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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Ministério da Saúde estuda distribuir risperidona a usuários de crack e cocaína

O Ministério da Saúde está colhendo sugestões da sociedade para verificar a viabilidade e eventuais implicações de incluir a risperidona entre os medicamentos distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
 
A proposta é usar o antipsicótico como auxiliar no tratamento ao vício por crack ou pela cocaína. Uma segunda consulta pública discute a distribuição do produto a pacientes com distúrbios causados pelo Transtorno Afetivo Bipolar.
 
As duas consultas públicas foram abertas na semana passada, por recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec) – que, no primeiro caso, foi provocada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Sul. Contribuições podem ser enviadas até o próximo dia 29, pela página da comissão na internet. Por unanimidade, os integrantes da Conitec já se manifestaram contrários à incorporação do medicamento para esse fim.
 
A risperidona já é disponibilizada na rede pública de saúde há alguns anos, mas, quando custeada pelo governo federal, apenas para o tratamento da esquizofrenia. A partir de 2015, passará a ser entregue também a pacientes com autismo, como forma de amenizar sintomas como as crises de irritação, agressividade e agitação. Em 2013, o Ministério da Saúde repassou R$ 1,69 milhão para a aquisição de pouco mais de 28,9 mil comprimidos.
 
Alguns governos estaduais e prefeituras, no entanto, já distribuem o remédio a dependentes químicos e outros pacientes da rede pública. Caso da cidade de Caraguatatuba (SP). A indicação do medicamento para o tratamento de dependência de substâncias químicas não está prevista na bula do remédio.
 
A consulta pública para a incorporação do medicamento no tratamento da dependência por crack e cocaína foi instaurada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos três anos após a Justiça Federal ter condenado a União, o governo do Rio Grande do Sul e a Secretaria de Saúde de Santiago (RS) a fornecerem o medicamento a uma usuária de crack.
 
Em 2011, a jovem T.P.F., então com 26 anos, ingressou com ação na 1ª Vara Federal de Santiago para obrigar o Estado a lhe fornecer o remédio. Tentando se livrar do vício por crack e orientada por um psiquiatra, a jovem já tinha tentado obter a risperidona em um posto de saúde de sua cidade, Santiago, a cerca de 450 quilômetros de Porto Alegre. O remédio já constava da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) – relação elaborada pelo Ministério da Saúde que serve de referência à assistência farmacêutica no SUS – e era distribuído gratuitamente pelo governo gaúcho a pacientes em tratamento por outros distúrbios. Ainda assim, o remédio lhe foi negado. A justificativa foi que a risperidona não era “fornecida para a doença informada pelo médico”.
 
A mãe da jovem procurou orientação jurídica na Universidade Regional Integrada de Santiago.
 
“Somos bastante procurados e acompanhamos muitas ações para garantir o fornecimento de medicamentos e de internações à população carente. Era o caso da T.P.F. Sua mãe é empregada doméstica e a moça, por todos os problemas, não trabalhava. Baseamo-nos na garantia constitucional do direito à saúde. Felizmente, a juíza foi sensível a nosso apelo. E embora cada juiz tenha seus critérios, essa é uma decisão que pode sim servir de parâmetro para outros pedidos semelhantes”, explicou a coordenadora do curso de direito da universidade, Adriane Damian Pereira.
 
À Justiça Federal, a jovem entregou o mesmo laudo psiquiátrico e a receita médica que tinha apresentado às autoridades de saúde locais. Além de atestar que o uso de crack exacerbava o eventual comportamento agressivo e impulsivo da jovem, o psiquiatra Fernando Porto Almeida mencionava que a paciente deveria tomar a risperidona por tempo indeterminado. Um perito judicial confirmou que o medicamento era adequado ao quadro clínico de T.P.F. e desaconselhou que a risperidona fosse substituída por outros medicamentos, conforme haviam sugerido os réus na ação.
 
Na última sexta-feira (14), o psiquiatra explicou à Agência Brasil os motivos de ter prescrito o remédio à paciente. “Além do menor custo, a risperidona tem um efeito sedativo menos intenso que o de outros antipsicóticos. Por isso, combinado a outros medicamentos, ele pode ajudar no início do tratamento do vício por drogas como o crack [amenizando os efeitos da abstinência] e nos casos de transtorno bipolar ou de pessoas gravemente deprimidas, com sintomas psicóticos”. Almeida se manifestou favorável à distribuição da risperidona em casos como o de T.P.F. “Quando o paciente demonstrar uma melhora, tiver um laudo médico favorável e não tiver condições de comprá-lo, não vejo porque o Estado não fornecê-lo. Daí a importância dessa consulta popular.”
 
Em novembro de 2011, quando condenou a União, o governo estadual e a prefeitura de Santiago a garantirem o fornecimento mensal de 120 comprimidos de 1miligrama de risperidona, mediante a apresentação de receita médica, pelo tempo que fosse necessário, a juíza federal Cristiane Freier Ceron disse estar convencida da “necessidade e urgência” do medicamento para evitar “o agravamento dos sintomas” de T.P.F. Após a condenação, a paciente recebeu a risperidona por um período. Posteriormente, no entanto, o próprio médico da jovem recomendou a substituição da substância pelo anticonvulsivo Depakene, “também usado como estabilizante do humor e, do ponto de vista científico, mais respaldado ao tratamento da dependência química”, conforme explicou Almeida à Agência Brasil. Segundo a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, a paciente ainda hoje obtém o Depakene, custeado da prefeitura de Santiago.
 
Para balizar o debate, o Ministério da Saúde disponibilizou, na internet, um relatório que a Conitec aponta ainda não haver evidências de potenciais benefícios que justifiquem o uso do risperidona no tratamento da dependência do crack e da cocaína. A comissão calcula que, levando-se em conta as estimativas de que só as capitais brasileiras abriguem 370 mil usuários de crack, a distribuição do medicamento poderia custar ao menos R$ 6,75 milhões aos cofres públicos.
 
Agência Brasil

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