Espécies de bactéria que compõem a flora intestinal variam de pessoa para pessoa |
Um estudo publicado recentemente na revista Science apresenta uma descoberta surpreendente: a quimioterapia atua de forma mais eficaz com a ajuda da flora intestinal de pacientes com câncer. A pesquisa, conduzida por cientistas franceses dos institutos Gustave Roussy, Pasteur, Inserm (Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica) e INRA (Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas), demonstra que a eficácia de um dos medicamentos mais usados em tratamentos quimioterápicos se deve à sua capacidade de deslocar certas bactérias do intestino para a corrente sanguínea e os linfonodos. Quando no interior destes últimos, os micro-organismos estimulam o funcionamento do sistema imunológico que, por sua vez, aumenta a capacidade do paciente de combater tumores malignos.
A flora intestinal é composta por cerca de 100 trilhões de bactérias, que funcionam praticamente como um órgão do corpo humano, já que desempenham funções cruciais para a nossa saúde, como a eliminação de substâncias estranhas ao organismo (e potencialmente tóxicas) e de agentes patogênicos. Elas ainda garantem a decomposição dos alimentos ingeridos, o que permite uma melhor absorção dos nutrientes, otimizando o metabolismo. Estas trilhões de bactérias colonizam o intestino desde nosso nascimento, e desempenham um papel-chave no amadurecimento de nosso sistema imunológico.
No entanto, as espécies de bactéria que compõem a flora intestinal variam de pessoa para pessoa, e a presença ou a ausência de uma ou de outra parece influenciar na ocorrência ou não de certas doenças.
Uma equipe de pesquisadores franceses comandada por Laurence Zitvogel, do Instituto Gustave Roussy, em colaboração com Ivo Gomperts Boneca, do Instituto Pasteur, e Patricia Lepage e Joël Doré, do INRA, apresentou evidências de que a flora intestinal estimula as respostas imunológicas de um indivíduo para combater o câncer durante a quimioterapia.
Efeito colateral benéfico
A ciclofosfamida é uma das drogas mais utilizadas na quimioterapia. Entretanto, como qualquer outro tratamento, ela causa efeitos colaterais (como a inflamação da mucosa) e perturba o equilíbrio natural da flora intestinal. Em decorrência disto, certas bactérias (especificamente aquelas que fazem parte do chamado grupo Gram+) podem acabar passando pela barreira do intestino e entrando na corrente sanguínea e nos linfonodos.
Essas bactérias, quando circulam em outras partes do organismo, podem ser consideraras prejudiciais, fazendo com que o corpo gere uma resposta imunológica.
— Essa reação em cadeia, um efeito colateral do tratamento, acaba por se tornar muito útil. Surpreendentemente, as defesas imunológicas direcionadas contra essas bactérias ajudam o paciente a melhor combater seu tumor, já que estimulam novos mecanismos de imunodefesa — explica Zitvogel.
Mais especificamente, a imunização contra estas bactérias leva ao uso de linfócitos efetores diferentes daqueles mobilizados pela quimioterapia. Seu papel consiste em ajudar linfócitos anticancerígenos a conter o crescimento de tumores.
Para testar estas observações, os pesquisadores retiraram todas as bactérias do grupo Gram+ das floras intestinais de camundongos. Os resultados demonstraram que a eficácia da quimioterapia foi reduzida. Os cientistas também sugerem que alguns antibióticos usados durante a quimioterapia podem matar estas bactérias Gram+, anulando dessa forma seu efeito benéfico.
— Agora que esta bactéria "benéfica" que potencializa a imunodefesa anticancerígena foi identificada, em breve nós devemos passar a administrá-la mais para os pacientes, especificamente por meio de medicamentos pró ou prebióticos, ou ainda de uma dieta específica — conclui o pesquisador.
Zero Hora
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