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terça-feira, 1 de julho de 2014

Como a emoção do gol se espalha pelo organismo

Biologia do gol - Arte: Rafael Ocaña
O momento máximo do futebol, um esporte de emoções súbitas, desafia o bem-estar dos torcedores apaixonados 

Suponhamos, para nos 45 do segundo tempo, um zero a zero entre Brasil X Chile neste sábado de oitavas de final na Copa do Mundo. Mas eis que, nas rebarbas de jogo concedidas pelo juiz, Oscar deita um defensor a dribles e cava uma bola alta que samba sobre a zaga e pousa em um voleio espetacular de Neymar. A bola iria para fora, mas roça os bigodes de Fred. Gol do Brasil. 

A cena ataca o olho, que repassa para o cérebro. O sistema límbico amacia e aciona o hipotálamo, os neurotransmissores serotonina e endorfina fazem o meio de campo, e logo cortisol, dopamina e adrenalina se lançam na corrente sanguínea. Os hormônios pegam de surpresa o coração, que sacode em comemoração. Vai variar de torcedor para torcedor, mas é mais ou menos assim que corpos brasileiros recebem um gol da Seleção.

— Do ponto de vista fisiológico, acontece uma descarga de hormônios, principalmente a adrenalina. Aumenta a frequência do batimento cardíaco de uma hora para outra e, ao menos até certo momento, vai aumentar também a pressão arterial — diz João Carlos Guaragna, chefe do Serviço de Cardiologia do Hospital São Lucas, da PUCRS.

Hipertensão aumenta risco entre os gaúchos
O também cardiologista Domingos Vitola, do Instituto de Cardiologia, compara a experiência do ponto máximo do futebol a exercícios físicos e a outros momentos de entusiasmo.

— Tanto a raiva quanto a alegria provocam a liberação dessas substâncias, as catecolaminas. Para quem não tem problemas de saúde, é como se estivesse em uma corrida. Mas um cigarro atrás do outro e álcool em excesso acentuam o efeito das catecolaminas. Às vezes, a pessoa nem sabe que tem um problema de coração e desenvolve uma arritmia. Se tem um aneurisma cerebral, ele pode se romper — alerta o médico.

Guaragna lembra de um jovem que, acumulando fumo e cerveja durante um daqueles disputados Grêmio X Palmeiras dos anos 1990, saiu do Olímpico sentindo batimentos cardíacos irregulares. Em casa, tomou remédios para arritmia, mas acordou com o problema ainda rondando o peito. Telefonou, então, para Guaragna.

— Era um residente meu, achei que precisava de ajuda com um paciente. Quando o encontrei, ele disse: "o paciente sou eu". Um cara de 29 anos, sem nenhuma doença subjacente, e um jogo foi o bastante para desencadear a arritmia. Ficou dois dias internado no hospital — conta o médico.

Pela mesma época, relata Guaragna, um paciente colorado de 82 anos, que não pôde passar por cirurgia para tratar um aneurisma de aorta, morreu subitamente defronte à televisão, onde passava um jogo do Inter. Uma emoção repentina rompeu-lhe a artéria.

— Emoções intensas trazem riscos para pessoas suscetíveis a espasmo coronariano, por exemplo. Não é a regra, em absoluto, mas pode até haver ataque cardíaco — afirma Guaragna.

O médico do Hospital São Lucas sustenta que o arrebatamento emocional do futebol merece atenção pelas nossas bandas:

— Entre 20% e 35% dos gaúchos são hipertensos, condição de risco para doenças cardíacas. Em meio a 40 mil pessoas em um estádio, teremos um bom número de pessoas em situação de risco. 

Comemoração saudável
No dia em que os laranjas foram eliminados da Eurocopa de 1996, aumentaram em 50% as mortes por derrame e infarto agudo do miocárdio entre homens holandeses com mais de 45 anos, segundo pesquisa que comparou os casos daquela data com o mesmo período em 1995 e 1997. Os pênaltis de Inglaterra X Argentina, na Copa de 1998, coincidiram com um aumento de 25% nas internações por infarto em hospitais britânicos. 

— Um estudo realizado na região de Munique durante a Copa de 2006 e publicado na revista New England of Medicine mostrou que o risco de ataque cardíaco ou arritmia grave mais que duplicou entre os alemães em jogos emocionantes que envolviam a equipe daquele país — aponta Ricardo Stein, diretor-médico do Vitta Centro de Bem-Estar Físico e coordenador do Grupo de Pesquisa em Cardiologia do Exercício do Hospital de Clínicas.

Para manter a comemoração ou a frustração entre limites saudáveis, Stein dá as recomendações:

— Ter uma boa noite de sono, não exagerar na comida, evitar ingestão abusiva de álcool, não fumar ou usar drogas, além de seguir a prescrição se estiver usando remédios. Em adição, terapia comportamental antiestresse também pode ser considerada.
Nem todo alento tem fim trágico. A ansiedade do torcedor treina a respiração e o coração. A vitória classifica substâncias como serotonina e dopamina, e assim passamos de fase com prazer e mais felizes. Que venham as quartas, portanto!

Zero Hora

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