendo administrado em dois ensaios clínicos que envolvem pessoas com sintomas de demência leves a moderados nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental. O objetivo é averiguar se o medicamento pode ajudar a reduzir o declínio cognitivo ou o acúmulo de placas amiloides, de acordo com a Genentech.
No estudo a ser conduzido na Colômbia, previsto para começar no próximo ano, 100 membros da família que têm a mutação vão receber a droga a cada duas semanas, tomando uma injeção em um hospital. Outros 100 portadores vão receber um placebo. E como muitas pessoas não querem saber se têm a mutação, os pesquisadores vão incluir 100 não portadores no estudo, que receberão um placebo.
Os pesquisadores desenvolveram uma sofisticada bateria de cinco testes de memória e cognitivos utilizados em outros estudos, nos quais mostraram detectar alterações sutis, que geralmente passam despercebidas, na capacidade de memorização e raciocínio. Pierre N. Tariot, diretor do Instituto Banner e líder do estudo, disse que as atividades envolvem a rememoração de palavras e de nomes de objetos, o raciocínio não verbal, a lembrança de épocas e lugares, e testes de desenho que solicitam que o participante copie imagens complexas.
Segundo Tariot, os pesquisadores também pretendem avaliar mudanças no estado emocional das pessoas, tais como "irritabilidade, tristeza, choro, ansiedade e impulsividade – essas são características básicas do aparecimento da doença".
Os cientistas vão fazer medições fisiológicas, incluindo exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) que medem o material amiloide e o modo como a glicose é metabolizada no cérebro, exames de ressonância magnética que medem se o cérebro está encolhendo, e exames de fluido cerebrospinal que medem o amiloide e a tau, proteína presente em células cerebrais degenerescentes.
Se o medicamento for capaz de tratar qualquer um desses indicadores, disse Reiman, os cientistas poderão então cuidar de uma dessas alterações fisiológicas precoces, assim como a pressão alta e o colesterol são tratados para prevenir doenças cardíacas.
Ambos os lados da família de Marcela Agudelo, 17 anos, de Medellín, têm a doença de Alzheimer, porque seus pais são primos distantes. Marcela assistiu a morte da avó materna, e seu pai, de 55 anos, antes um vibrante comerciante de gado, deteriorou-se tanto que não consegue mais andar, falar ou rir.
Com a pesquisa, "temos mais esperança de conseguir uma cura", disse Marcela, "ou pelo menos de ter uma vida melhor".
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