Brasília – Percorrendo várias regiões do Brasil, é fácil perceber que uma das
principais reclamações da população na área de saúde é a falta de especialistas.
Na cidade mineira de Pedra Azul, por exemplo, a demanda é tanto da população
quanto dos gestores locais.
A falta de especialistas é motivo de queixas também em Manaus. Na Unidade
Básica de Saúde Alfredo Campos, no bairro Zumbi, a vendedora Alciléia Nunes de
Souza, de 30 anos, conta que esperou
por mais de quatro horas por uma consulta para as filhas, que estavam com
sintomas de problemas respiratório. Depois de quatro horas, saíram sem
atendimento. Segundo Alciléia, a situação é recorrente e o número de pediatras
não é suficiente para atender à demanda.
De acordo com a vendedora, disseram que o posto estava sem pediatra e que o
atendimento só seria possível no dia seguinte. “Vai ser mais um dia sem aula, em
que a gente vem e espera sem saber quando o médico vai atender", lembra
Alciléia, dizendo que “vida de pobre é assim”.
Apesar das queixas, Luiz Fernando Ferraz, professor de medicina da
Universidade de São Paulo (USP), acredita que muitas das demandas encaminhadas
aos especialistas, poderiam ser facilmente resolvidas por médicos generalistas,
que, se bem formados, podem resolver entre 70% e 80% das demandas da rede
pública de saúde, deixando para os especialistas os casos críticos.
“É da cultura do brasileiro ir ao neurologista quando está com dor de cabeça,
ao gastro quando está com dor de barriga. Se a pessoa realmente precisa de um
especialista, de um modo geral, é porque não cuidou do problema quando podia
tratar dele com um clínico”, diz Ferraz, que há 16 anos participa da Bandeira
Científica da USP, que anualmente leva atendimento a pequenas cidades e faz
projetos para a resolução dos gargalos locais.
É com essa ideia central que o Programa Mais Médicos quer levar
emergencialmente generalistas para os municípios sem médicos. No entanto, Ferraz
ressalta que o programa deveria fazer um controle da qualidade dos profissionais
que contrata. “O número é importante, mas é preciso ter muito cuidado com a
qualidade dos profissionais selecionados. Eles correm o risco de se tornar meros
encaminhadores de pacientes”, teme o professor.
Ferraz defende investimentos na boa formação do generalista, em clínica geral ou
em medicina da família. “As pessoas pensam que o generalista sabe de tudo um
pouco e não faz nada bem. Se este for o nosso generalista, estamos perdidos. É
muito mais fácil ser um baita oftalmologista do que um baita generalista. É
difícil, ele tem que ter boa formação, e é nisso que temos de investir, já que
não temos dinheiro para tudo.” Ferraz deixa claro, porém, o país precisa de
especialistas, mas precisa ainda mais de generalistas.
O professor relata a experiência de um estudante de medicina, em Pedra Azul, onde coordenou o 16º ano da Bandeira Cientifica, no início deste mês. Segundo ele, em atendimento supervisionado por um profissional, o estudante fez uma ultrassonografia em uma paciente e, em seguida, perguntou: “está sentindo mais alguma coisa?” Então, a paciente mostrou a perna e falou da dor que estava sentido há dias, mas à qual não deu a devida importância.
“A paciente estava com uma trombose venosa profunda, não sobreviveria nem uma
semana, se não fosse tratada”, lembra Ferraz.
O caso foi levado ao hospital da cidade onde o médico da expedição mostrou ao plantonista local que, apesar da gravidade, a paciente não precisaria ser encaminhada para um especialista.
“O plantonista queria encaminhar a pacienta para um hematologista, mas ela
morreria se precisasse esperar. O recado que nós queremos deixar é que eles
podem fazer muito mais com o que já têm”, conclui Ferraz.
Agência Brasil
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