Um manual com recomendações sobre a volta à vida sexual após uma doença cardiovascular foi lançado pela primeira vez por uma associação médica para incentivar cardiologistas a tocar no assunto com seus pacientes.
Sim, o tema ainda é tabu --tanto para médicos como para pacientes. Estudos já mostraram que os cardiologistas reconhecem a importância e necessidade de falar a respeito, mas muitos não sabem que conselhos dar ou se sentem constrangidos.
Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress |
A vergonha também pode tomar conta de pacientes e seus parceiros, que nessas situações costumam ter uma lista de medos e ansiedade. com potencial de causar impactos negativos nos relacionamentos.
Uma das principais preocupações é sobre um eventual infarto durante o ato sexual -coisa rara, que só acontece em 0,9% dos casos.
É o tipo de informação que poderia ser repassada aos pacientes para tranquilizá-los, segundo as diretrizes baseadas em evidências publicadas recentemente na revista "Circulation" pela Associação Americana do Coração e pelo Conselho de Enfermagem Cardiovascular e Profissões Aliadas da Sociedade Europeia de Cardiologia.
"Por incrível que pareça, no século 21 esse é um tema difícil de abordar", diz Abrão Cury Jr, supervisor de clínica médica do HCor (Hospital do Coração). "A publicação tira o assunto da penumbra. Tem médico que não sabe se fala sobre sexo com o paciente, mas o manual incentiva e facilita essa abordagem."
Segundo o manual, é o próprio profissional que deve tomar a dianteira.
"Se o médico toca no assunto, facilita muito porque ele abre um canal de comunicação. Claro que isso também pode gerar um constrangimento, mas o médico deve sempre perguntar se o paciente tem dúvidas, dizer quando a atividade sexual poderá ser feita. Todos querem saber, mas poucos questionam", diz Carlos Costa Magalhães, presidente da Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo).
Quando o bancário aposentado Edson Saraiva, 63, teve um infarto e precisou colocar três pontes de safena aos 39 anos, foi dele a iniciativa de falar sobre sexo.
"No início, nem pensava no assunto, mas, passado o perigo, queria retomar a vida de antes e perguntei se podia. Depois de uma cirurgia dessa a gente fica com medo de tudo e, se o médico não disser que pode, não vai fazer."
No primeiro retorno, um mês depois, ouviu do médico que estava liberado, mas que no começo precisaria fazer menos esforço físico e ser mais passivo.
Isso significa ficar em posições confortáveis que requerem menor gasto de energia, de preferência com a pessoa que sofreu o problema cardíaco deitada.
O documento da Associação Americana do Coração também recomenda que os casais avancem aos poucos, começando por beijos e carícias, para que o paciente vá ganhando confiança e perca o medo.
Sexo em lugares familiares com o parceiro usual também gera menos estresse para o coração.
Outra preocupação é em relação aos remédios prescritos para pacientes cardíacos. Alguns deles, como os betabloqueadores e diuréticos, podem causar perda de libido e disfunção sexual, e o ideal é conversar com o médico a respeito para que ele considere trocar a classe das drogas ou reduzir as doses.
Já os remédios para disfunção erétil são contraindicados para os homens que tomam drogas vasodilatadoras à base de nitrato.
As recomendações, é claro, devem ser individualizadas e dependem das condições clínicas de cada paciente. E, se o médico não falar no retorno à vida sexual, o paciente deve tocar no assunto e também relatar quaisquer sintomas que possam aparecer durante a relação sexual.
"A pessoa não pode sair do consultório com dúvidas. E o médico tem que mostrar que existe, sim, vida sexual após um infarto. Do que adianta manter o paciente vivo sem qualidade de vida?", questiona Carlos Alberto Machado, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Folhaonline
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